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MODUS PONENDO TOLLENS E PROPOSIÇÕES DISJUNTIVAS

No documento Relevância e conciliação de metas (páginas 59-63)

3 EXPLORANDO ALTERNATIVAS DEDUTIVAS

3.3 MODUS PONENDO TOLLENS E PROPOSIÇÕES DISJUNTIVAS

Em vez de utilizarmos a regra modus ponendo tollens, poderíamos utilizar a regra

modus tollendo ponens, fazendo uso de uma disjunção inclusiva P∨Q ou mesmo de uma disjunção exclusiva PvQ. Uma regra modus tollendo ponens consiste em propor uma disjunção que é seguida da negação de uma das disjuntas. Dadas essas premissas, conclui-se pela afirmação da disjunta remanescente. A relembrar do capítulo dois:

Modus tollendo ponens – P ou Q27

(2a) P∨Q Carlos pegará o ônibus ou Carlos pegará o táxi. (2b) ¬P Carlos não pegou o ônibus.

(2c) Q Carlos pegou o táxi.

(2a) P∨Q Carlos pegará o ônibus ou Carlos pegará o táxi. (2d) ¬Q Carlos não pegou o táxi.

(2e) P Carlos pegou o ônibus.

A primeira opção, a de considerar a disjunção inclusiva, revela-se inadequada ao exemplo de Wilson (2004) por pelo menos dois motivos. Primeiro porque ela modela, por definição, situações em que as duas disjuntas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, o que é materialmente indesejável. Segundo porque o custo de processamento é muito alto. A percepção da vinda do ônibus teria de ser modelada como a negação de sua perda (P;

¬(¬P→¬Q)), para depois ser possível concluir com certeza que se pode ir à conferência (P→Q; Q). A percepção da perda do ônibus, por sua vez, teria de ser modelada pela negação da possibilidade de se tomar o ônibus, (¬P; ¬(P→Q)), para então poder-se concluir com certeza que não se pode ir à conferência (P→¬Q; ¬Q), uma tautologia imensa, porque basta observar a saída do ônibus para concluir isso.

A segunda opção, a de considerar a disjunção exclusiva, embora não redunde no efeito indesejável de considerar simultaneamente as duas opções como verdadeiras, mantém o efeito indesejável de tomar a percepção da chegada do ônibus como a negação de sua partida para, em seguida, garantir a conclusão de que se pode pegar o ônibus – e vice-versa.

Em resumo, o que parece estranho quando se aplica a regra modus tollendo

ponens é o fato de tomar uma afirmação como a negação da sua negação, e uma negação como a negação de sua afirmação. É muito mais razoável operar com a afirmação ou a negação diretamente e, conforme a teoria da relevância, um estímulo torna-se mais relevante na medida em que gera menos custo de processamento. Seria o caso então de aplicar a regra

modus ponendo tollens em uma formulação disjuntiva?

No caso de modelar o exemplo de Wilson (2004) com uma disjunção inclusiva, essa solução redunda em falácia (P∨Q; P; *¬Q; ou P∨Q; Q; *¬P). Numa disjunção inclusiva, a afirmação de uma disjunta não implica a negação da outra, pois como já dissemos, ambas as disjuntas podem ser verdadeiras nesse caso.

Todavia, no caso de modelar o exemplo de Wilson (2004) com uma disjunção exclusiva (PvQ; P; ¬Q; ou PvQ; Q; ¬P), o modelo é aceitável e não redunda nos defeitos apontados para a regra de modus tollendo ponens. Possivelmente é por esse motivo que as pessoas vulgarmente seguem essa modelação quando dizem coisas como “ou isso, ou aquilo”. Vale lembrar que se o modus ponendo tollens é falacioso quando se considera uma disjunção inclusiva, ele pode ser considerado logicamente válido quando uma disjunção é exclusiva. Conforme Heimbeck (1969), isso é mais evidente quando a disjunção representa afirmações incompatíveis, ou seja, quando a expressão “P ou Q” significa algo como “P é contrário de Q” ou “P contradiz Q”. Segundo ele, disjunções dessa espécie são exclusivas por definição, e o modus ponendo tollens é válido nesses contextos. O autor completa:

Consequently, when an empirical statement is incompatible with a G-statement, we are bound to deny the G-statement if there are solid grounds for asserting the empirical statement. The difference between incompatibility and inclusive disjunction must be kept in mind by anyone tempted to regard modus ponendo tollens as fallacious under all conditions. (HEIMBECK, 1969, p. 167)

Considerando esse cenário, segue uma modelação na qual transformamos a segunda proposição em disjuntiva exclusiva e utilizamos a regra modus ponendo tollens. Ou seja, além da proposição (1), lançaríamos ambas alternativas na proposição (2): “Se eu pegar o ônibus, eu participarei da conferência” P→Q ou (v) “Se eu não pegar o ônibus, eu perderei a conferência” ¬P→¬Q.

