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O processo histórico-social ocorrido no Ocidente conhecido como Modernidade47 corresponde ao período que vai do seu advento no século XVI ao Século

XX. Alguns sinais desta fase histórica foram, por exemplo, a ruptura com a tradição medieval em que se retirou da religião institucional o monopólio do controle da sociedade deslocando-o, desta forma, para o campo do privado; outra característica foi a mudança de mentalidade e de atitude do homem ocidental diante dos avanços científicos, da descoberta do Novo Mundo e da nova realidade social que se instaurava.

Sobre o advento da Modernidade48, algumas questões podem ser colocadas da

seguinte maneira: a Modernidade é contrária a religião em si, ou somente se opõe àquela que tem por pretensão dar conta da totalidade? O período moderno estabeleceu- se de forma repentina negando sua herança, ou trouxe no seu bojo permanências do mundo medieval? Ainda, é possível afirmar que a Modernidade tem legitimidade como um projeto totalmente novo, ou simplesmente foi uma transposição secularizada da história da salvação? Esses apontamentos colocados desta maneira nos dão a ideia da complexidade da qual carrega o conceito de Modernidade em sua relação, sobretudo, com a estrutura sócio-religiosa que predominou no medievo. A Modernidade em sua fase inicial não foi contrária a religião em si, somente mais tarde com o advento do Iluminismo e posteriormente com a proclamada “morte de Deus” feita por Nietzsche, que esta se revelará como advento que busca romper com qualquer vínculo da tradição religiosa.

Historicamente falando, foram os europeus do século XVI que se autodenominaram modernos em relação ao período histórico que lhe precedeu, isto é, a

47 Zygmunt Bauman define a Modernidade como “um período histórico que começou na Europa

Ocidental no século XVII com uma série de transformações sócio-culturais e intelectuais profundas que atingiu sua maturidade primeiramente como projeto cultural, como o avanço do Iluminismo e depois como forma de vida socialmente consumada, com o desenvolvimento da sociedade industrial (capitalista e, mais tarde, também a comunista)”. Cf. BAUMAN, Zygmunt. “A busca da ordem”. In: Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 299-300.

48 O conceito de Modernidade comumente é relacionado ao período histórico ocorrido no Ocidente, não

obstante, alguns autores fazem menção de que outros períodos históricos também foram considerados modernos. Um exemplo disso pode ser visto na obra “Raízes da modernidade” de Henrique Lima Vaz, editora Loyola, 2002.

Idade Média. Esta foi vista como um atraso cultural, como considerada pelos renascentistas, e tratada como uma época de obscurantismo e ignorância posteriormente pelos iluministas, assim então, é a partir dessas interpretações que no devir histórico a Idade Média ficou sendo considerada pejorativamente como a “noite de mil anos” ou como “idade das trevas”. Para o homem moderno a afirmação de sua autonomia perante o mundo se daria pela conquista emancipatória frente à “tirania” e à “censura religiosa”, sendo que o viés político com a ascensão dos Estados modernos, no âmbito secular, proporcionaria esta condição.

Avaliar a conjuntura e a possibilidade de considerar um “antes” e um “depois”, isto é, se houve uma ruptura radical com a autoridade normativa do passado medieval que a coloca numa situação de “antes”, e a legitimidade do discurso moderno como algo totalmente novo, o “depois”, ainda causa divergências entre pesquisadores sobre o assunto.

Para uma linha de pensamento, a Modernidade não vai muito além de um sucedâneo religioso e de uma versão secularizada da escatologia cristã, o que se percebe de novo é a existência de uma auto-afirmação da autonomia, a qual não pode ser tratada como uma simples transposição dos conceitos cristãos à Modernidade; não obstante, afirmar o novo que surge isento de permanências teológicas não será aceito num sentido absoluto. Nesta perspectiva, a tese de Karl Löwith representante da corrente mencionada define seu ponto de vista:

