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Modo de produção e formação das estruturas políticas e éticas

4 A LINGUAGEM COMO FUNDAMENTO DA ÉTICA MARXIANA

4.3 PARA A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

4.3.1 Modo de produção e formação das estruturas políticas e éticas

A concepção materialista da história mostra que códigos e crenças morais são dependentes do homem, nascem da situação social humana e variam de acordo com ela. Como não existe homem em geral e sim homens específicos que pertencem a determinadas classes sociais, não existe uma moralidade generalizada. Existem apenas morais especificas que refletem interesses específicos e que entram em conflito com as diferentes classes. Códigos morais não podem ser tratados como falsos ou verdadeiros, válidos ou inválidos; pertencem a um tempo particular da história e expressam as preocupações de um grupo particular, somente nesse contexto podem ser entendidos e avaliados.

A rejeição de qualquer apelação ao uso de princípios morais abstratos foi uma das mais importantes características do trabalho de Marx e Engels. O marxismo se diferenciava do socialismo utópico exatamente pelo seu caráter científico, pela sua

negação em confrontar a sociedade com princípios e apelações morais. Marx estudou as leis de movimento que ditam as mudanças sociais.

Analisando a construção da concepção materialista da história, podemos verificar a vertente científica dessa teoria e a sua preocupação em relacionar as mudanças dos modos de produção com as mudanças sociais e, consequentemente, as relações morais entre os homens.

A compreensão dos homens acontece na “organização corporal desses indivíduos e, por meio dela, sua relação dada com o restante da natureza” (MARX e ENGELS, 2007, p. 87). O homem não é algo dado, único, determinado; seu comportamento depende de sua organização perante a natureza; sua ética está diretamente relacionada com sua forma de produzir. O modo de produção do homem depende da natureza posta e dos meios de vida a reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado apenas no sentido físico de reprodução do homem: a atividade (trabalho) do homem é a expressão de sua vida. Dessa forma, os homens são aquilo que eles produzem e como produzem. O que os homens são depende diretamente das suas condições de produção (Cf. MARX e ENGELS, 2007, 86-7).

Cada nova força produtiva criada tem como consequência uma nova constituição da divisão do trabalho. As diferentes formas de trabalho determinam as relações entre os indivíduos no que diz respeito ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho: “O fato é, portanto, o seguinte: indivíduos determinados em determinadas relações de produção, que são ativos na produção de determinada maneira, contraem entre si estas relações sociais e políticas determinadas. [...] A estrutura social e o Estado provêm constantemente do processo de vida de indivíduos determinados [...]” (MARX e ENGELS, 2007, p. 93).

Os indivíduos não são como eles se representam ou se idealizam, são na verdade “tal como atuam, como produzem materialmente e, portanto, tal como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de seu arbítrio (MARX e ENGELS, 2007, p. 93). A produção humana de ideias, costumes, políticas, está intrinsecamente relacionada com “a atividade material e com intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real” (MARX e ENGELS, 2007, p. 93). Segundo Marx, a vida espiritual do homem, tal como o pensar, é reflexo de sua vida material.

[...] O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias e assim por diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde, até chegar às suas formações mais desenvolvidas. A consciência [Bewusstsein] não pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente [bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo de vida real (MARX e ENGELS, 2007, 93-4).

O ser de consciência é o ser trabalhador, que age no mundo, e nunca o ser ideológico, que para o autor está de cabeça para baixo, pois é analisado não pela sua história, mas por aquilo que deveria ser - partindo do espiritual para enfim chegar ao material ou “real”. Na concepção materialista histórica, não se parte do que o homem imagina de si, do que diz ser, do que representa, do que é narrado dele, mas do que de fato produz materialmente, do homem ativo. Como reflexo de suas atividades materiais, surgem os “ecos ideológicos” desse processo de vida: a moral, a religião, a metafísica.

Para Marx, não é a consciência que transforma a vida e sim a vida que transforma a consciência: “O sistema de produção dos meios materiais de existência condiciona todo o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina sua existência, porém, pelo contrário, é a sua existência social que lhes determina a consciência” (FROMM, 1964, p. 197). Ele ainda afirma que: “Não têm história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção e o seu intercâmbio materiais, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar” (FROMM, 1964, p. 94). Essa conclusão tem como premissa o desenvolvimento real do homem - real no sentido de que seja empiricamente percebível em certas condições -, ou seja, a atividade do homem - sua produção, que não é determinada (única) porque muda de acordo com suas condições de produção e do estágio em que se encontra a natureza. O homem é o que ele produz, o conhecimento real é o que pode ser analisado em um processo histórico e não algo ideal. Ele modifica as circunstâncias em que está posto. Uma modificação em sincronia com a modificação da prática humana “só pode ser apreendida e racionalmente entendida como prática

revolucionária” (MARX e ENGELS, 2007, p. 538).

Quando não há a possibilidade de especulação a priori, tem-se início uma ciência real e contributiva que vai ter como base o desenvolvimento prático do homem. Então, para começarmos a entender a ética, temos de colher exemplos históricos da

realidade humana de produção material e utilizar o materialismo histórico - não ideologias desligadas ou invertidas - como instrumento para entendê-la. A formação ética de certo período, portanto, é produto de seus modos de produção.