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Importa analisar, neste tópico, a opinião da doutrina brasileira acerca de quais modelos de direito, estado e sociedade civil existentes em uma análise comparativa estão mais adequados à construção que se pretende fazer do direito fundamental à boa administração, com enfoque especial no grau de direção ou intervenção do Estado na economia.

Destaca-se que o instituto do ombudsman foi adotado na União Europeia por influência de uma instituição nórdica de sucesso, o que já denota a adequação daquele modelo que envolve um equilíbrio entre uma intensa e planejada intervenção estatal na economia com fins a promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar sem prejudicar a existência da livre iniciativa.

Para melhor compreender os limites da influência das medidas estatais na ordem econômica, é necessário distinguir sob o aspecto linguístico “entre intervencionismo e dirigismo”355, diferença importante que “nos remete imediatamente à análise da ordem econômica conforme a Constituição de 1988”356.

A opinião do referido jurista é de que a Constituição de 1988 não adotou o dirigismo econômico, uma vez que confere significativo papel à livre iniciativa. Acobertou, entretanto, o

355 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Congelamento de preços: tabelamentos oficiais (parecer), 1989. Revista de Direito Público, n. 91. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. P. 76/86. Disponível em: http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/26. Acesso em: 2 dez. 2018. 356 Ibid.

intervencionismo, como segue:

Quando o art. 174 da Constituição dispõe que o Estado exerça, dentre outras, a função de planejamento, esta expressão certamente não tem nada a ver com dirigismo econômico, mas sim com intervencionismo que, como vimos, é fenômeno que ocorre no desenvolvimento da economia capitalista357.

Essa concepção possui vantagem por estar em harmonia com o método lógico- linguístico, uma vez que a expressão dirigismo provém do verbo dirigir, ao passo que o intervencionismo decorre do intervir. Exemplifica-se. O motorista dirige o veículo, conferindo- lhe irrestritamente a direção. O médico, noutro giro, não dirige a saúde do paciente, ao contrário, intervém cirurgicamente, pode até dar a direção, mas nunca a dirigir. Por essas razões, entende- se que é vedado ao Estado substituir o mercado na determinação da configuração estrutural da economia. Transcreve-se lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior358:

no Estado, não repousa a estrutura da ordem econômica, este não lhe impõe nem conforma as regras estruturais, não é fundamento da economia. A Constituição, nesse sentido, repudia a economia estatizada, o capitalismo do Estado, o dirigismo econômico, pois, ao contrário, acentua essencialmente o pluralismo da livre iniciativa e o sentido social, não discriminatório do trabalho humano como fundamento desta. Como agente normativo e regulador, o Estado, portanto, não se substitui ao mercado na configuração estrutural da economia.

Ou seja, a admissão do tabelamento de preços é excepcional e decorre apenas da finalidade de reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, § 4º, CF). Nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Júnior359: “o tabelamento, nos quadros retroalimentados, só pode ser entendido como instrumento balizador de preços para efeito de repressão ao aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º, da Constituição)”. A Constituição, portanto, acoberta o intervencionismo, não o dirigismo.

Tal concepção está em consonância, ainda, com a Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que muito influenciou a formatação constitucional do atual Estado brasileiro por meio da doutrina social da Igreja360. Naquele documento, considerou-se que “os animais destituídos de razão [...] não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza”361, diversamente dos homens que possuem livre arbítrio, mas demandam intervenção estatal em

357 Ibid.

358 Ibid., p. 50. 359 Ibid., p. 50.

360 BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 46.

361 PAPA LEÃO XIII. Carta Encíclica Rerum Novarum. Vatcicano: Libreria Editrice Vaticana, 1891. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-

algumas hipóteses para protegê-los da injustiça, por exemplo:

é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo362.

Nesse contexto, a primeira perspectiva trazida por Juarez Freitas363 foi a chinesa, a qual, por meio de autoritarismo centralizado, tem dirigido a economia por anos consecutivos ao crescimento.

Entretanto, tal circunstância impacta em carência de legitimidade e, portanto, induz “resultados pífios em termos de consistência intertemporal das políticas públicas. [...] Em dado momento, semelhante modelo carecerá de instituições do Estado de Direito, da segurança social e dos impostergáveis cuidados ambientais”364.

Se o modelo chinês baseado na planificação da economia faz sucumbir a dignidade da pessoa humana no que se refere ao igual respeito pelas escolhas individuais, o americano também não é o mais adequado, mas por motivos extremamente opostos, já que a liberalização da economia “também funciona mal, mercê de incentivos distorcidos, colapsos financeiros periódicos e crescente iniquidade, com altíssimos custos”365.

Sem dúvidas, a dignidade da pessoa humana na sua dimensão da igual consideração, ou seja, em conceder às pessoas o mínimo de condições sociais de educação, saúde e redução de desigualdade resta prejudicada nos Estados Unidos da América.

Por fim, apontou que “o modelo nórdico, à primeira vista, parece superior, mas é de improvável exportação. Desse modo, a saída parece estar em combinar virtudes de vários modelos e selecionar as melhores características, com o sincretismo inteligente e adaptativo”366. De qualquer forma, consoante visto, há uma proximidade crucial entre o modelo nórdico e, formalmente, o brasileiro, qual seja, ambos possibilitam que o Estado realize uma intensa intervenção na economia para promoção do desenvolvimento econômico por meio da figura do planejamento que respeita a livre iniciativa, mas não autorizam a sua direção através da planificação. Exigem, ainda, a perspectiva do bem-estar social pela prestação de inúmeros direito sociais indispensáveis para concretização da dignidade da pessoa humana.

362 Ibid.

363 FREITAS, Juarez. Direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2009, p. 11.

364 Ibid., p. 11. 365 Ibid., p. 11.