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CAPÍTULO II – OS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO NAS PERSPECTIVAS

2.1 Modernidade: alcances e possibilidades no século XXI

A modernidade é um fenômeno histórico, cultural e político determinante do modo como se constituíram os valores ocidentais contemporâneos. Por modernidade se entende um modo de ser e de pensar, pautado sobretudo pelo potencial da razão como instância de constituição da história. Por isso, unívoco é o que se entende por racionalidade moderna, isto é, um modo da razão se expressar num dado contexto.

Diversas são as possibilidades de interpretação e compreensão sobre o que significa modernidade ou racionalidade moderna. Não obstante, no intuito de

atender às expectativas desta tese, lançamos mão do modo como Habermas e seus interlocutores apresentam as categorias fundamentais desse procedimento da razão, desde a sua perspectiva histórica até sua revisão atual.

Historicamente, a modernidade tem sua origem com a descoberta do Novo Mundo por volta de 1500. A construção de uma nova visão de mundo, ampliando o horizonte para além das vistas do velho continente, bem como a invenção da imprensa e as descobertas provocadas pela Revolução Científica permitiram que se iniciasse uma forma secularizada de compreender o mundo. No mundo moderno, não cabia uma explicação do universo na perspectiva aristotélico- ptolomaica, referendada pela metafísica tradicional tomista de vertente eclesiástica. O pensamento mítico e religioso deveria ser suplantado por explicações científicas prováveis.

Os novos paradigmas científicos, as descobertas de novas terras, e o movimento da Reforma Protestante fez com que oscilassem não somente o modo de compreender o mundo segundo valores profanos, mas também resultou na formação de novas estruturas políticas e econômicas. Segundo Habermas, tal movimento é muito bem diagnosticado por Max Weber:

Para Max Weber era ainda evidente a relação íntima, não apenas contingente, portanto, entre a modernidade e aquilo que ele designou como racionalismo ocidental. Ele descreveu como racionalidade esse processo de desencanto que levou a que a desintegração das concepções religiosas de mundo gerasse na Europa uma cultura profana. As modernas ciências empíricas, a autonomização das artes e as teorias da moral e do direito fundamentadas a partir de princípios levaram aí a formação de esferas culturais de valores que possibilitaram processos de aprendizagem segundo as leis internas dos problemas teóricos, estéticos ou prático-morais, respectivamente. Mas não foi apenas a profanação da cultura ocidental que Max Weber descreveu do ponto de vista da racionalização, foi sobretudo o desenvolvimento das sociedades modernas. As novas estruturas sociais estão marcadas pela diferenciação desses dois sistemas, interligados de modo funcional, que se cristalizaram em volta do cerne organizatório da empresa capitalista e do aparelho burocrático do Estado. (HABERMAS, 1998, p.13-14).

Do ponto de vista teórico, ganham destaque os embates epistemológicos, de um lado, entre a perspectiva empirista18 da escola inglesa de

Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776), e

de outro lado, o racionalismo19, cujo maior representante foi René Descartes (1595-

1650). Em Kant (1724-1804), e depois, em Hegel (1770-1831), tal embate ganha novas configurações metodológicas em torno da razão do sujeito que é capaz de inferir sínteses e unidade.

No século XVIII, a modernidade pode ser concebida como o projeto de razão teórica e prática. Os termos modernidade, racionalidade e subjetividade podem ser apreendidos da mesma maneira, e denotam procedimentos que visam estabelecer o controle da natureza e propor o progresso humano. Nisso consiste o que pode ser chamado de novos tempos ou tempos modernos.

O Iluminismo e a Revolução industrial expressam o ápice do projeto moderno da razão, cujo objetivo seria o de promover o progresso mediante a apuração da técnica e do trabalho. Os conhecimentos técnicos e científicos deveriam orientar as pessoas às formas éticas e justas de convivência, a fim de que os ideais de liberdade, autonomia e emancipação pudessem se tornar exequíveis.

O sujeito cognoscente assume poder instituinte sobre a nova realidade, em substituição à antiga visão teológica e metafísica em que o homem era passivo diante de Deus ou da verdade. A emergente consciência, cuja expressão política foi a Revolução Francesa, teve sua base material na Revolução Industrial. Ideias, ciência, atitudes e técnicas confluem para a realização de uma nova civilização ocidental destinada, supostamente, a levar o homem a sua emancipação e liberdade. (GOERGEN, 2012, p. 153- 4).

