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Modelos numéricos exploratórios

3.1 – Introdução

Neste capítulo procedeu-se ao desenvolvimento de modelos numéricos exploratórios que de forma simplificada permitem compreender a influência de algumas características do implante na evolução das temperaturas registadas na interface Implante-PMMA, no PMMA e na interface PMMA-Osso. Como características do implante foram consideradas na análise diferentes comprimento da haste, diferentes materiais da haste e diferentes configurações do pescoço da haste. Através do aquecimento e arrefecimento da extremidade da haste femoral pretende-se estimar os tempos necessários em cada etapa para atingir determinadas temperaturas no implante e no osso.

O objetivo do aquecimento da haste femoral é o de na interface Implante-PMMA se consiga atingir temperaturas superiores a 37°C no maior comprimento de haste possível e que na interface PMMA-Osso não se supere a temperatura de 50°C para além de 30 segundos. Assim, consegue-se garantir uma temperatura superior á do corpo humano para fomentar o início da polimerização do PMMA na interface Implante-PMMA e consegue-se uma temperatura que não é crítica no osso trabecular para que não se provoque necrose de origem térmica no osso.

3.2 – Materiais e métodos

Relativamente aos softwares utilizados, para a modelação dos componentes e criação das malhas recorreu-se ao software CAD CATIA V5-R18 e para o tratamento dos modelos e posterior simulação e análise através do método de elementos finitos recorreu-se ao software ABAQUS 6.10.

As características do implante que se avaliam são o comprimento da haste do implante, o material da haste femoral e o tipo de pescoço do implante. Para o estudo do comprimento da haste do implante são consideradas duas dimensões, um comprimento de haste de 100mm e um comprimento de 150mm. Relativamente aos materiais, a análise centrou-se em Titânio (Ti) e Cromo-Cobalto (CrCo). Como critérios de seleção, a escolha do implante de Ti deveu-se ao fato de se ter disponível em laboratório o implante e com isso poder-se efetuar a análise experimental nesse mesmo implante (apesar de na artroplastia cimentada da anca já não ser comum este material) para comparação com a análise numérica. Relativamente ao implante de CrCo, é o implante mais usado em artroplastia cimentada da anca pelo que se torna normal a sua escolha para o estudo. No pescoço da haste femoral faz-se uma analogia entre um modelo modular e um modelo monobloco. Assim recorre-se às dimensões e geometrias do pescoço da haste femoral de

cada modelo para efetuar a simulação numérica e compreender quais são as configurações de tempo e temperatura associados a cada um.

3.2.1 – Modelo geométrico

Como referido no Capitulo II desta dissertação, existem dois tipos de implantes, os modulares e os monoblocos. Assim, para a troca de calor, nos implantes modulares tem-se um tronco cone e nos monoblocos tem-se uma aproximação a esfera. São estas as partes disponíveis após a introdução do implante no canal femoral.

Na figura 28, pode observar-se as estruturas utilizadas para análise dos modelos exploratórios. Considera-se a haste do implante modular e monobloco, o PMMA, o osso cortical e o osso trabecular como cilindros. Relativamente ao pescoço dos implantes foram consideradas as dimensões e geometrias semelhantes aos implantes reais recreando um modelo modular 12/14 mm e um modelo monobloco de 32mm.

Figura 29 – Modelos geométricos simples considerados nos modelos exploratórios.

3.2.2 – Propriedades dos materiais, interface e condição fronteira

Tabela 6 – Propriedades dos materiais modelos exploratórios [54, 55].

Propriedades Unidades Osso Cortical Osso Trabecular PMMA Implante (Ti) Implante (CrCo) Condutividade térmica [K] 0,8 0,29 0,17 6,7 13 Densidade [ρ] 1860 1300 1100 4400 1100 Calor específico [Cp] 1700 2292 1460 530 1460

Propriedades de contato e carga térmica no cimento ósseo

Como propriedades de contato, entre o osso cortical e o osso trabecular considera-se um contato perfeito assumindo o valor de 10000 [W.m-2.K-1]. Os restantes valores são obtidos através de referência onde se consideram os valores médios, tabela 7.

Tabela 7 – Propriedades de contato modelos exploratórios, [54, 56].

