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4. O SENAR FRENTE A ATUAL REALIDADE RURAL

4.1. O modo de atuação do SENAR

De acordo com o relatório de atividades do SENAR-MG em Minas Gerais no ano de 2002, a Formação Profissional Rural (FPR) atendeu um perfil de participantes representando 74,4% do sexo masculino; 88,2% maior de 18 anos; 51,8% com escolaridade equivalente ao Ensino Fundamental incompleto; 48,6% pequenos produtores rurais; 6,7% de desempregados; 27,3% assalariados e 13% autônomos. Quanto a Promoção

Social (PS), teve como público alvo: produtores, trabalhadores rurais e seus familiares. Apresentou como perfil de sua clientela: 85,9% com idade entre 19 e 60 anos (essa faixa etária foi á utilizada pelo SENAR, a qual consideramos muito ampla, o que deixa o resultado sem muita especificidade); 46,3% com escolaridade equivalente ao ensino fundamental incompleto; 50,4% trabalhadores e seus familiares; 23,2% esposas de produtores rurais SENAR (2002). Os cursos oferecidos pelo SENAR que tiveram maior demanda dentro das ações de Formação Profissional Rural (FPR) e, Promoção Social (PS) de acordo com o relatório de atividades do SENAR do ano de 2002, são apresentados a seguir. No relatório, não são apresentados os porcentuais de participação em cada curso.

Cursos de FPR:

Administração de Propriedades em Regime de Economia Familiar; Administração de Associações e Sindicatos Rurais; Administração de Empresas Agro-Silvo-Pastoris; Apicultura; Aplicação de Agrotóxicos; Avicultura Básica; Avicultura de Corte; Bovinocultura de Corte; Bovinocultura de Leite; Cerqueiro; Cultivo de Cogumelos; Comestíveis; Cultivo de Fruteiras Perenes (Uva); Cultivo de Fruteiras Semi-Perenes (Banana); Cultivo de Plantas Industriais (Café); Cultivo de Plantas Industriais (Cana-de- Açúcar); Cultivo de Plantas Medicinais; Cultivo de Plantas Ornamentais; Doma Racional de Eqüídeos; Eqüideocultura; Fabricação Caseira de Melado, Açúcar Mascavo e Rapadura; Fabricação de Aguardente; Floricultura; Fruticultura Básica; Hidroponia; Minhocultura; Olericultura Básica; Operacão e Manutenção de Colheitadeiras Automotrizes; Operação e Manutenção de Motosserra; Operação e Manutenção de Ordenhadeira Mecânica; Operação e Manutenção de Sistema de Irrigação Localizada; Operação e Manutenção de Sistemas Convencionais de Irrigação por Aspersão; Operação e Manutenção de Tratores Agrícolas; Ovinocultura de Corte; Piscicultura; Produção de Conservas Vegetais, Compotas, Frutos Cristalizados e Desidratados; Produção de Derivados do Leite; Seleiro; Suinocultura; Transformação Caseira de Mandioca; Transformação Caseira de Produtos de Origem Animal em Embutidos e Defumados; Tratamento de Madeiras;Viveiros

Cursos de PS:

Empreendimentos Comunitários; Artesanato de Crochê e Tricô; Artesanato de Rendas, Bordados e Congêneres; Artesanato do Vestuário; Associativismo; Cerâmica; Cestaria e Trançados; Cooperativismo; Doenças Vinculadas às Parasitoses do Homem e às Zoonoses;

Educação para o Trabalho; Higiene, Conservação e Armazenamento de Alimentos; Noções Básicas de Nutrição e Alimentação; Pintura em Tecidos; Planejamento e Aproveitamento de Alimentos; Prevenção de Acidentes; Produção Caseira de Alimentos (Carne, Leite, Frutas etc) Legumes, Etc.); Saneamento Básico no Meio Rural; Saúde Bucal; Saúde e Alimentação; Saúde na Infância e na Adolescência; Saúde Reprodutiva; Tapeçaria

Observando os cursos acima, percebe-se que os cursos oferecidos pelo SENAR- MG, na área de FPR estão voltados para uma produção agrícola, dentro de uma perspectiva de concepção do rural como sendo somente agrícola. A proposta dos cursos revela-se de forma estanque, não ficando clara a integração de diferentes atividades e isso pode ser evidenciado nos conteúdos dos cursos de agroindústria, por exemplo, que fazem parte da FPR, mais adiante. Por outro lado, não existe uma concepção de turismo dentro da multifuncionalidade da agricultura. Essa multifuncionalidade, conforme analisa Carneiro (2002), é uma das possibilidades de se encarar o rural como não sendo apenas agrícola, permitindo ressignificar esta atividade. Nessa perspectiva, o curso oferecido pelo SENAR na FPR pode “capacitar”, por exemplo, para o trabalho na horta, mas essa atividade pode se tornar também uma atividade de turismo, se o cursista for despertado para a referida multifuncionalidade. Como exemplo podemos citar o caso de uma das entrevistadas que fez o curso de doces. Ela apresenta seus doces quando os visitantes da produção de cachaça do seu marido vão até a sua propriedade para conhecer a produção de cachaça. Ao provarem os doces, acabam gostando e comprando.

