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Moradia e repressão policial

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CAPÍTULO 3: REDEMOCRATIZAÇÃO E EXPECTATIVA: ARTICULAÇÃO E

3.1.1 Moradia e repressão policial

Os moradores de Brasília Teimosa corriam o risco de serem expulsos das áreas em que moravam por conta também da especulação imobiliária, já que a área era valorizada por ser beira mar; por isso, boa parte dos moradores trabalhava com a pesca e coleta de mariscos. O jornal do Conselho de Moradores de Brasília Teimosa, A Voz de Brasília Teimosa, do mês de dezembro de 1981, fez entrevistas com moradores da beira mar sobre a proposta de retirar as famílias de lá para colocá-las em outro terreno, próximo ao aeroclube. Os moradores estavam contra a mudança, já que o novo terreno ficava distante da praia e as famílias trabalhavam exclusivamente com a pesca, “Não queremos sair porque vivemos da pescaria, (...) e enquanto nossos maridos estão em alto mar, nós estamos quebrando galho, pescando até com pedaço de lâmpada florescente, peixinhos pequenos, porque se não, vamos morrer de fome”339. Outras queixas era que as pessoas já estavam há anos na comunidade, com a família inteira morando no bairro; além dos laços de amizade entre os vizinhos, o bairro, graças ao trabalho do Conselho de Moradores, já possuía escola e posto de saúde, e no novo terreno ainda não havia estrutura e serviços públicos340. Essa questão nos mostra que, durante anos, os governantes apenas se preocuparam em esconder a pobreza, tirando-a de um lugar e levando para outro, como ocorria ainda nos tempos de Agamenon, sem de fato resolver o problema das famílias, que era o subemprego e a renda baixa.

Outra notícia que nos chamou a atenção foi divulgada pelo Diário de Pernambuco, no dia 27 de janeiro de 1982. O jornal trazia uma reportagem sobre a perseguição policial e a prisão de uma moradora do bairro de Brasília Teimosa, Lindacy Rodrigues de Freitas, quando policiais da Secretária de Segurança Pública – SSP entraram na sua casa e a tiraram do banheiro, enquanto tomava banho, e a ameaçaram com uma faca. No dia seguinte, cerca de 9 policiais invadiram a associação dos moradores e prenderam Lindacy, inquilina de uma das casas que passou a fazer parte do projeto Teimosinhos; esse projeto dava a posse da casa aos inquilinos. O presidente da associação de moradores do bairro contou que os policiais

339 Depoimento de uma moradora do bairro de Brasília Teimosa. Beira Mar. A Voz de Brasília Teimosa. Dezembro/1981. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro: http://www.cpvsp.org.br

passaram a rondar a área após a aprovação da legalização das casas que os moradores da comunidade habitavam, desagradando a muitos proprietários que possuíam imóveis naquele local; por isso os policiais estariam agindo para defender os interesses desses proprietários341. Esse ocorrido revela que muitos policiais agiam fora da lei para defender interesses particulares, provavelmente eram contratados por pessoas poderosas para reprimir iniciativas populares.

Outra ação semelhante, de intimidação aos moradores, foi noticiada pelo Diário de

Pernambuco no dia 10 de junho de 1983. Ocorreu na favela ‘Beira Mangue’, localizada do

bairro de Rio Doce, município de Olinda que faz parte da região metropolitana do Recife. Sob o comando do tenente reformado da Polícia Militar de Pernambuco, Edvaldo França, mais conhecido como Tenente França, a mando do Sr. Roberto de Souza Leão Filho. A ação destruiu seis casebres que formavam a favela, os moradores sofreram ameaças, agressões e humilhações. Toda a ação contou com a participação do Tenente França e mais quinze homens do DOPS, também constava uma viatura do DOPS e outras cinco da Polícia Militar. Fortemente armados, os policiais, por volta das nove horas da manhã, chegaram na favela, após agredir o primeiro morador que chegou para reclamar da ação, deram início a derrubada das casas, sem ouvir os moradores, estes prontamente procuraram os advogados da favela e a delegacia do Rio Doce.