Enquanto síntese entre consciência histórica e a produção de energias utópicas, desde a segunda metade do século XIX até os dias de hoje, vemos as descontinuidades e os desvios de rotas que a sociedade moderna remonta. A relação entre saber e poder, pautada pela lógica capitalista de dominação, em que se instrumentaliza a razão em vista de diminuir custos e aumentar o lucro, produziu uma sociedade do trabalho que pouco amparo do Estado obteve e tem cada vez mais reduzida suas projeções da vida futura.

A modernidade pautada na institucionalização dos interesses privados junto à esfera pública, resultou numa consciência de crise cada vez mais ideologizada por pretensões dominantes. Desse modo, corromper o conteúdo do projeto moderno em vista dos objetivos de ideologia burguesa ou desconstruir suas

19 Racionalismo: Corrente filosófica para a qual a intuição intelectual e analítico da razão é critério ou norma da verdade; Cf. ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad: Alfredo Bosi. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

intenções, desqualificando o potencial autocrítico e criativo da razão, e assim se colocar na tematização do singular e do cotidiano, foram os modos como reduziram suas possibilidades, as quais julgamos ainda serem atuais. Por isso, concordamos com Habermas quando afirma:

Há certamente bons motivos para o esgotamento das energias utópicas. As utopias clássicas traçaram as condições para uma vida digna do homem, para a felicidade socialmente organizada; as utopias sociais fundidas ao pensamento histórico — que interferem nos debates políticos desde o século XIX — despertam expectativas mais realistas. Elas apresentam a ciência, a técnica e o planejamento como instrumentos promissores e seguros para um verdadeiro controle da natureza e da sociedade. Contudo, precisamente essa expectativa foi abalada por evidências massivas. A energia nuclear, a tecnologia de armamentos e o avanço no espaço, a pesquisa genética e a intervenção da biotecnologia no comportamento humano, a elaboração de informações, o processamento de dados e os novos meios de comunicação são técnicas de consequências intrinsecamente ambivalentes. E quanto mais complexos se tornam os sistemas necessitados de controle, tanto maiores as probabilidades de efeitos colaterais disfuncionais. Nós percebemos diariamente que as forças produtivas transformam- se em forças destrutivas e que a capacidade de planejamento transforma-se em potencial desagregador. Diante disso, não constitui surpresa que hoje ganhem influência sobretudo aquelas teorias desejosas de mostrar que as mesmas forças de incrementação do poder — das quais a modernidade extraiu outrora sua autoconsciência e suas expectativas utópicas — na verdade transformaram autonomia em dependência, emancipação em opressão, racionalidade em irracionalidade. (HABERMAS, 1987, p.105).

Além disso, também concordamos: “o horizonte da modernidade está se deslocando” (HABERMAS, 2002, p.11). Em pleno século XXI, do ponto de vista formal, a sociedade do trabalho ainda se organiza em torno das mesmas condições estruturais do passado, as energias utópicas constantemente se renovam no seio da história e novas metanarrativas surgem diariamente em todos os campos da cultura, defendendo as mais diversas pretensões.

Por isso, contra os riscos dos efeitos colaterais de uma razão que sofre os “eclipses” do poder, é necessário ampliar o conceito de razão e avaliar crítica e democraticamente suas pretensões de validez teórica e prática. Trata-se de reorientar a razão dos sujeitos para que, superando o paradigma da consciência (esfera privada), possa projetar a história em meio ao debate que reconhece, publicamente, conteúdos e expectativas de vida social pautada na ética e na justiça. Isso é atual!

Na sequência, apresentamos os principais fundamentos teóricos que inspiram de modo unívoco, uma compreensão de currículo. Trata-se, pois, de múltiplas vozes unidas em torno de uma concepção moderna e, portanto, atual de racionalidade. Junto com esses teóricos, razoavelmente, participamos do mesmo círculo hermenêutico, entendendo que a educação é processo de humanização que também ocorre por meio da arte.