Nesse sentido, Blanco (2004), em seu artigo “O turismo rural em áreas de agricultura familiar: as novas ruralidades e a sustentabilidade do desenvolvimento local”, vai dizer que o estilo de vida, os costumes e o modo de produção das famílias rurais podem despertar o interesse de pessoas das grandes cidades, bem como dos municípios vizinhos, ampliando as possibilidades para o turismo rural, consolidando o modo de vida rural como um atrativo. Neste aspecto, tradições gastronômicas e culturais, por exemplo, são resgatadas e valorizadas.

Observando, ainda, os cursos de FPR e PS, percebe-se uma divisão de sexo20 nas duas modalidades de cursos oferecidos pelo SENAR, ou seja, os cursos de Formação

20 Para um aprofundamento a esse respeito ver estudos feministas, realizados a partir de reflexões e

questionamentos sobre o tempo e a história da invisibilidade da mulher, em LAGO.M.C.S (1996): Modos de vida e identidade. Sujeitos no processo de urbanização da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed.UFSC.

Profissional Rural (FPR) são cursados por homens e os cursos de Promoção Social (PS), são destinados às mulheres. Essa divisão revela uma situação de diferenciação de papéis: o lugar para o homem dentro das ações de FPR, e o lugar para a mulher dentro das ações de PS, o que acaba por reforçar os papéis masculino e feminino. Essas divisões deixam claro que as relações de gênero, que, na verdade, não são o objeto de discussão neste estudo, podem, também, contribuir para se pensar as concepções presentes nos cursos do SENAR, visto que a própria multifuncionalidade, que se faz presente no meio rural, aponta para a necessidade de uma nova configuração das relações de gênero dentro da divisão social do trabalho, na unidade produtiva e familiar. O conceito de gênero permite pensar homens e mulheres como construídos social e culturalmente, enfatizando o aspecto relacional em que se engendram, historicamente, masculinidades e feminilidades. O próprio relatório do SENAR traz consigo informações que corroboram com essa afirmação, quando revela que 74,4% dos participantes dos cursos da FPR eram do sexo masculino. Quanto ao sexo dos participantes dos cursos da PS, o relatório não mostra de forma esclarecedora, deixando os resultados camuflados, mas pode-se presumir, em função das temáticas eleitas, que esse porcentual seja, majoritariamente, composto por mulheres.

Nos relatórios das atividades executadas pelos instrutores dos cursos que foram analisados neste estudo, não há menção à multifuncionalidade. A partir da análise das propostas dos cursos oferecidos, pode-se dizer que a perspectiva da multifuncionalidade não está presente. Como já mencionado, a multifuncionalidade cria novas dinâmicas no espaço rural, como enfatiza Carneiro (2002). A preocupação com a multifuncionalidade perpassa não somente a produção, mas envolve também uma nova perspectiva de geração de renda no meio rural. Se antes a perspectiva de geração de renda centrava-se na produção agrícola de uma forma geral – e para isso os cursos de FPR, por exemplo, poderiam ser demandados - agora a possibilidade de geração de renda coloca-se na própria ressignificação da agricultura, não mais tão produtiva, mas uma agricultura com múltiplas funções, que possa ser também lazer, turismo, saúde etc.

Como mencionado anteriormente, a pluriatividade apresenta diferentes significados que variam de acordo com o estádio de desenvolvimento de cada sociedade. Dessa forma, ora aparece como estratégia de sobrevivência dos “pequenos produtores familiares”, ora aparece como mudança no padrão de exploração agrícola. O fato é que ela pode ser compreendida de diferentes maneiras, em relação à sua função e à sua importância

(MATTEI, 1999). Assim, a lógica pluriativa é uma lógica que vislumbra a integração entre várias atividades no meio rural, revelando uma percepção do rural não apenas voltado para a produção, mas, também, para o lazer e para a conservação do meio ambiente.