A tese de Löwith faz uma análise histórica das filosofias da história e de suas celebrações do progresso inevitável. Existem pressuposições teológicas camufladas na consciência histórica moderna que tornam ilegítima a idade moderna como um todo. A modernidade nada mais é que uma versão secularizada da escatologia cristã. Consequentemente, a verdadeira face da idade moderna tem de ser buscada debaixo da máscara secularizada que ela usa para disfarçar suas próprias origens teológicas.49

49 SOUZA, José Carlos Aguiar. O projeto da modernidade: autonomia, secularização e novas

Contrapartida, no que tange a legitimidade e a originalidade da Modernidade, o filósofo alemão Hans Blumenberg questiona a tese de Löwith. Para Blumenberg, as ideias modernas vieram para reocupar posições deixadas pelo cristianismo medieval, em que, por sua vez, a Modernidade teve a tarefa de responder uma série de questões deixadas pelo período ulterior, é daí que surgem as principais teses desse pensador, a saber, a afirmação da autonomia e sua proposta da teoria da reocupação: a legitimidade da modernidade advém de si mesma e tem como base o projeto de afirmação do-self como programa existencial autônomo, cujo elemento central de defesa é a teoria da reocupação”.50

Na empreitada de defender a originalidade da idade moderna, Blumenberg deixa claro não se tratar de justificar todas as asserções modernas. Ao abordar a questão da secularização na Modernidade, este pensador insere o conceito inventivo de “secularização pela escatologia” em vez de “secularização da escatologia”. Se a ideia de progresso é fundamental e imprescindível à história humana para autocompreensão da Modernidade, Blumenberg não tenta defender a noção de um progresso infinito como a almejada pelos iluministas; contudo advoga que esse progresso não pode ser oriundo da secularização do padrão escatológico cristão, sendo que este coloca a história em presença de um fim heteronômico e transcendente. Apesar de a concepção moderna de progresso infinito ter suas limitações na visão blumenberguiana, esta é distinta e não encontra amparo na escatologia cristã.

[...] apesar de extrapolar os confins limitados da razão, permanece, apesar de tudo, nos confins da história como processo imanente. Existe uma dimensão de esperança no futuro ligada à concepção moderna de progresso, que Blumenberg nega estar presente na escatologia cristã.51

Todo o debate em torno de uma continuidade de pressuposições teológicas secularizadas pelos modernos como apontou Karl Löwith, ou de uma interrupção que patenteia a Modernidade como um projeto original e autônomo na proposta de Hans

50 SOUZA, José Carlos Aguiar. Op. cit., p. 19. 51 Ibidem, p. 82.

Blumenberg, revela a complexidade em torno do surgimento da Idade Moderna. Entrementes não nos pormenorizaremos sobre a discussão da existência de uma ininterrupção ou de uma ruptura a respeito da transição medieval à Idade Moderna, se pretende, por hora, expor que essa fase histórica não passa incólume a debates e a visões distintas em relação ao advento da Modernidade. Doravante, buscar-se-á apontar dois componentes que, no desenvolvimento histórico, ganharão relevância e que permearão o período posterior à Idade Média, a saber: o advento dos Estados modernos e a revolução científica.

2.2 O Estado moderno e a revolução científica

Na Idade Média, está ausente a concepção de um Estado propriamente dito, isto é, não se encontram na sociedade política medieval todos os elementos52 que possam

caracterizar e tipificar a ideia de um Estado como aquele que emergirá na Modernidade. O que vigorava no período medieval era uma pluralidade de poderes marcados por disputas entre reis, senhores feudais e Igreja, sendo que essa configuração política fragmentava o poder gerando com isso insegurança e tornando difícil o estabelecimento de uma unidade de poder. Não se errará ao afirmar que essa falta de unidade, herdada do medievo, foi um dos motivos para o surgimento do Estado moderno,

[...] a ideia de unidade é fundante do modelo de Estado que se estrutura com a passagem do medievo para a era moderna [...] É essa unidade que vai permitir a construção do edifício moderno do Estado. É dela que emerge o caráter soberano que marcará essa nova forma estatal, o que tem em seu cerne a consolidação do poder político em um único local [...].53

52 As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado

como instituição político-jurídica moderna, quais sejam: o território e o povo como elementos materiais; o governo, o poder, a autoridade ou o soberano como elementos formais; e a finalidade como elemento substancial. Cf. MORAIS, José Luis Bolzan de. “Estado”. In: Dicionário de Filosofia Política. São Leopoldo, RS: ed. UNISINOS, 2010, p. 183-186.

