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Chamados de “modelos hierárquicos”, os modelos de representação da linguagem pressupõem que palavras e conceitos sejam armazenados separadamente (TOKOWICZ, 2015). Além de prever níveis distintos de representações lexical e semântica, são também conhecidos como modelos de três nós e partilham uma estrutura comum: armazenamentos separados no nível de representação da palavra (um para cada língua) e armazenamento compartilhado no nível conceitual (cf. COMESAÑA et al., 2008). No quadro a seguir, apresentam-se alguns desses paradigmas.

QUADRO 1: MODELOS HIERÁRQUICOS DE REPRESENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO LÉXICO BILÍNGUE

Modelo Proposições Questionamentos/inconsistências

observados O Modelo de Associação de Palavras (The Word Association Model) Potter et al. (1984)

Procura elucidar o chamado bilinguismo subordinado, noção atribuída a bilíngues que têm o domínio da L2 inferior ao domínio da L1. Nesse caso, o acesso das palavras da L1 aos seus conceitos correspondentes é efetuado de forma direta; já em relação à L2, este mesmo acesso é mediado pelas representações lexicais da L1 (língua dominante), ocorrendo assim um processo de tradução.

O modelo não explica mudanças que foram observadas em experimentos com bilíngues que tinham alto grau de proficiência na L2. O Modelo de Mediação Conceitual (The Concept Mediation Model) Potter et al. (1984)

Explica o acesso lexical de

bilíngues com nível de proficiência na L2 proporcional ao

conhecimento na L1, o chamado bilinguismo composto.

Defende um acesso direto ao nível de representação conceitual nas duas línguas (L1 e L2).

Observações demonstraram que sujeitos bilíngues tinham desempenhos diferenciados de acordo com os tipos de vocábulos apresentados, tais como palavras concretas vs. palavras abstratas; palavras muito frequentes vs. palavras pouco frequentes; palavras cognatas vs. palavras não cognatas. Surgiu assim a necessidade de se desenvolver um novo modelo, que abarcasse os fenômenos observados (COMESAÑA et al., p. 19).

Modelo Proposições Questionamentos/inconsistências observados O Modelo Misto (The Mixed Representatio- nal Model) De Groot (1993)

O modelo elaborado por De Groot (1993) descreve o processamento diferenciado de palavras concretas e abstratas, e de palavras

frequentes e menos frequentes. Difere dos modelos anteriores em relação à ênfase atribuída às conexões lexicais e de nível conceitual (COMESAÑA et al., p.19), e prevê que o processamento das palavras concretas e frequentes é mais rápido que o de palavras abstratas e menos frequentes. Conforme De Groot (1993), a intensidade das conexões depende da quantidade da ativação

recebida: quanto maior a ativação, mais fortes são as conexões, resultando em processamentos mais rápidos. Dessa forma, palavras concretas e mais frequentes, por terem maior quantidade de ativação, são mais rapidamente processadas.

As sucessivas investigações levaram a um questionamento: “De que forma ocorreria a conexão entre as palavras das duas línguas: através dos níveis de representação lexical ou através de um acesso direto ao nível de representação conceitual (significado)?”.

Os resultados de alguns estudos sugeriram então que, com o aumento da proficiência do indivíduo

bilíngue na L2, as representações lexicais de cada língua passariam a ser acessadas diretamente no nível conceitual, sem a necessidade de passar pela L1. A questão foi abordada no Modelo Hierárquico Revisto (MHR), de Kroll e Stewart (1994).

Modelo Proposições Questionamentos/inconsistências observados O Modelo Hierárquico Revisto – MHR (The Revised Model) Kroll e Stewart (1994)

Esclarece a respeito das mudanças observadas no processamento lexical, relacionadas ao aumento de proficiência de bilíngues na L2. Kroll e Stewart (1994)

argumentam que o nível de ativação (intensidade) das conexões lexicais e conceituais varia de acordo com a proficiência de cada indivíduo em ambas as línguas (COMESAÑA et al., 2008).