Interface Unidades Valor

Implante-PMMA

5000

PMMA-Trabecular 500

Trabecular-Cortical 10000

Na zona do colo do implante, zona livre após a colocação do implante no canal femoral e colocação do dispositivo, foi introduzido um filme convectivo. Esta região do implante, na utilização do dispositivo, fica exposta ao ar á temperatura ambiente uma vez que a haste está em contato com o PMMA e o pescoço está em contato com o dispositivo. Considerou-se convecção natural á temperatura do bloco operatório (20°C) com o coeficiente convectivo a assumir o valor de h=10 [W.m-2.K-1].

Em virtude da polimerização do PMMA ser uma reação exotérmica, existe uma libertação de energia na forma de calor durante o processo. Assume importância, por isso, introduzir essa quantidade de calor libertado na simulação numérica. O desafio será quantificar essa energia libertada uma vez que se está perante uma variável dependente do tempo, isto é, a quantidade de calor libertado na reação de polimerização varia ao longo do próprio tempo de polimerização. Para além do tempo, o calor libertado depende do volume e composição do PMMA, taxa de polimerização5 e da temperatura no cimento, osso e implante. Alguns estudos apresentam equações para determinação da temperatura e consequente calor libertado. Esses estudos são válidos para as medições e condições in vitro denotando-se que in vivo essas mesmas equações não são necessariamente válidas pois se assume um conjunto de pressupostos constantes, como a composição do PMMA e a geometria do sistema [46, 57].

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Quantificação do estado da reação de polimerização, w=0 não polimerizado, w=1 completamente polimerizado.

Eskil Hansen (2003) propõe uma aproximação alternativa, que utiliza um modelo mais genérico. Através da equação:

onde é a multiplicação da densidade (ρ) com o calor especifico (cp), é a condutividade térmica e Q o calor, [58]. Como o objetivo é obter o calor libertado na reação de polimerização do PMMA, obtém-se:

M. Stańczyk (2005) concluiu que a geração de calor no PMMA é proporcional a taxa de polimerização, isto é, na aplicação do cimento (taxa polimerização nula w=0) o calor gerado é nulo e após a reação de polimerização (w=1) já não há mais geração de energia, [59]. Na figura 29 apresentam-se as curvas das temperaturas obtidas devido à geração de calor da reação de polimerização no interior do PMMA (a) e na interface PMMA-Osso (b) para diferentes espessuras de PMMA. Claudia Vallo (2002) apresenta estas curvas para a artroplastia cimentada da anca, [46]. Para a presente dissertação foram replicadas estas curvas para uma espessura de PMMA de 2mm, aplicando uma potência por unidade de volume no valor de 1,31x106 [W.m-3] no PMMA.

Figura 30 – À esquerda: evolução da temperatura no interior do PMMA. À direita: evolução da temperatura na interface PMMA-Osso [46].

Após uma simulação numérica preliminar nas condições descritas previamente verifica-se uma analogia das temperaturas obtidas na interface PMMA-Osso do modelo exploratório com a

Figura 31 – Temperaturas obtidas na interface PMMA-Osso, considerando uma potência de 1,31x106 [W.m-3], a diferentes distâncias do colar do implante.

Condições de fronteira

Consideraram-se as temperaturas iniciais dos diversos componentes, apresentadas na tabela 8. É imposta uma temperatura constante de 37°C na superfície exterior do osso cortical, sendo esta uma boa aproximação uma vez que nesse local a temperatura não varia por estar envolvida por músculos. O PMMA e os implantes foram considerados a uma temperatura de 20°C, temperatura do bloco operatório.

Tabela 8 – Temperaturas iniciais dos componentes, modelos exploratórios.

Componentes Osso Cortical Osso Trabecular PMMA Implante (Ti) Implante (CrCo) Superfície externa Temperatura (°C) 37 37 20 20 20 37 3.2.3 – Modelo Numérico

Na tabela 9, apresentam-se as características da malha gerada em cada componente. O tipo de elemento considerado para todos os componentes foi tetraédrico linear.

Tabela 9 – Características da malha dos componentes, modelos exploratórios. Componente Tipo de elemento Dimensão elemento [mm] Número de nós Número de elementos Osso Cortical Tetraedro Linear 2 13701 53904 Osso Trabecular 2 13976 62290 PMMA 2 4532 16229 Haste modular 2 2762 9964 Haste monobloco 2 3352 11347 Total 38323 153734

Na análise dos modelos exploratórios, foram criados 4 steps. Assim os steps criados são designados de:

-1º rampa de aquecimento, -2º estabilização a 100°C, -3º rampa de arrefecimento, -4º estabilização a 20°C.