53 BARRETO, Vicente de Paulo; CULLETON, Alfredo. Dicionário de filosofia política. São Leopoldo,

Todo o cenário em que a sociedade política medieval se encontrava, com certas carências e com uma pluralidade de poderes, será determinante para a consolidação do Estado moderno. A busca pela unidade se intensificará até a concretização de um poder soberano que se materializará primeiramente na monarquia absolutista centralizando o poder dentro de uma delimitação territorial, desta forma, o mundo político medieval entrará em declínio, gradualmente, na medida em que o Estado moderno evolui e legitima sua autoridade; nesta fase, os passos começam a serem dados na separação do poder político do poder religioso.

O absolutismo, por sua vez, não ficará isento de contestação, a origem divina da autoridade e da lei será colocada em xeque assim como a hierarquia baseada no sangue, considerando-se que esta tradição por muito tempo serviu como instrumento para legitimar os monarcas que, de certa maneira, ainda mantinham uma amalgamação entre o poder político e o poder religioso, esta forma de hierarquia será também contestada mais tarde, sobretudo pelos contratualistas.54

Foi a partir do momento em que a razão passou a ser instrumento a serviço do Estado moderno, com aspiração cada vez mais leiga, que toda a ação reguladora das relações entre os indivíduos dispensará a mediação da autoridade eclesiástica e da tradição, mais do que isso, até mesmo assuntos relacionados à religião estarão subordinados aos imperativos da razão mostrando o pendor e a tendência do Estado moderno sobre o locus da religião nas questões temporais. Sobre o crescimento do Estado moderno, que busca dar conta de todos os aspectos sociais, nos esclarece o historiador português Fernando Catroga:

Efeito não menor destas mudanças foi, de facto, o crescimento da soberania do Estado e da consequente tendência para este subordinar, aos imperativos da sua “razão”, todos os negócios dos súbtidos (ou dos cidadãos), incluindo os religiosos. E se, principalmente nos países católicos, esta vocação teve, num primeiro registro, uma aura explicitamente transcendente (“direito divino”), o certo é que outras ideias, de cariz mais imanente, lançarão as

54 De modo geral, pode-se dizer que o contratualismo consiste numa teoria acerca da origem da sociedade

humana, na qual ela teria como gênese um contrato social ou uma convenção entre os indivíduos. Cf. BLACKBURN, Simon. “Contratualismo”. In: Dicionário de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 77.

bases para que o poder político venha a submeter e/ ou diferenciar-se do religioso propriamente dito, arrogando-se o direito de executar tarefas de pastoreio de almas e de governabilidade, em nome de um secularizado ideal de bem comum.55

Destarte, percebe-se o fenômeno da secularização no âmbito do Estado moderno por meio da separação entre pensamento político e religioso. Não será foco na Modernidade a negação da existência de Deus, mas, sim, estabelecer no domínio secular um significado que seja totalmente imanente. Isso será a tendência que marcará a evolução do Estado moderno no devir histórico ocidental.

Entre outros, o Estado moderno não foi o único componente a sinalizar o período que sucedeu a Idade Média, a eclosão da Revolução Científica estará entre os elementos que serão decisivos para a construção do edifício moderno com sua ênfase gradativa na imanência, diferentemente daquele período que o precedeu no qual a concepção de ciência era praticamente desvinculada da técnica e desinteressada das aplicações práticas do saber.