O modelo pressupõe que o

processo de tradução da L1 para a L2 é mais lento e mais propenso a erros que a tradução da L2 para a L1, uma vez que as palavras da L1 estão mais fortemente conectadas a seus conceitos, sendo mais fracas as conexões às traduções

(conexões lexicais) na L2. Em contraste, as palavras da L2 têm forte conexão às traduções (palavras) na L1 e apresentam ligações mais fracas a seus

conceitos. A tradução da L1 para a L2 é, portanto, conceitualmente mediada, já a tradução da L2 para a L1é mediada pelas conexões lexicais, sendo mais rápida e menos propensa a erros. Com o aumento da proficiência na L2, as conexões, antes mais fracas entre palavras da L2 e conceitos, passam, gradativamente, a se tornar mais fortes, ou seja, aumentam as possibilidades de haver mediação conceitual na L2, no processo de tradução.

Tokowicz (2015) enumera algumas inconsistências do modelo MHR, evidenciadas a partir de resultados de diferentes estudos: alguns, por exemplo, demonstraram que no processo de tradução da L2 para a L1 existe a influência de fatores

semânticos ao se comparar o

desempenho de bilíngues na tradução de blocos de palavras categorizados (semanticamente relacionados) vs. blocos randomicamente

selecionados. O MHR não prevê como tais aspectos relacionados ao significado da palavra podem influenciar o desempenho na tradução, pois o modelo não faz distinção entre os conceitos na L1 e na L2.

Outra lacuna observada, diz respeito às conexões conceituais. Alguns estudos revelaram que em tarefas de reconhecimento de palavras, mesmo os bilíngues menos proficientes ativam o significado de palavras da L2. Assim, as conexões fracas entre conceitos e palavras da L2 parecem ser mais fracas na direção

conceito→palavra da L2 que na direção palavra da L2→conceito. Questão que contradiz a hipótese do MHR, que defende a existência de conexões fracas bidirecionais entre palavras da L2 e conceitos.

Com a finalidade de explicar o processamento de palavras cognatas, observando também as mudanças que ocorrem na representação da linguagem e/ou acesso lexical bilíngue com o aumento da

proficiência na L2, Kroll e De Groot (1997) desenvolveram o Modelo Distribuído de Traços Lexicais e Conceituais.

Modelo Proposições Questionamentos/ inconsistências observados O Modelo Distribuído de Traços Lexicais e Conceituais (The Distributed Lexical/Concep- tual Feature Model) Kroll e De Groot (1997)

Assume representações de significado mais distribuídas através do uso de conjuntos de traços conceituais e postula a sobreposição de significados entre as línguas L1 e L2 para determinados tipos de palavras. Além de investigar as conexões entre os níveis lexical e conceitual da palavra, procura explicar a natureza das relações conceituais. Pressupõe também a existência de níveis de

armazenamento lexical distintos para cada língua, sendo as palavras distribuídas de acordo com suas características lexicais (forma) e conceituais (significado). No modelo, o nível lexical e o nível conceitual comunicam-se através de um novo nível de representação para cada língua, o lema. Os lemas recolhem a informação semântica e sintática, funcionando como mediadores entre os diferentes níveis de processamento da linguagem.

Postula que as línguas podem, ou não, exercer influência mútua, variando de acordo com o grau de sobreposição e de consistência entre os traços/forma/significado intra e interlinguísticos. Esse grau de consistência entre as diferentes conexões (lexicais, conceituais e lemas) varia também de acordo com a proficiência do indivíduo bilíngue na L2. A sobreposição de traços lexicais e conceituais, por exemplo, explica a vantagem das palavras cognatas sobre as não cognatas.

Assume também que ambas as línguas (L1 e L2) têm igual acesso ao significado, não prevendo, portanto, a existência de assimetria no tempo despendido para a tradução de palavras em ambas as direções.

Em relação à tradução da L1 para a L2 e da L2 para a L1, como o processo envolve o acesso a traços semânticos, quanto maior a proporção de traços compartilhados entre as línguas, mais acurada e rápida é a tradução. Palavras concretas tendem a apresentar mais traços comuns entre as línguas que palavras abstratas, uma vez que objetos concretos são usados com mais frequência, resultando também em traduções mais rápidas e exatas (cf. TOKOWICZ, 2015).