O delegado procurado informou que o caso estava sob o comando do DOPS e que nada poderia fazer. Os moradores, juntos com seus advogados, foram até o DOPS denunciar o caso; foram recebidos pelo diretor do órgão, Marcio Ferraz, quem afirmou ter sido procurado pelo Sr. Roberto de Souza Leão Filho, que teria solicitado proteção para derrubar os casebres que estariam sendo construídos. Entretanto os advogados e os moradores estavam com um documento da prefeitura que lhes davam posse sobre o terreno, até pelo fato das casas serem antigas, e não recentes, como afirmou a polícia. Segundo os moradores, o Tenente França já vinha agindo na comunidade, agredindo os moradores e os ameaçando, tudo para que eles se retirassem do terreno. Na delegacia do Rio Doce já haviam queixas dos moradores contra as ações violentas da polícia, principalmente do Tenente França342.

Esse caso nos mostra que, em plena redemocratização, o DOPS continuava agindo não apenas na vigilância, mas também na repressão. Seus membros ainda praticavam a violência

341 “Agentes da SSP invadem associação de moradores”. Diário de Pernambuco. Recife, 27 de janeiro de 1982. Conselho de moradores de Brasília Teimosa. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário nº. 30.411.

342 “Favela é arrasada com aparato bélico”. Diário de Pernambuco. Recife, 10 de junho de 1983. Federação das Associações dos Núcleos de COHAB e Similares em Pernambuco. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário nº. 27.754.

dos anos de chumbo, principalmente contra aqueles que ameaçavam a “ordem” que eles queriam; os mais pobres eram suas maiores vítimas, enquanto atendiam os interesses dos que detinham o poder financeiro. No jogo entre fortes e fracos, os mais pobres resistiam e utilizavam as armas que tinham, como os advogados e a mídia, que, no período, mostrava-se favorável à redemocratização e contrária à ditadura. Porém ainda não podiam contar com o apoio da polícia, que se abstinha de ajudá-los, como fez o delegado de Rio Doce, que procurou ficar quieto, pois não queria choque com o DOPS. Essa situação mostra como o DOPS ainda estava ativo e temido, assim como a ditadura – era 1983, mas não era muito diferente da década de 1970.

A questão da moradia sempre foi um dos maiores problemas da cidade do Recife desde o período Agamenon, que criou a Liga Social Contra o Mocambo, na tentativa de erradicar o mocambo e fornecer uma moradia mais segura e confortável para o operariado; porém, como vimos, a maior parte da população não foi beneficiada pelo programa. Outros projetos governamentais foram postos em prática na tentativa de diminuir o déficit de habitação. Durante o governo de Marco Maciel (1979-1982) como governador biônico, foi expandido o programa habitacional promovido pela Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco – COHAB. Segundo dados do jornal Habitação343, de abril de 1981, Pernambuco atingia a marca de Estado com o maior número de casas populares construídas do Brasil com a construção de 96.835344 unidades habitacionais em todo Estado. Os números foram fornecidos pelo Banco Nacional de Habitação e constava Pernambuco à frente de São Paulo e Rio de Janeiro, em termos de construção de habitações populares. Também foi na gestão de Marco Maciel que as terras do bairro de Casa Amarela foram legalizadas e seus moradores puderam tomar posse definitivamente do terreno.

Porém, apesar dos avanços no setor da moradia, ainda se tinha muito por fazer. Os moradores que conseguiram a posse dos terrenos permaneciam convivendo com a falta de infraestrutura nos bairros; problemas sociais persistiam, como o desemprego e a baixa remuneração dos trabalhadores pobres; os conflitos agrários continuavam e cada vez mais pessoas chegavam da zona da mata do Estado para a capital; os danos provocados pelas secas não eram combatidos, o que engrossava ainda mais a massa de sertanejos para o litoral. Por isso, os populares continuavam organizando associações de bairro e de moradores; essa foi a

343 Jornal produzido pela COHAB para divulgação das ações realizadas pelo órgão. Impresso pela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE.

344 “Pernambuco é primeiro lugar em construção de habitações populares”. Habitação. Recife, abril de 1981, Nº 6. APEJE.

forma encontrada para a realização das reivindicações aos órgãos público, também significou um caminho para a cidadania.

3.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

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