Relativamente aos tempos de cada step nas rampas de aquecimento e de arrefecimento, obtiveram-se aplicando a potência utilizada nos TEC na superfície do pescoço da haste até, nesse local, se atingirem as temperaturas de 100°C e 20°C respetivamente. A potência utilizada para os TEC é de 19 [W]. Os tempos de estabilização foram ajustados consoante os objetivos pretendidos. No modelo modular, na zona do tronco cone de menor diâmetro e na sua revolução considerou- se uma temperatura de 100°C quando a haste está a receber calor e considerou-se uma temperatura de 20°C quando se está a extrair o calor da haste. No modelo monobloco, na zona da meia esfera superior, foram considerados os mesmos valores de 100°C quando se efetua o aquecimento da haste e de 20°C quando se efetua o arrefecimento. Estes valores surgem relativamente às características dos TEC selecionados onde as temperaturas máximas e mínimas do funcionamento dos TEC e a diferença de temperaturas que se consegue obter entre as faces quente e fria estão definidas. Na figura 31 representam-se os locais de introdução e remoção de calor nos modelos modular e monobloco.

Na tabela 10 apresentam-se os steps e tempos considerados na análise dos modelos exploratórios. Na análise ao modelo em CrCo foi adicionado um step intermédio. Este step foi criado uma vez que com este material, CrCo, existe uma propagação do calor mais rápida e ao continuar-se a introduzir calor no impante, ir-se-ia obter temperaturas na interface PMMA-Osso que ultrapassam as temperaturas críticas (> 50°C). Ao retirar-se imediatamente o calor, a temperatura ia baixar e ir-se-ia obter temperaturas menores do que os 37°C aquando do início da polimerização, o que não se pretende. Assim introduz-se o calor suficiente para que a temperatura na interface Implante-PMMA se mantenha a uma temperatura superior aos 37°C e a temperatura na interface PMMA-Osso fique abaixo da temperatura critica. Teve-se o cuidado de que na fase de aquecimento do implante nunca se ultrapasse os 45°C na interface PMMA-Osso para que com o esperado aumento de temperatura causado pela libertação de calor resultante da polimerização do PMMA não se ultrapassasse os 50°C, valor que superado num intervalo de tempo superior a 30 segundos pode causar necrose de origem térmica no osso como defendem Lundskog (1972) e Vanessa Boner et al. (2008).

Tabela 10 – Step e parametrização dos tempos, modelos exploratórios.

Implante Rampa de aquecimento Estabilização a 100°C Estabilização a 50°C Rampa de arrefecimento Estabilização a 20°C Modular CrCo 10s 135s 120s 10s 180s Modular Ti 15s 270s --- 15s 180s Monobloco Ti 15s 270s --- 15s 180s

Na figura 32 apresentam-se as posições dos nós onde as temperaturas foram analisadas no implante e osso na interface com o PMMA. Na simulação representativa do modelo monobloco os nós considerados são os mesmos que os apresentados no modelo modular.

Figura 33 – Local de medição das temperaturas, modelos exploratórios.

3.3 – Resultados e discussão

Inicialmente consideraram-se dois comprimentos para a haste do implante, 100mm e 150mm. Após algumas simulações concluiu-se que devido à limitação da temperatura máxima no osso (máximo de 50°C) na interface PMMA-Osso, o comprimento da haste torna-se irrelevante na

análise uma vez que a propagação de calor não atinge comprimentos tão elevados sem se atingirem valores de temperatura extremamente elevadas na zona proximal.

Na figura 33 são apresentadas as temperaturas ao longo da haste na interface Implante- PMMA para o modelo modular de CrCo, atinge-se temperaturas iguais ou superiores a 37°C, antes do início da polimerização, até aos 40mm.

Figura 34 – Temperatura no implante modular na interface Implante-PMMA (CrCo).

Na figura 34 está indicada a evolução da temperatura no osso na interface PMMA-Osso ao longo do comprimento do implante.

Na figura 35, encontra-se os resultados da temperatura no implante modular em Ti na interface Implante-PMMA ao longo do implante. Na figura 36 está indicada a evolução da temperatura no osso na interface PMMA-Osso ao longo do comprimento do implante modular em Ti.

Figura 36 – Temperatura no implante modular na interface Implante-PMMA (Ti).

