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Capítulo 1 A Investigação no Contexto de Museus e Coleções

1.6 Investigar Coleções em Museus

1.6.3 Modelos de Estudo de Objetos e Coleções

Diversos autores (Susan Pearce, Ray Batchelor, Jules Prown e E. McClung Fleming) desenvolveram modelos de estudo de objetos em contexto museológico, onde cada um se destaca pelas suas variáveis distintas. Por isso, cabe ao investigador escolher o modelo que melhor se aplica ao seu alvo de estudo, ou até desenvolver um modelo próprio.

Para Susan Pearce (1994) as coleções são o coração do museu. Neste sentido, são os objetos e as coleções que distinguem essas instituições umas das outras. Os objetos “embody unique information about the nature of man in society: the elucidation of approaches through which this can be unlocked is our task, the unique contribution which museum collections can make to our understanding of ourselves” (Pearce, 1994, p.125).

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Pearce (1994) utiliza como base do seu modelo de estudo de coleções, o modelo criado por E. McClung Fleming (1974), pois será aquele cuja análise cultural indica de que forma é que os objetos transmitem ideias.

Para o seu modelo de estudo ser concretizável as propriedades de um objeto são organizadas em quatro parâmetros: material (corresponde às matérias-primas, design, construção e tecnologia), história (corresponde à descrição da sua função e uso), ambiente (intuito de estabelecer relações espaciais) e significado (corresponde às mensagens que são transmitidas por um objeto). Assim, o ponto de partida para a concretização do primeiro parâmetro é o corpo do objeto, ou seja, perceber a partir de que componentes é que este foi construído. Para chegar a essa ação o investigador deve realizar uma descrição da peça e incluir o processo de construção e ornamentação do objeto e complementar essa descrição escrita com fotografias. Esta autora defende que a partir das características materiais de um objeto, podemos compreender a sua história. A identificação destes parâmetros permite a sua comparação com outros objetos da mesma tipologia.

Com as características físicas do objeto estabelecidas chega-se ao segundo e terceiro parâmetro, os processos históricos e contextos, que podem ser descritos pelo investigador de duas formas: a história do seu fabricante e processo de construção, atendendo aos detalhes da sua construção e uso ao longo do tempo; e a sua história enquanto objeto com vida. É nesta fase que a investigação “aims to establish the function of the object in its own time” (Pearce, 1994, p.130) e, de certa forma, criar elos de ligação entre a sua função inicial e a função que atualmente possui. O quarto, e último, parâmetro deste modelo, remete para o significado do objeto na atualidade. Aqui é tido em conta o carácter emocional que o objeto transmite na sua forma quer coletiva, quer individual para o investigador.

Como podemos verificar, este modelo debruça-se essencialmente sobre as dimensões emocionais presentes nos objetos, deixando de parte as suas dimensões mais sociais.

Para o autor Ray Batchelor (1994) é possível chegar à interpretação multifacetada de um objeto através de uma análise que contenha seis pontos chave: invenção, material, fabrico, marketing, história do design e função. Essa análise é sobretudo direcionada para a dimensão física do objeto.

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O primeiro ponto, invenção, corresponde às ideias que deram origem ao objeto, ou seja, o investigador deve procurar informações sobre a origem do objeto; identificar qual o material utilizado no fabrico do objeto e o método de fabrico, ou seja, o investigador, nesta fase procura entender e relacionar os métodos de fabrico de um objeto e a escolha dos seus materiais. Posteriormente, o design do objeto e as suas influências captam – ou não – a atenção do espectador, o que significa que o objeto deverá transmitir a sua história através das suas linhas.

Toda a informação que um objeto apresenta deve ser explorada antes de ser integrado na sua função museológica (Batchelor, 1994, p.143): as invenções que incorpora, os métodos de fabrico que ilustra, o seu lugar na história, os princípios em que opera, e os aspetos da arte que integra.

Numa outra perspetiva, Jules Prown (1982), inicia o seu modelo de estudo referindo que se trata de um estudo “through artifacts of the beliefs-values, ideas, attitudes, and assumptions - of a particular community or society at a given time” (Prown, 1982, p.1). Esta definição, apresenta o estudo de cultura material como um modo de investigação cultural. Por isso, a metodologia de estudo de um objeto ou coleção em contexto museológico assenta numa análise dos sinais que os objetos transmitem, ou seja, as informações externas que consistem em “evidence drawn from outside of the object, including information regarding the maker's purpose or intent-plays an essential role in the process” (Ibidem, p.6). Desta forma a metodologia pode ser desenvolvida sobre três parâmetros: a descrição, a dedução e a especulação.