Embora seja o mais completo em relação aos anteriores, o modelo não contempla o acesso à forma das palavras na L1 e na L2 dos bilíngues.

A fim de testar as hipóteses previstas no MHR, o estudo de Poarch, Van Hell e Kroll (2014) investigou como crianças bilíngues falantes nativas de neerlandês em estágios incipientes de aprendizado da L2 inglês conectam palavras a conceitos na realização de duas tarefas: reconhecimento e produção de traduções de palavras. No estudo, em que foram realizados dois experimentos, a amostra foi composta por 60 crianças que cursavam o quinto ano do ensino fundamental (28 meninas e 32 meninos) com a média de idade de 10,6 anos, as quais tinham frequentado aulas de inglês por oito meses, em encontros de uma hora semanal.

Para a realização do Experimento 1, que consistiu em uma tarefa de reconhecimento de palavras traduzidas da L2 inglês para a L1 neerlandês, foram selecionados 88 conjuntos de quatro palavras: 88 palavras em inglês, como aunt (“tia”); sua tradução para o neerlandês, tante; um item semanticamente relacionado à “tia”, oom (“tio”, em neerlandês); e uma palavra em neerlandês sem qualquer relação semântica com o estímulo-alvo em inglês, como drank, que em neerlandês significa “bebida”. Cada participante visualizou 88 pares de palavras (a palavra em inglês e um equivalente em neerlandês), apresentadas em quatro blocos de 22 pares, sendo solicitado a decidir da forma mais rápida e acurada possível se a segunda palavra (em neerlandês) equivalia, ou não, à tradução do estímulo-alvo apresentado na L2 (inglês).

No segundo experimento (Experimento 2) foi usada a mesma lista de estímulos (itens em inglês e seus equivalentes em neerlandês) do primeiro experimento. Metade dos sujeitos recebeu a lista de itens na L2 inglês, sendo solicitado que as palavras fossem traduzidas da L2 inglês para a L1 neerlandês (condição backward translation). A outra metade recebeu os estímulos na L1 neerlandês e foi convidada a traduzi-los para a L2 inglês (condição forward translation).

Os resultados encontrados no Experimento 1 revelaram que os sujeitos foram sensíveis ao significado das palavras na tarefa de reconhecimento de tradução, em que foram observados TR mais longos e respostas menos acuradas para palavras que apresentavam correspondência semântica aos estímulos-alvo em relação aos pares sem ligação semântica. No Experimento 2, as traduções produzidas no sentido backward (da L2 para a L1) foram mais rápidas que na direção forward (da L1 para a L2), conforme previsto no MHR. Poarch et al. (2014) destacam que os resultados da tarefa de reconhecimento da tradução, que abrange a habilidade da compreensão, sem a necessidade da resposta verbal, mostraram que mesmo aprendizes de L2 iniciantes ativam conceitos, diferentemente do que foi averiguado na tarefa de produção de tradução, em que a conexão lexical foi mais forte que a conceitual, principalmente no processo de tradução da L2 para a L1. Os dados sugerem, assim, que os aprendizes podem fazer uso de

conexões lexicais ou conceituais, dependendo do tipo de tarefa e contexto em que se dá o processo de aprendizagem (metodologia empregada). As crianças que fizeram parte do estudo, conforme os pesquisadores (op. cit.), haviam aprendido palavras na L2 em contextos enriquecidos por gravuras e atividades que envolviam audição e produção da fala em inglês.

Na próxima seção, descrevem-se alguns modelos de processamento da linguagem, os quais têm por finalidade abordar questões em torno do armazenamento das palavras por bilíngues – armazenagem compartilhada versus armazenagem separada. Além de explicar em que medida as duas línguas dos bilíngues são ativadas durante o processamento lexical, ou se o bilíngue “desliga” a língua não alvo durante o reconhecimento/produção de palavras.

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