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2.1 Modelos teóricos sobre o desenvolvimento do stresse associado ao processo de cuidados

Myers (2003) afirma que Schulz e Salthouse (1999) foram os primeiros autores a referirem o aparecimento de situações stressantes do cuidador perante o aparecimento da necessidade de cuidados da pessoa com dependência devido às suas limitações da capacidade funcional e aos seus distúrbios de comportamento como seja no caso da presença de demência. Nesta perspetiva aqueles autores apresentaram o Modelo Geral do Processo de stresse e saúde como um modelo sequencial e cíclico na medida em que uma avaliação positiva ou benigna da situação de prestação de cuidados e do seu papel desempenhado durante a mesma, leva a respostas emocionais positivas e uma sensação de bem-estar. Pelo contrário, uma avaliação da situação como stressante leva a reações emocionais negativas (por exemplo, ansiedade, depressão). Estas reações emocionais negativas dos cuidadores podem influenciar os comportamentos das pessoas cuidadas e originar uma escalada de resultados negativos para ambos. A saúde física e mental dos cuidadores são afectadas, com o risco aumentado concomitante de problemas físicos e emocionais. É por isso que os autores acima citados referem que apesar do modelo ser unidirecional reconhecem que o processo durante o qual o cuidador lida com os stressores decorrentes do processo de prestação de cuidados é complexo e dinâmico com possíveis circuitos de feedback havendo a necessidade do CF avaliar a situação e decidir se tem capacidade para lidar com os problemas.

A complexidade do processo de prestação de cuidados tem implícito várias dimensões que são equacionadas no estudo do stresse associado ao exercício do papel de cuidador havendo a necessidade de incluir o cuidador, a pessoa com dependência que recebe os cuidados e o ambiente envolvente. A não inclusão destes factores é uma limitação ao

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modelo proposto por Schulz e Salthouse (1999) que justifica desenvolver outros modelos teóricos que abranjam tais aspetos como seja o modelo transacional do stresse.

Na literatura encontra-se consenso e aceitação geral pelo modelo transacional de stresse usualmente referenciado para sustentação dos estudos sobre o stresse do cuidador. O modelo transacional de stresse proposto originalmente por Lazarus & Folkman (1966) justifica o stresse como o resultado de uma transação entre o individuo e o ambiente (Nolan, Grant & Keady,1998). No modelo teórico de Lazarus & Folkman (1984) o individuo interage com o ambiente e o stresse resulta da avaliação que o individuo faz das exigências desse ambiente. Estas exigências se ultrapassam os recursos do cuidador, é necessário o seu esforço para se adaptar. Neste modelo de Lazarus & Folkman (1984) estão implícitos dois aspectos fundamentais: a avaliação da situação e a forma como o individuo lida com ela, o coping.

Começando pela avaliação da situação, Serra (1999) salienta a sua importância no modelo supracitado uma vez que no processo da avaliação da situação candidata a ser stressante ocorre uma avaliação primária, uma avaliação secundária e por fim uma reavaliação. O individuo na avaliação primária atribui um significado à situação, na avaliação secundária certifica a existência dos recursos pessoais e sociais e segue-se o momento de reavaliação no qual o individuo perceciona os recursos como suficientes ou não. Do processo de reavaliação surge a perceção do controlo que indica ao individuo se a situação é benigna ou não, emergindo as emoções e as respostas alternativas. As emoções geradas têm propriedades motivacionais e influenciam o comportamento subsequente.

Losada Baltar, Montorio Cerrato, Knigt, Márquez Gonçalez & Izal Fernandez (2006b), salientam a importância deste processo avaliativo realizado pelo CF durante a prestação de cuidados. Estes autores referem que perante os diferentes stressores primários (acontecimentos ou experiências que derivam diretamente da dependência da pessoa cuidada) o CF avalia se eles são uma ameaça. Se tal ocorrer o CF supõe ter recursos para lidar com esses stressores primários e faz a avaliação secundária. Se o CF perceciona esses stressores como ameaçadores porque os recursos que tem não são suficientes, a forma de lidar é inadequada. Neste caso o CF está perante uma situação de stresse com provável aparecimento de respostas afetivas negativas face à situação stressante que vive como CF devido à dependência do seu familiar nas AVD. Estas respostas afetivas podem levar ao aparecimento no CF de respostas comportamentais ou fisiológicas que podem

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gerar maior risco para o aparecimento de transtornos psicológicos ou físicos. De facto, o estudo de Félix (2010) revelou que o CF tem elevados níveis de stresse por cuidar de pessoas idosas com dependência nas AVD. Elevados níveis de stresse têm repercussões na saúde física e mental do cuidador (Bookwala, et al., 2000).

