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2.5 A COARTICULAÇÃO EM FALA NORMAL

2.5.4 Modelos teóricos de coarticulação

Os modelos de coarticulação se propõem a fazer previsões sobre como ocorre a transição das unidades discretas e invariantes dos sons da fala para a realização acústica e articulatória; ou seja, relacionar a representação fonológica e a realidade física da fala.

Alguns modelos de coarticulação têm sido propostos. Serão apresentados a seguir, de forma objetiva, somente aqueles que de alguma forma contribuíram para a análise dos dados desse trabalho.

a) Modelo de resistência articulatória

A noção de resistência coarticulatória foi proposta por Bladon e Al-Bamerni (1976) para explicar variações coarticulatórias de diferentes graus. “Resistência”, para os autores, implica que segmentos fonéticos possuem propriedades inerentes que limitam a extensão em que podem ser influenciados por segmentos vizinhos. Exemplo deste fenômeno foi apresentado por Bladon e Nolan (1977) a partir de um

estudo dos segmentos alveolares do inglês /t, d, n, l/ quando próximos dos segmentos /s/ ou /z/. , Constataram que a posição da ponta da língua variou de forma diferente nos diferentes fones. Ou seja, houve variação na forma como cada fone reagia à proximidade de outro fone. De acordo com os autores Bladon; Al- Bamerni (1976), os coeficientes de resistências não são necessariamente universais, podem ser específicos da língua e do dialeto.

Há que se considerar que quando se diz que o segmento é “resistente”, na realidade, deseja-se dizer que determinado gesto – do véu palatino, de ponta ou dorso da língua, das pregas vocais, dos lábios ou da mandíbula - está apresentando resistência coarticulatória naquele ambiente fonético em determinada língua. Isso implica que o segmento não apresenta uma característica implícita de ser resistente ou sensível à coarticulação. A depender dos ambientes fonético (gestos conflitantes, tempo para execução do gesto) e fonológico (segmentos mais ou menos especificados a depender do inventário da língua), o segmento irá apresentar maior ou menor resistência à coarticulação com os fones próximos.

O modelo de resistência articulatória serviu de subsídio para modelos posteriores, como o modelo de restrição coarticulatória (RECASENS, PALARÈS, FONTDEVILLA, 1997), que será discutido a seguir.

b) Grau de restrição articulatória

Outro modelo usado nos estudos de coarticulação e cujas proposições serão testadas para as sequências articulatórias exploradas neste trabalho é o Degree of

articulatory constraint (DAC) ou “Grau de restrição articulatória” (RECASENS;

PALLARÈS; FONTDEVILA, 1997), doravante tratado como DAC. Este relaciona os efeitos da coarticulação lingual ao grau de restrição articulatória envolvido na produção de vogais e consoantes. Os diferentes graus de restrição articulatória, ou valores de DAC, são atribuídos às consoantes e às vogais, com base no conhecimento das suas propriedades articulatórias, em particular, o grau de envolvimento do dorso da língua no fechamento ou formação da constrição. Pelo fato de envolver as vogais, a referência articulatória usada para fazer as predições

do modelo foi o dorso da língua. O modelo foi inicialmente testado para coarticulação entre vogais em sequências VCV (RECASENS, 1984, 1985); depois, para coarticulação entre vogais e consoantes; (RECASENS, 1987, 1989, 1991) e, por último, para coarticulação entre sequências consonantais (RECASENS; PALLARÈS, 2001).

De acordo com o modelo, as regiões articulatórias, ponta e dorso da língua, são especificadas por diferentes graus de restrição articulatória, dependendo de seu envolvimento na constrição. Dessa forma, uma região lingual específica pode exibir diferentes efeitos coarticulatórios de acordo com o gesto envolvido na produção do som. Os articuladores que criam a constrição do trato vocal são considerados de alta especificação. Eles são responsáveis pela execução acurada e precisa do som alvo, e espera-se que sejam resistentes à assimilação de sons vizinhos. Os articuladores que não produzem a constrição são menos especificados. Portanto, são mais susceptíveis ao efeito da assimilação, e consequentemente, mais variáveis. Assim, em sequências envolvendo vogais e consoantes as consoantes palatais são mais restritivas à coarticulação envolvendo o dorso da língua que as dento-alveolares, uma vez que o dorso desempenha um papel ativo na produção das primeiras, mas não na produção das últimas (RECASENS; PALLARÈS, 2001). Por sua vez, a lâmina da língua, pode ser mais resistente ao efeito coarticulatório durante a produção de uma consoante dento-alveolar que de uma consoante velar, já que a lâmina da língua participa ativamente da constrição para a produção da consoante dento-alveolar (RECASENS, 2006). Em suma, essa abordagem metodológica defende que regiões específicas da língua podem exibir diferentes comportamentos coarticulatórios dependendo do seu envolvimento na produção do gesto articulatório.