Foi com o surgimento da burguesia como nova classe emergente que a relação com a ciência será alterada, pois haverá necessidade de novos inventos, instrumentos e descobertas aliando técnica e ciência diante do desenvolvimento da indústria e do uso das forças da natureza em seu benefício; nesse sentido a ciência desvincula-se da teologia e deixa de ser simplesmente um saber contemplativo, agora ligada à técnica, ela tornou-se crucial a serviço da nova classe burguesa que deixa para trás o passado e a tradição herdada diante das novas descobertas. Sobre essas mudanças econômicas e tecnológicas, a historiadora Karen Armstrong faz a seguinte observação:

À medida que a filosofia, a ciência e a tecnologia evoluíam, a rejeição do passado recente parecia crucial para a descoberta de novas verdades. As rápidas mudanças econômicas e tecnológicas, o desafio de organizar os jovens Estados nacionais, as flutuações de mercados distantes, os relatos

55 CATROGA, Fernando. Op. cit., p. 28.

sobre o exótico Novo Mundo, incentivaram as pessoas a abandonar a tradição e buscar soluções totalmente novas para seus novos problemas.56

Na Idade Média, todo o suporte do saber estava fundamentado na religião, ao contrário disso, para a nova ciência, explicações de cunho teológico baseadas na causalidade divina perdem sua plausibilidade diante de uma ciência secularizada que abandona a dimensão religiosa como a encontrada no medievo. Um exemplo que pode aqui ser evocado é a descentralização do cosmo, ou seja, o sistema geocêntrico que sustentava o todo centralizado, finito e ordenado é retirado do centro do universo com a descoberta de outros mundos, posteriormente, até o sistema solar (heliocentrismo) passa a ser somente mais um entre muitos sistemas que compõem o universo; em outras palavras, se, para o medievo, “o mundo é fechado”, então “o universo é infinito” para os modernos.

É nesse arsenal de aquisições trazidas pelas descobertas da nova ciência que será questionado o próprio lugar do ser humano no cosmo, uma vez que, este perde suas certezas herdadas e é no saber científico que busca explicações sobre sua própria existência e resoluções para as mudanças e os problemas advindos com as novas descobertas. Sobre isto, nos esclarece Urbano Zilles que

O surgimento e a evolução da ciência moderna anularam e relativizaram certezas e convicções herdadas do passado, enfraqueceram critérios de vida e de julgamento moral, questionando tradições religiosas. Destarte, o homem ocidental passou a viver com o sentimento de um mundo à deriva, sem rumo, caracterizado pela anarquia do pensamento, apostando no conhecimento científico como solução de todos os problemas.57

56 ARMSTRONG, Karen. Op. cit., p. 173-174.

O século XVII promoveu aquilo que se pode chamar de revolução científica, pois será a partir deste período, que a nova ciência romperá com a concepção medieval de ciência baseada em conceitos de valor como perfeição e harmonia. É neste contexto de ruptura e de mudança que se dará a secularização da consciência do homem moderno, isto é, ele se afastará das metas transcendentes para os interesses imanentes. Colocando de outra maneira, os modernos deixarão de se ocupar com o mundo do porvir dedicando-se ao mundo do aqui e agora.

O perfil do homem ocidental que irá predominar na Modernidade será aquele que vê o próprio sentido da religião submetido aos critérios da ciência, sobre este aspecto, Karen Armstrong nos diz o seguinte: “Os cristãos ocidentais estavam viciados em prova científica e convencidos de que, se Deus não era um fato empiricamente demonstrável, a religião não podia ser verdadeira em nenhum sentido”. 58

2.3 O paradigma imanente da Modernidade

Não se pressupõe imanente a inexistência da religião ao caracterizar a Modernidade como paradigma59, não obstante esta perde sua preponderância como

orientadora absoluta nas questões temporais. Para o homem moderno, com sua ênfase no potencial cognoscente humano, as explicações de cunho religioso para explicação dos fenômenos não mais se adequam às novas experiências, a aposta moderna será integral no pensamento científico experimental e no método cartesiano como possibilidade de superação da metafísica enquanto ciência das essências. O desenvolvimento dessa nova concepção retira Deus do centro colocando, em seu lugar, a natureza física e o homem promovendo, neste sentido, uma virada paradigmática substituindo-se o teocentrismo pelo antropocentrismo.