Vejamos a formalização:

(1) P provável contexto (2) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

Observemos o efeito dessa solução na versão em que a Ana avista o ônibus ou processa o enunciado de Bruna de que o ônibus está chegando:

(1) P provável contexto (2) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

(3a) P certa fortalece (1) +1

(4a) ¬P→¬Q elimina por modus ponendo tollens de (2) e (3a) +1 (5a) P→Q certa por modus ponendo tollens de (2) e (3a) +1 (6a) Q certa por modus ponens de (3a) e (5a) +1

Nesse caso, a afirmação de P “Eu pegarei o ônibus” elimina a alternativa negativa “Se eu não pegar o ônibus, eu perderei a conferência”, uma vez que, numa fórmula disjuntiva exclusiva com alternativas contrárias, a afirmação de uma das disjuntas implica a negação da outra disjunta.

Analisemos, agora, como ficaria essa versão no caso de Ana não pegar o ônibus, seja porque ela avistou sua saída ou seja porque processou o enunciado de Bruna de que o ônibus já havia passado.

(1) P provável contexto (2) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

(3b) ¬P certa elimina (1) +1

(4b) P→Q elimina por modus ponendo tollens de (2) e (3b) +1 (5b) ¬P→¬Q certa por modus ponendo tollens de (2) e (3b) +1 (6b) ¬Q certa por modus ponens de (3b) e (5b) +1

Nesse caso, ¬P implica a negação e a eliminação das suposições (1) P “Eu provavelmente pegarei o ônibus” e (2) P→Q “Se eu pegar o ônibus, eu participarei da conferência”. Além disso, implica a afirmação de (3) ¬P→¬Q “Se eu não pegar o ônibus, eu

perderei a conferência” e a conclusão de que não se irá à conferência ¬Q. Ou seja, a premissa afirma uma das alternativas (¬P→¬Q) e nega a outra (P→Q).

Também nesse caso é possível questionar se há necessidade de manter a suposição (1), a saber: “Eu provavelmente pegarei o ônibus”. Ao apresentar as suposições (2) e (3) como disjuntas, defendemos que a suposição (1) pode ser dispensada sem prejuízo no cenário proposto por Wilson (2004), uma vez que a disjunção implica probabilidade de opções.

Vejamos a formalização:

(1) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

Observemos o efeito dessa solução na versão em que Ana avista o ônibus ou processa o enunciado de Bruna de que o ônibus está chegando ao ponto:

(1) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

(2a) P certa contexto (1) +1

(3a) ¬P→¬Q elimina por modus ponendo tollens de (1) e (2a) +1 (4a) P→Q certa por modus ponendo tollens de (1) e (2a) +1 (5a) Q certa por modus ponens de (2a) e (4a) +1

Analisemos, agora, como ficaria essa versão no caso em que Ana percebe a partida do ônibus ou processa o enunciado de Bruna de que o ônibus já havia passado:

(1) (P→Q)v(¬P→¬Q) provável contexto

(2b) ¬P certa elimina (1) +1

(3b) P→Q elimina por modus ponendo tollens de (1) e (2b) +1 (4b) ¬P→¬Q certa por modus ponendo tollens de (1) e (2b) +1 (5b) ¬Q certa por modus ponens de (2b) e (4b) +1

Como podemos observar, a aplicação da regra modus ponendo tollens num contexto formado por proposições disjuntas exclusivas contrárias parece evitar a falácia da negação do antecedente, diminuir a quantidade de proposições e eliminar as pendências das suposições contrárias no mecanismo dedutivo. Contudo, além de ser uma solução menos que canônica, essa alternativa ainda requer alto custo de processamento inicial por incluir uma suposição complexa, cujo desenvolvimento inclui a eliminação de uma das disjuntas. Com base no princípio da Navalha de Ockham, segundo o qual diante de duas alternativas que explicam igualmente determinado evento, a mais simples é a correta, é possível encontrar alguma modelação que descreva e que explique o caso ainda com menor custo inicial? Defendemos que sim e exploraremos a possibilidade de uma modelação bicondicional.

No documento Relevância e conciliação de metas (páginas 59-63)