De acordo com tal modelo, as regiões articulatórias são especificadas por diferentes valores, de 1 a 3, dependendo do grau de envolvimento do dorso da língua e da compatibilidade das configurações linguais durante a produção da consoante. A partir deste modelo, espera-se que segmentos fonéticos altamente restritivos sejam mais resistentes à coarticulação e, assim, menos sensíveis à influência coarticulatória dos segmentos vizinhos, e consequentemente, especificados por alto valor de restrição (valor 3). Neste grupo de valor 3 incluem-se

as consoantes dorsais, isto é, as alveopalatais, palatais e velares. A bilabial /p/ é minimamente restritiva, uma vez que o gesto lingual não é requisitado para atingir o alvo articulatório, sendo especificada com valor mínimo de 1. Em um grau intermediário de restrição do dorso da língua, com valor 2, incluem-se os segmentos em que o dorso da língua não está diretamente envolvido no fechamento ou formação de constrição, mas está sujeito a efeitos de acoplamento com o principal articulador, sendo, possivelmente, o caso de alveolares, como o [n] e [s] (RECASENS; PALLARÈS; FONTDEVILA, 1997). Note-se que tais valores são relativos ao envolvimento do dorso da língua na coarticulação, já que estudos iniciais do modelo envolviam vogais.

O modelo DAC considera que a sensibilidade coarticulatória envolvendo o dorso da língua, isto é, o quanto a configuração do dorso da língua se adapta à configuração da outra consoante, é inversamente relacionado ao grau de DAC: espera-se que segmentos fonéticos altamente restritivos sejam mais resistentes à coarticulação que segmentos fonéticos especificados por baixo valor de DAC. Estes últimos mais sensíveis à influencia coarticulatória de segmentos vizinhos.

O modelo ainda prediz que a dominância coarticulatória, seja antecipatória ou progressiva, pode ser positivamente relacionada ao grau de restrição. Isto é, segmentos fonéticos que exibem alto valor de restrição e são mais resistentes à coarticulação, podem exercer proeminente efeito coarticulatório nos segmentos fonéticos adjacentes (RECASENS; PALLARÈS, 2001).

Segundo o modelo, o modo articulatório pode afetar as especificações de restrições para as consoantes. Assim, para o [s] a necessidade de um canal central para a passagem de um fluxo de ar fonatório pode tornar este segmento mais restritivo, com grau de restrição igual a 3 em relação a outras alveolares não fricativas (RECASENS; PALLARÈS; FONTDEVILA, 1997; RECASENS, 2004). Outras variações em relação ao grau de restrição são observadas quando há antagonismo gestual, fazendo com que uma consoante altamente restritiva torne-se sensível ao efeito exercido por outra consoante restritiva. É o que se observa em sequências consonantais antagônicas que requerem a elevação do dorso da língua (alveolopalatais e velares) e o abaixamento do dorso (fone [s], por exemplo). Nesses

casos envolvendo abaixamento do dorso (como nos fones [l], [s], [ʃ], [λ], [ɲ]) espera- se que o abaixamento exceda a elevação do dorso da língua (RECASENS; PALLARÈS, 2001).

Estudos envolvendo sequências consonantais contribuíram para o entendimento da coarticulação envolvendo também a ponta de língua, já que estudos anteriores privilegiavam o dorso da língua uma vez que eram voltados para as vogais. O estudo de sequências consonantais requer uma acurada análise dos graus de sensibilidade e resistência da ponta da língua e do dorso da língua, uma vez que as duas regiões linguais são requisitadas durante a produção consonantal.

A EPG constitui um recurso importante para o estudo da coarticulação lingual envolvendo consoantes e tem sido utilizada para o estudo da coarticulação do fone [s] com vogais e consoantes, em diferentes línguas. Alguns estudos serão comentados a seguir.

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