Tal como no implante em CrCo, é possível atingir valores superiores ou iguais aos 37°C no implante, antes do início da polimerização, até sensivelmente 30mm. Denota-se que é necessário mais tempo a fornecer calor no implante de Ti para que este alcance temperaturas superiores aos 37°C. Assim, no implante de CrCo, antes do início da polimerização atinge-se a temperatura pretendida ideal (37°C) a 40mm de implante e para isso são necessários 200 segundos enquanto no implante de Ti apenas se consegue essas temperaturas em 30mm e para isso são necessários 290 segundos. Devido ao aumento do tempo a fornecer calor e à maior dificuldade do calor em se propagar no implante em Ti comparativamente ao implante em CrCo, atinge-se a temperatura máxima de 49,2°C no osso na interface PMMA-Osso enquanto com o implante em CrCo a temperatura máxima no osso na mesma interface é de 46,8°C. Evita-se o risco de ocorrer necrose de origem térmica no osso em ambos os materiais, mas para isso foi necessário parametrizar diferentes tempos nas diferentes fases dos modelos numéricos.

Na figura 37 são apresentadas as temperaturas ao longo do implante na interface Implante-PMMA para o modelo monobloco em Ti.

Figura 38 – Temperatura no implante monobloco na interface Implante-PMMA (Ti).

Na figura 38 está indicada a evolução da temperatura no osso na interface PMMA-Osso ao longo do comprimento do implante monobloco em Ti.

Figura 39 – Temperatura no osso na interface PMMA-Osso (implante monobloco em Ti).

Tal como nos resultados obtidos com o modelo modular em Ti constata-se que no modelo monobloco se obtém valores superiores ou iguais aos 37°C no implante, antes do início da polimerização, entre os 20mm e os 30mm. Note-se que os tempos considerados na simulação numérica do modelo monobloco em Ti são os mesmos que os considerados na simulação numérica do modelo modular em Ti para se avaliar a influência da configuração da interface com o dispositivo. Concentrando a análise no aquecimento da haste, verifica-se que no modelo monobloco em Ti as curvas têm um declive menor, resultante do maior tempo necessário para a propagação do calor visto que o volume associado à esfera é superior. Como visto anteriormente no modelo modular em Ti, aos 290 segundos atingiu-se temperaturas iguais ou superiores a 37°C nos 30mm proximais da haste, no modelo monobloco, a esse instante, apenas se consegue atingir essas temperaturas nos 23mm. Também pelo mesmo fato na fase de arrefecimento do implante verifica-se que no modelo monobloco não se alcançam temperaturas tão baixas. A temperatura máxima atingida na interface PMMA-Osso, no modelo monobloco, é de 49,8°C valor superior em 0,6°C comparado com a temperatura máxima atingida no modelo modular.

Em resumo, verifica-se que se consegue atingir temperaturas superiores ou iguais a 37°C no implante, na interface Implante-PMMA, antes do início da polimerização do PMMA. Através da fase de aquecimento da haste femoral conseguem-se atingir essas temperaturas para ambos os materiais e geometrias analisadas. No entanto, a região do implante afetada por esta temperatura (> 37°C) foi distinta entre os modelos sendo a região mais extensa associada a tempos de aquecimento mais curtos, alcançados com o implante em CrCo, devido à maior condutividade térmica do material. Também com a fase de arrefecimento da haste proximal se evita a ocorrência de necrose térmica no osso com temperatura no osso inferior a 50°C em todos os modelos analisados.

Os resultados nestes modelos exploratórios permitiram constatar que o controlo da temperatura no implante e no osso na interface com o PMMA é delimitado à região mais proximal da haste variando nestes modelos entre os 20mm e 40mm. No entanto, por analogia é na zona proximal do fémur que se encontra a grande porção de osso esponjoso que serve de ancoragem ao cimento ósseo, sendo esta a região que recebe grande parte da carga transferida pela haste femoral, logo é bastante importante para esta transferência de carga uma boa qualidade da interface Implante-Osso nesta região. Na zona mais distal as cargas transferidas pelo implante para o cimento são bem inferiores às da zona proximal, [60],estando o PMMA em contacto com osso cortical um osso menos sensível ao efeito de necrose.

Os resultados das temperaturas obtidas nestes modelos exploratórios revelaram-se bastantes positivos que justificam a continuação deste trabalho com o desenvolvimento de modelos experimentais e numéricos mais representativos da realidade da artroplastia da anca. Os tempos das fases de aquecimento, estabilização e arrefecimento ajustados para estes modelos exploratórios serão utilizados como tempos primitivos para a parametrização dos modelos experimentais e numéricos.

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