58 ARMSTRONG, Karen. Op. cit., p. 244.

59 Geralmente, paradigma é um modelo ou exemplo. Platão empregou essa palavra no primeiro sentido,

ao considerar como paradigma o mundo dos seres eternos, do qual o mundo sensível é imagem. Aristóteles utiliza esse termo no segundo significado. O ponto de vista de Thomas Kuhn sublinha a situação histórica concreta de uma ciência no espaço dos problemas e das perspectivas herdadas de avanços anteriores. Um paradigma é estabelecido apenas em períodos de ciência revolucionária, surgindo tipicamente em resposta a uma acumulação de anomalias e dificuldades que não podem ser resolvidas no paradigma vigente. Cf. BLACKBURN, Simon. “Paradigma”. In: Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 279.

Logo após o movimento da renascença, a nova ciência desponta na busca de substituir o saber das essências pelo saber dos fenômenos. Nomes como Copérnico, Kepler e Galileu, entre outros, estarão atrelados ao novo formato de ciência e empenhados nisso buscando novas interpretações da natureza e de seus fenômenos por sua vez; esta nova atitude cientifica, irá consubstanciar ao mesmo tempo teoria e prática. A nova metodologia usada para que se alcance tal empreitada será o método matemático e experimental, sendo a figura de Galileu Galilei um bom exemplo desse modelo, ele buscou ler a linguagem do universo através da matemática, pois, para este cientista, a matemática poderia interpretar e apreender melhor a realidade, deixando de lado tudo aquilo que não fosse possível sua constatação ou que estivesse além da matéria. A citação a seguir ajuda esclarecer a ideia da ciência galileana:

Galileu foi o primeiro a conceber a ideia da possibilidade de um conhecimento científico totalmente objetivo do mundo mediante a aplicação dos métodos matemáticos. Devido ao sucesso dos resultados obtidos com essa nova forma de investigação, Galileu deduziu que o mundo da natureza possui verdadeiramente uma estrutura matemática. Assim sendo, a ciência galileana pressupõe uma estrutura matemática da realidade para além das aparências sensíveis.60

A tendência em dominar e subordinar progressivamente as forças da natureza tornar-se-á um fluxo normal, à medida que o homem com seus equipamentos, frutos da relação teoria e prática, amplia seu poder na manipulação do mundo. Vale lembrar que nessa fase de ascensão da ciência moderna será alterada a concepção do que é a Terra, ou seja, se antes esta tinha a aura de sagrada e de mãe nutriente, terá agora de suas entranhas os seus segredos arrancados e escrutinados pelo conhecimento científico. Esta forma de tratar a natureza com violência pode ser percebida na empiria de Francis Bacon que, com seu famoso lema do saber é poder, advoga a força para que a natureza revele seus segredos.

Observamos que Bacon é rancoroso para com a natureza. Para ele, a natureza tinha que ser “acossada em seus caminhos”. Ela era obrigada a “servir” e deveria ser “submetida à escravidão”. A ciência deveria submeter a natureza à tortura com o fito de extrair dela todos os seus segredos.61

A ciência moderna no seu ideal de desenvolvimento, progresso e evolução não estará sozinha nessa marcha, concomitantemente, a filosofia cartesiana contribuirá nesse projeto buscando mostrar a inviabilidade e superação da metafísica no plano teórico. Coube a René Descartes, considerado pai do racionalismo moderno, a função de definir os parâmetros da ciência moderna quando este escreve sua obra O Discurso do Método. O objetivo cartesiano foi o da construção de uma ciência radicalmente nova, que fosse segura e alicerçada em bases sólidas e inabaláveis. Descartes, ao confrontar as certezas herdadas da tradição teológica e da filosófica, aplica a dúvida metódica desviando o olhar das certezas transcendentes e volta seu olhar para a imanência. Ao rever sistematicamente todos os seus conhecimentos, resta uma única certeza indubitável para Descartes que é sintetizada em sua famosa frase: Cogito ergo sum (penso, logo existo).

O cogito cartesiano trouxe mudanças significativas para a visão moderna em relação à essência do ser humano ao ser estabelecido, surge, então, a distinção entre