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3.2. Áreas de Preservação Permanente APPs: abordagem da questão legal

3.2.2. Modificações no Código Florestal

A questão sobre as modificações do Código Florestal data do final da década de 1990, e vem sendo exaustivamente debatida por ambientalistas, acadêmicos, especialistas em meio ambiente e sociedade que apontam algumas graves consequências para o meio ambiente, e para a sociedade, no que se refere aos principais pontos de modificação do Código Florestal, fortemente defendidos pela bancada e lideranças ruralistas.

Em 25 de maio de 2012 foi aprovada a Lei nº 12.651 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166- 67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

A lei entende (art. 3º, inciso II) por APP a "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas"; e possui um capítulo específico para tais áreas, o Capítulo II. A Seção I deste Capítulo trata sobre a questão da delimitação das APPs, independente, caso exceções expressas, de localização, se urbana ou rural.

As grandes alterações trazidas pelo artigo 4º da Lei é a definição de APPs em faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular; não se tratando mais de florestas e demais formas de vegetação natural e sim de áreas, o que é um avanço e dirime eventuais desentendimentos. A APP não é mais contabilizada a partir do nível mais alto do curso d‟água e sim da borda da calha do leito regular. O preconizado pela lei legaliza a prática do país. No entanto, fragiliza o conceito de APP apresentado na própria lei.

O avanço trazido pelo artigo 4º, ao definir APP como área, não vinculando estas à vegetação, não foi verificado no artigo 6º. Neste artigo são consideradas de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades:

I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;

II - proteger as restingas ou veredas; III - proteger várzeas;

IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;

V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;

VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII - assegurar condições de bem-estar público;

VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.

IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

O Regime de Proteção das APPs é apresentado na Seção II da lei, artigos 7º ao 9º. A referida lei avança ao obrigar que a vegetação situada em APP seja mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado (artigo 7º).

Além disso, ressalvados os usos autorizados previstos em lei, caso tenha havido supressão de vegetação em APP o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação (§ 1º). Essa obrigação tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural (§ 2º).

O preconizado no § 2º pode suscitar controvérsias, pois segundo o escrito em lei apenas para imóveis rurais a obrigação de recomposição da vegetação tem natureza real.

Caso haja supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 20084, será vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1º (§ 3º).

O preconizado pelo § 3º representa um retrocesso, pois entende-se que deveria ser aplicada a lei que definia as APPs (anteriores à lei nº 12.651/12) e não a data do recente

4 Data de aprovação do Decreto nº 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências.

Decreto (22/07/2008), pois a supressão ilegal da vegetação em APP não é contemporânea ao referido Decreto.

No que se refere à supressão de vegetação em nascentes, a lei em seu artigo 8º, § 1º permite que isso possa acontecer apenas em caso de utilidade pública5. No entanto, a própria lei, entre outras coisas, conceitua como de utilidade pública as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios; podendo-se manter o já aplicado nas áreas urbanas, ou seja, conformação dos cursos d‟água ao sistema viário das cidades.

O texto da lei aborda a questão das Áreas Consolidadas6 em APPs, e condiciona recomposição vegetal ao tamanho das propriedades rurais, mais especificamente à modulação fiscal das propriedades. Saliente-se que módulo fiscal é uma unidade de medida agrária utilizada no país, expressa em hectares e é variável, sendo fixada para cada município, o que pode dificultar a aplicação da lei nacional, exigindo-se neste caso estudos locais para complementar esta.

Pelo exposto, mesmo que de forma sucinta, a Lei nº 12.651/12 é bastante complexa, assim como o tema que ela abrange. Desta forma, uma melhor e mais ampla discussão sobre seus avanços e retrocessos carece de um trabalho específico para ela, que não é o caso deste. No entanto salienta-se que a aplicação do proposto por este trabalho vem complementar a legislação vigente, visando a proteção ambiental e das populações.

5 Artigo 3º, VIII - utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal.

6 Artigo 3º, IV - área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio.