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Monsenhor Celso Cicco e os primeiros anos da paróquia de Ceará –

CAPÍTULO 1 – A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO CATÓLICA PARA A

1.1 Monsenhor Celso Cicco e os primeiros anos da paróquia de Ceará –

Monsenhor Celso Cicco chega a Ceará – Mirim em 1931. Se tornaria responsável pela Paróquia de Nossa Senhora da Conceição pelos próximos 25 anos. Durante este período foi auxiliado por outros sete padres que se revezaram no cumprimento das tarefas da igreja, em especial, no desenvolvimento de atividades sacerdotais nas comunidades circunvizinhas. Nesta época a principal atividade econômica do município – a agricultura - entrou em acentuado declínio. A cidade iniciou um modesto processo de modernização, o comércio se intensificou e a chegada do rádio e do cinema mudo (ainda que tardios) operaram transformações significativas na sociedade local16. As famílias tradicionais (baseadas na monocultura açucareira) passam a dividir o prestígio e o poder local com a classe dos comerciantes, o que pode ser verificado em alguns episódios apresentados pelos entrevistados. Um destes episódios trata da realização da festa de inauguração da Igreja Matriz, quando esta ainda não possuía bancos ou assentos. As famílias tradicionais compraram seus próprios bancos e colocaram–nos na parte central da Igreja de onde podiam, confortavelmente, assistir as missas e demais eventos litúrgicos; os mais pobres se colocavam de pé nas laterais da Igreja, no espaço reservado aos corredores de onde, muitas vezes, nem se podia ver o altar ou o padre. Muitos acreditavam ser esta uma situação comum, pois acreditavam que “se nós num tinha condição de ter uma roupa boa pra ficar lá no meio, era melhor

ficar escondidinho mesmo né? Pelo meno não faz vergonha.” (Chico, 78 anos)

Na década de 1940 ocorre uma inversão nesta disposição das classes no espaço da matriz; as famílias da elite econômica local transferem seus bancos para as naves laterais ao altar, por apresentar melhor ventilação e melhor sonoridade, ______________________________________

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Padre colado é a designação dada aos clérigos que, após completarem um período de 20 anos em uma mesma paróquia e contarem com idade superior a 60 anos não poderiam mais ser transferidos, permanecendo na cidade até sua morte (AZEVEDO, 2007).

16. Sobre o processo de modernização em Ceará – Mirim ver Helicarla Morais em, Três rios dentro de

uma vez que não havia sistemas de som no período. Essas modificações no arranjo e disposição dos fiéis na igreja eram acolhidas pelo Monsenhor Celso Cicco como gesto de retribuição e gratidão as inúmeras doações que aquelas famílias haviam feito para a construção e manutenção da matriz e das obras assistenciais. Em grande medida, a Igreja sobrevivia dessas doações, estando muito vinculada a satisfação dos desejos e anseios dos grupos oligárquicos (QUEIROZ, 2007; AZEVEDO, 2007).

“Naquele tempo as famílias do pessoal mais rico mandaram fazer os bancos, com o sobrenome da família gravado no próprio banco para que ninguém se atrevesse a sentar. Alguns bancos mais ricamente decorados tinham até correntes e cadeados. Mesmo que o dono do banco não tivesse presente, ninguém sentava”. (Josefa, 87 anos).

Ainda segundo entrevista feita com o Sra. Josefa, apesar dessa “divisão” entre as camadas da sociedade ceará-mirinense ser tão evidente dentro da Igreja Matriz, Monsenhor Celso Cicco sabia caminhar entre os fiéis sem que os mais carentes se sentissem desprezados. Tinha um tom conciliatório e um carisma pessoal que fazem todas as referências feitas a seu nome sobressaírem suas virtudes e bondades. Tal postura dos entrevistados perdurou durante a realização da pesquisa, o que demonstra a presença positiva que Monsenhor Celso construiu e solidificou no imaginário da população. Em muitos casos as pessoas iam a casa paroquial com diversos tipos de bichos, frutas e verduras para presenteá-lo. Comparavam-no com Padre Cícero em muitos aspectos. “Monsenhor Celso era tão tranquilo, tão risonho, tão gordinho que fazia gosto. Dava uma paz na gente ouvir ele falar. Ganhava tanto presente do pessoal dos interior.” (Dora, 96 anos).

Da mesma forma cortês com a qual recebia os representantes da elite local, também recebia aos pobres na casa paroquial. Fazia-se presente em eventos solenes e políticos, mas segundo os dados coletados, era avesso ao mundo propriamente político; não discutia estes assuntos durante as liturgias e não se negava a receber os candidatos para serem abençoados ou para conselhos e orientações acerca de suas condutas, independente de seus partidos. Segundo as entrevistas colhidas, costumava dizer que a religião independia da escolha política,

não admitindo apenas que, qualquer que fosse o partido ou o candidato, este não fosse católico.

“Monsenhor Celso era muito querido do povo todo. Adorava comer uma boa galinha caipira nas casas do pessoal do interior. Tinha gente que vinha fazer a feira do domingo, chegava naquelas “rural”, como costumava chamar, e só voltavam prá casa pela tarde. Aí as senhoras, as moças se apertavam prá ir ao banheiro, pois Monsenhor Celso nunca negou água, banheiro e nem comida a esse pessoal. (...) Não sei dizer de Monsenhor da política não. Ele não subia em palanque e nem fazia campanha na Igreja, mas pedia pra gente escolher candidatos que fossem tementes a Deus, né.” (Josefa, 87 anos).

Segundo consta no livro “História da Freguesia de Ceará – Mirim”, do escritor e advogado Guilherme Luiz Barbosa de Queiroz (2007), a Arquidiocese de Natal e a própria administração paroquial de Ceará – Mirim, tinham na matriz de Nossa Senhora da Conceição uma das mais ricas e de maior patrimônio do estado, ao lado de cidades como Mossoró, Santa Cruz e Caicó. O acúmulo dos bens materiais da paróquia eram catalogados e arrolados aos demais documentos paroquiais, com suas doações sendo informadas a cada dois anos.

A formação do patrimônio da Igreja Matriz tem início em 1851, com doação de terras no sítio Iandu, feitas por D. Maria Bezerra Cavalcanti Rocha e Josefa Maria Cavalcante Rocha. Entretanto o patrimônio tornou-se muito maior com o passar dos anos. Após a saída do Monsenhor Celso Cicco e a chegada de Padre17 Rui Miranda, os documentos dessas doações se perderam pelo mau acondicionamento, restando como provas apenas os apontamentos presentes nos arquivos da Arquidiocese de Natal, ao qual o acesso não foi possível. Como argumento utilizado para explicar à negativa, foi informado que se tratava de documentos muito antigos e em estado precário de conservação estando, portanto, inviabilizado para uso. Como fontes secundárias, no entanto, temos as informações citadas no livro de Queiroz (2007, p.18 – 23):

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17.De maneira geral, durante a maior parte deste trabalho nos referimos ao objeto central da pesquisa

pela denominação de Monsenhor. No entanto, nestes momentos iniciais também se refere a ele simplesmente como Padre, comportamento que não julgou-se capaz de comprometer o entendimento do leitor.

“O patrimônio da matriz iniciou em 1851 com um terreno na cidade, com edificações particulares, por doação do Barão de Ceará – Mirim. D. Josefa Cavalcanti Rocha doou o batistério e D. Vitória Duarte Ribeiro a rica pia de mármore cor rosa.(...) Antônio Bento Viana, senhor do Carnaubal completou em doação de terras constituindo o patrimônio da atual cidade. Posteriormente esse patrimônio foi aumentado com doações de terras por Euquério Peres e sua mulher- Francisca Maria de Paula Dantas Cavalcanti, João Batista de Souza Cavalcanti e João Batista de Souza Menino. Já em 1891 doaram terras a paróquia o Coronel Miguel Ribeiro Dantas, (senhor do Engenho Diamante doou uma propriedade agrícola no lugar denominado Veados) e Manoel Varela do Nascimento (que doou uma casa residencial na cidade).”

Acrescido a esse patrimônio, somava–se ainda dez capelas em diferentes distritos e inúmeras pequenas residências no município de Ceará Mirim, dos quais não foi possível ter o número exato, resultante da venda de vários imóveis com o decorrer dos anos. Em cidades interioranas é bastante comum as vendas feitas por escrituras particulares, sem publicidade, o que dificulta a obtenção de registros mais seguros e exatos sobre as doações e vendas possivelmente realizadas. Grande parte do patrimônio ficou quase inalterado até meados da década de 1960 quando os apontamentos sobre o patrimônio da matriz ficam a cargo do primeiro administrador geral, que vem a ser o Padre Rui Miranda. Estes apontamentos, a partir de sua chegada, constam dos arquivos da paróquia, mas não nos foi dada autorização para ter acesso a eles, uma vez que atualmente as finanças e o patrimônio da Igreja Matriz de Ceará – Mirim se encontram em revisão. Por hora, tratamos de apresentar as circunstâncias da chegada do Padre Rui Miranda à paróquia de Ceará – Mirim onde ficaria a maior parte de sua vida religiosa. Os dados a seguir apresentam desde seu nascimento e suas principais realizações até sua chegada ao município em 1956.