A primeira fase, a descrição, corresponde às informações que se podem retirar do objeto utilizando apenas a observação; aqui o processo de investigação centra-se em observar o objeto de uma forma ampla e posteriormente analisar os seus detalhes específicos. Essa análise descritiva, inicial e superficial, deverá utilizar uma terminologia precisa, procurando o investigador ser objetivo. Assim, a análise descritiva de um objeto corresponde à descrição das dimensões físicas, materiais e articulares do objeto, ou seja, a forma como é que os materiais são colocados juntos durante o processo de fabrico.

Posteriormente, o investigador deverá passar à análise do conteúdo de um objeto, ou seja, é nesta fase que o investigador se preocupa com as leituras que o objeto proporciona. Por último, mas não menos importante, deverá ser realizada uma análise formal do objeto, que consiste em descreve-lo detalhadamente. Este último campo deverá

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ser deixado ao critério do investigador, pois poderá ser mais ou menos aprofundado consoante as suas necessidades de pesquisa.

A segunda fase, a dedução, envolve a “empathetic linking of the material (actual) or represented world of the object with the perceiver's world of existence and experience” (Ibidem, p.8), ou seja, o investigador tenta perceber a funcionalidade do objeto interagindo com o mesmo. O primeiro passo a aplicar na dedução é a experiência sensorial do objeto para que posteriormente se descreva todas as conclusões retiradas desta interação; o segundo passo é a apreensão intelectual do objeto, ou seja, fazer considerações sobre o que faz e da forma que faz; por último, a resposta emocional do investigador face ao objeto.

A terceira fase, a especulação, corresponde à junção das informações captadas na fase da descrição e da dedução, para que se possam investigar diretamente as questões mais materiais do objeto, ou seja, procurar informações externas ao objeto. Para isso, dever-se-ão desenvolver teorias que expliquem o que foi observado e sentido, assim como desenvolver uma forma de validação dessas teorias. Como é possível verificar, este modelo foi desenvolvido para ser aplicado mais diretamente no contexto museológico científico e/ou tecnológico, centrando-se mais no objeto em si e na sua funcionalidade, do que noutros parâmetros do objeto.

O autor E. McClung Flemming (1974) defende que os primeiros registos humanos incluem os objetos que foram produzidos para satisfazer muitas das suas necessidades, e por isso a sua análise é algo fundamental para se compreender um objeto.

Desta forma, o seu modelo de estudo de coleções está dividido em duas vertentes: a primeira atua sobre a classificação das propriedades básicas de um objeto, e a segunda atua sobre um conjunto de operações a serem realizadas nessas propriedades.

Por propriedades, na perspetiva de Flemming (1974), podemos entender como sendo a sua história, o material, a construção, o design e a função, ou seja, as características de um objeto que permitem ao investigador conhecer os factos significativos. Assim, quando se investiga a história de um determinado objeto, o objetivo inicial é conhecer onde e quando foi produzido, as condições em que foi produzido, por quem, etc. Ao observar e analisar o material que constitui o objeto, o investigador faz a sua descrição, incluindo aspetos da sua construção, ou seja, as técnicas utilizadas na sua produção e montagem, e de design, ou seja, inclui a forma, a estrutura e o estilo do objeto.

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Por último, descreve-se a sua função referindo-se todos os usos e papéis que o objeto assume fora e dentro do museu.

Já as quatro operações a serem realizadas nas propriedades acima referidas, incidem sobre questões relacionadas com o objeto, tais como: a identificação que resulta num conjunto de factos sobre um objeto; a avaliação que resulta num conjunto de julgamentos sobre o objeto; a análise cultural que examina as relações que um artefacto estabelece com a sua cultura; por último, a interpretação.

O primeiro passo, a identificação, implica que o investigador responda a uma pergunta chave: “o que é isto?”, permitindo descrever o objeto. Posteriormente o investigador deverá autenticar o objeto e descobrir a sua proveniência, autoria e construção. Aqui, o principal objetivo é que o investigador obtenha informações sobre as cinco propriedades do objeto. No fundo, essa pesquisa poderá ser uma mais-valia para autenticar o objeto. A identificação de um objeto é importante para aprofundar o seu conhecimento, perceber a sua origem, as características do material, as suas técnicas de construção, a história da sua forma funcional, entre outros.

A avaliação corresponde à identificação das propriedades do objeto que conjuntamente com a análise cultural permite saber as funções do objeto na sua cultura. Através dos seus materiais, construção, design e uso de simbologias, as funções do objeto passam por transmitir “conveying status, ideas, values, feelings, and meaning” (Flemming, 1974, p. 158). Por último, a interpretação corresponde à preocupação do investigador em definir as relações do objeto com os contextos da nossa cultura. Concluindo-se que sem se estabelecer essa relação, entre o objeto e a comunidade, o estudo do objeto não está terminado.