Similarmente Cheng, Fung, Chan & Lam (2016) realçaram a importância do processo avaliativo feito pelo CF destacado no referido modelo de Lazarus & Folkman. Os autores do estudo referem que embora o caregiving seja stressante, o nível de tensão sentida pelo CF não é apenas determinado pelos stressores objetivos (como a alteração do comportamento da pessoa com dependência que recebe o cuidado) mas também pela forma como o cuidador avalia a situação, nomeadamente se os recursos que dispõe são suficientes, ou não, para responder à exigência da prestação. É esse processo avaliativo que dá o caráter positivo ou negativo à prestação de cuidados surgindo as respetivas emoções agradáveis ou não. Já Nolan et al. (1998) no estudo sobre estratégias de coping do cuidador realçavam a importância da avaliação subjetiva do cuidador sobre as situações stressantes para a compreensão das reações ao stresse associado ao caregiving e que as circunstâncias objetivas do cuidado deviam ser vistas apenas como condicionantes. Ainda sobre o processo avaliativo da situação, Serra (1999) refere que Lazarus & Folkman (1984) argumentam que se após esse processo as situações não excedem os recursos do individuo, a resposta do individuo é de um comportamento adaptativo automatizado.

Sobre o segundo aspecto do modelo teórico de Lazarus e Folkman (1984), o coping é o conjunto dos esforços cognitivos e comportamentais que a pessoa exerce a fim de controlar a situação ou reduzir as respostas associadas à situação, quer se trate de um acontecimento de vida particular ou de um stresse crónico da vida quotidiana. As estratégias de coping têm uma função instrumental, se centradas na redução ou eliminação do problema fonte de stresse, e uma função paliativa quando visam a gestão das emoções desencadeadas pela situação stressante. Autores como Serra (1999), Black (2005) e Zarit (2006) definem da mesma forma que Lazarus e Folkman (1984) as estratégias de coping centradas na resolução de problemas e na gestão das emoções. No entanto Serra (1999) acrescenta a estratégia de coping orientada para aspetos do relacionamento com as pessoas da rede social a que o individuo pertence.

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Sobre as estratégias de coping focadas na gestão da emoção ou na resolução do problema, Carver & Connor-smith (2010) explicam que:

- Apesar do coping focado no problema tender a ser visto como mais adaptativo, o coping focalizado na emoção pode ser uma melhor estratégia quando não é possível ter um efeito direto sobre um stressor. A opção por um dos tipos de coping por vezes tem a ver com o objetivo do individuo. Por exemplo procurar suporte pode ser uma estratégia de coping focada na emoção se o objetivo é obter apoio e tranquilidade emocional, mas se o objetivo for ajuda instrumental, o coping é focado no problema;

- A existência de complementaridade entre as duas estratégias pela necessidade do individuo priorizar uma estratégia em detrimento de outra, ou seja, o coping centrado na emoção, pode ajudar a considerar o problema com mais calma produzindo o coping mais eficaz.

As habilidades para desenvolver estratégias de coping são aprendidas ao longo da vida em resposta a diferentes stressores e experiências. É essencial o individuo manter a capacidade de aprender a usar novas estratégias consoante a situação, na medida em que “ser dependente” de uma estratégia de coping pode ser por si só stressante (Black, 2005). Ribeiro & Rodrigues (2004), citando Lazarus, DeLongis, Folkman, & Gruen (1985) afirmam que um processo de coping eficaz ocorre quando as estratégias utilizadas são ajustadas à natureza da situação de stresse dando origem ao bem-estar, ao funcionamento social, assim como a uma boa qualidade de vida.

Para Ducharme (1999) o paradigma stresse-coping assenta no postulado que o stresse está associado a um largo inventário de problemas de saúde e que as estratégias de coping são os recursos mediadores importantes que reduzem o impacto do stresse sobre a saúde. A partir da referência do modelo de Lazarus e Folkman (1966), Pearlin, Mullan, Semple & Skaff (1990) desenvolveram um modelo multidimensional conhecido como o modelo de desenvolvimento do stresse de Pearlin (Pearlin’s Stress Process Model) para possibilitar a compreensão e avaliação do stresse no contexto de cuidados familiares. Os dois modelos contemplam a avaliação cognitiva na transação entre individuo e ambiente, mas diferem no seguinte: o modelo de Lazarus & Folkman privilegia os aspetos do processo de stresse enquanto que o modelo de Pearlin et al. (1990) foca os aspetos contextuais do processo de stresse. Este fator tem a vantagem de facilitar “a sua adaptação

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e aplicação na análise do stresse vivido por pessoas que prestam cuidados em diferentes contextos” (Figueiredo, 2007, p.132).

Segue a descrição do modelo de desenvolvimento do stresse de Pearlin. Este modelo reune consenso entre os teóricos dedicados à temática do stresse do cuidador decorrente da prestação de cuidados familiares.