motivo econômico da cultura ocidental; pela declaração de Nietzsche
da vontade de poder; e pela exposição de Freud do id libidinoso
operando por trás de nossos mais civilizados anseios (MacGrath, 2008,
p. 4).
A contribuição heideggeriana para a literatura de suspeição foi brutal.
Primeiramente, afirma a natureza interpretativa da própria experiência, como se fosse
possível acessar as coisas em si mesmas de forma imediata e pela revelação de
preconcepções outrora ocultas. Além disso, argumenta MacGrath, Heidegger esclarece
que o Dasein tem como motivo a decepção consigo mesmo, a negação especialmente
diante da morte. Isto não apenas modela a maneira que o ser humano pode ver as coisas,
mas as próprias coisas que são vistas. O uso que Heidegger faz dos mestres da suspeita
“sugere que a razão é uma marionete ao capricho de alguma coisa menos que racional.
Para Marx, esta alguma coisa é o capital e a ganância; para Nietzsche é fome de poder;
para Freud, o lagarto interior do desejo represado”. Todavia, para Heidegger, conclui,
trata-se do embate crucial e angustiante, ansiedade causada pela perspectiva de morte e
em face do nada – “urdidura e trama de nosso senso de temporalidade – é o motivo oculto
que subjaz a todas as nossas realizações culturais, científicas e religiosas” (MacGrath,
2008, p. 4).
Fica claro que, para Heidegger, a própria existência do indivíduo, seu Dasein, é
diretamente ligado à sua identidade. Há uma tradição recebida que modela e norteia uma
identidade coletiva na qual o indivíduo vive, aberto para novas experiências futuras. O
passado continua no presente. Assim, enquanto há certa determinação do indivíduo
devido àquilo que recebe do passado, de igual forma há alguma possibilidade do novo,
pois a experiência presente abre-se para o futuro. Assim, MacGrath argumenta que,
segundo Heidegger, as condições sociais e históricas de cada pessoa são vitais e
estabelecem o seu “ser no mundo”. Se são assim, na opinião daquele autor, a biografia de
Heidegger serve para entender o seu conceito de ontologia. Realmente, Heidegger
estabelece como necessidade entender a situação histórica para depois realizar a análise
fenomenológica. A história não é vista por ele como uma mediação para se alcançar o
entendimento. Ela, de fato, o determina. Pelo estudo dos escritos de Aristóteles, realiza
uma interpretação que revê totalmente os conceitos históricos entre o leitor e o texto,
reconhecido legado da antropologia cristã. Certamente, sua intenção não é remover ou
anular tais conceitos, “mas antes mostrar que nosso entendimento de Aristóteles é sempre
mediado por conceitos tradicionais”. Destruir nunca é tarefa fácil (MacGrath, 2008, p.8).
Em Ser e Tempo, Heidegger procura dar uma justificação fenomenológica. O
Dasein diz respeito à existência constante, ao passado que continua e ainda é.
Em seu Ser fático, qualquer Dasein é, como já foi, e é "o que" já era. É
o seu passado, explicitamente ou não. E isto é assim não só no que seu
passado é, por assim dizer, empurrando-se junto "por trás", e que o
Dasein possui o que é passado como uma propriedade que ainda é
Presente-em-mão e que, por vezes, tem efeitos posteriores sobre ela:
Dasein é o seu passado na forma de seu próprio ser, que, para colocar
asperamente, historiciza de seu futuro em cada ocasião. Seja qual for a
forma do Ser que pode ter, na época, e, portanto, com o que
entendimento do Ser, pode possuir, o Dasein tem crescido tanto em
direção e na tradicional maneira de interpretar a si mesmo: nos termos
deste ela se entende proximamente e, dentro de um determinado
intervalo, constantemente (MACGRATH, 2008, p.8).
É possível que o melhor exemplo para o pensamento de Heidegger seja sua própria
vida. Ele “é como ele era; ele é o seu passado. Ele entende a si mesmo e todas as coisas
mais em termos de tradições de interpretação nas quais ele cresceu” (MacGrath, 2008, p.
8). Note-se a forma do conceito de identidade. Para Heidegger o entendimento sobre ele
próprio repousava antes dele, nas interpretações e tradições nas quais ele cresceu. O
significado de suas tradições vinha do passado para encontrá-lo fora de seu futuro. Ao
criar a palavra Dasein, ele tem como objetivo fixar a análise dos assuntos no vivido, isto
é, no tempo e no espaço: “O neologismo de Heidegger para o ser do ser humano,
“Dasein,” significa em alemão “ser-lá”. O termo tem como objetivo impedir pensar sobre
o assunto como separado de sua localização no espaço e no tempo, ou melhor ainda, sua
situação de vida”(MacGrath, 2008, p. 8). Pensando a ontologia heideggeriana, explica
MacGrath, o “lá” ocupa papel central. Ele é indispensável para o entendimento de sua
filosofia, não apenas quanto ao aqui e agora do leitor, mas ainda ao “lá” e “então” do
autor que se lê. Por isso, os termos utilizados por Heidegger e sua linguagem precisam de
sua vida para que sejam corretamente entendidos (MacGrath, 2008, p. 8). A vida,
poderíamos dizer, tem que ser um “livro aberto” para ser lido de um particular ponto de
vista. Segundo o seu entendimento, as origens sempre vêm nos encontrar do futuro. Nessa
perspectiva, o futuro de Heidegger foi inteiramente e modelado e determinado pelo seu
passado. Em linha com ele, sua abordagem sobre a fenomenologia foi determinada por
sua educação católica, enquanto sua terra natal rural indicou seu envolvimento político
no partido nacional socialista (MacGrath, 2008, p. 8-9). Este é, podemos dizer, o discurso
identitário cultural de Heidegger, centrado na sua herança católica e rural.
Heidegger reage contra os neoescolásticos ao romper com o “sistema do
Catolicismo” quanto à teoria do conhecimento histórico. Segundo MacGrath, é provável
que ele não suportasse mais o a-historicismo neoescolástico. Em toda a “carreira” de
Heidegger, a história foi sempre aquilo que determinava a experiência da verdade:
De sua primeira hermenêutica a sua última “história do ser”, a noção
No documento
“AQUELE ABRAÇO”: O DISCURSO IDENTITÁRIO CULTURAL BRASILEIRO QUE SE ABRE PARA O MUNDO
(páginas 81-84)