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Capítulo V – Significando as experiências vividas pelas mulheres no

1. As experiências vividas antes e durante a moradia na Favela Três Marias

1.3. Morando na Favela Três Marias: construindo raízes

As quatro mulheres relatam que quando moravam na Favela Três Marias, suas casas foram atingidas por enchentes, mas para cada uma, em diferente nível de gravidade. No caso de dona Nair e dona Lourdes, parte da casa chegou a desabar.

Dados da pesquisa FIPE (1993) apontam que 85% das casas localizadas nas favelas à beira do córrego Franquinho nunca sofreram ocorrência de enchente, e 12%

sofreram enchente de uma a cinco vezes. No caso das mulheres, sujeitos da pesquisa, representam a minoria (12%) que sofreram com enchente de uma a cinco vezes.

Examinando a natureza do problema da enchente e desabamento relatado pelas mulheres, observamos que estão diretamente relacionados às precárias condições de vida dos pobres no universo urbano. Nossa abordagem, ao falar do surgimento e localização das favelas, incluiu as estratégias de sobrevivência da população pauperizada que ocupa, por falta de alternativa, as sobras dos espaços “deixados” pelos loteadores, normalmente os piores locais dos terrenos, como por exemplo, as margens de córregos e locais sujeitos a enchentes.

Muitos bairros regulares também sofrem com enchentes na cidade de São Paulo. Casas são invadidas pelas águas ou no trânsito pessoas são atingidas. Mas os transtornos vividos por essas mulheres e suas famílias na Favela Três Marias não são apenas episódios isolados que se repetem durante as chuvas de verão. Provoca na vida das pessoas que as vivenciam uma alteração de itinerários, perda de vínculos, produzem buscas e estratégias de sobrevivência.

No caso de dona Nair, por exemplo, devido a situação de risco pelo desabamento da casa onde morava, foi atendida pela Prefeitura e passou pelo constrangimento de ter que aceitar o atendimento mesmo sem saber para onde a levariam.

A família em situação de risco, pobre, ocupando irregularmente uma área pública, recebeu, no caso de dona Nair, um atendimento indigno por parte do Poder Público. Nesse sentido, Chauí (1994) nos leva á refletir sobre a sociedade brasileira enquanto uma sociedade autoritária. “É uma sociedade na qual as diferenças e assimetrias sociais e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades, e estas, em relações de hierarquia, mando e obediência (situação que vai da família ao estado, atravessa as instituições públicas e privadas, permeia a cultura e as relações interpessoais).” (p. 54).

No entanto, dona Nair não permanece passiva á intervenção da Prefeitura. Reagiu e mudou novamente sua trajetória de vida, conforme lhe convinha, primeiro trocando com um vizinho a casa onde a Prefeitura a colocou e depois vendendo onde

morava e retornando à Favela Três Marias, onde tinha vínculos sociais, mas desta vez em uma casa mais segura.

Dona Nair não rejeitou a moradia imposta pela Prefeitura, porém conforme seus valores e suas necessidades retornou para a Favela Três Marias, numa atitude de resistência. Este fato nos remete ao que Marilena Chauí (1994) aborda em relação à cultura popular brasileira. A autora enfatiza a dimensão cultural popular como mescla de conformismo e resistência. Aceitação da disciplina ou legalidade vigente ou imposta e ao mesmo tempo a resistência contra ela.

Observamos a partir dos relatos que existe um enraizamento das mulheres ao local de moradia, que se dá em três dimensões: pela origem de nascimento – cidade de São Paulo; pela região de fixação – zona leste; pelo local onde criam vínculos sociais e laços afetivos, o ‘pedaço’, a favela ‘escolhida’ para morar.

O enraizamento à cidade influi nas opções de moradia das mulheres. Observando o fato com foco no objeto da pesquisa, constatamos que para elas, a escolha de uma determinada favela para moradia não tem relação com possíveis vínculos à pessoas conhecidas que vieram de outro Estado da Federação, mas tem sim com a existência de parentes e conhecidos. A decisão de vender o apartamento e sair do conjunto habitacional também não teve relação com o desejo de retorno à cidade de origem.

Notamos que na trajetória de vida das mulheres, e especialmente no período por nós estudado, elas permanecem na mesma região da cidade, exceto dona Neuza que morou também na Zona Norte. Em sua trajetória, seus vínculos sociais de trabalho, amizade, parentesco, mantém-se na região.

Como visto no Capítulo III, a pesquisa FIPE (1993) analisou o nível de enraizamento da população moradora de favelas à beira dos córregos canalizados pelo PROCAV II. Os dados apontam que no córrego Franquinho, onde se localiza a Favela Três Marias, o tempo médio de permanência era de 6 anos. Famílias com 21 anos, ou mais, de tempo de residência foram encontradas no local. 93% dos moradores das favelas contíguas ao córrego Franquinho consideravam-se proprietários de suas casas, 51,5% das casas eram de alvenaria e 66,7% disseram que não venderiam suas casas.

Outro aspecto que favoreceu o enraizamento das famílias à Favela Três Marias é que esta assim como as outras favelas contíguas ao córrego Franquinho, tinha no entorno equipamentos e serviços próximos. Escolas de primeiro grau, escolas de ensino infantil, postos de saúde, bem com serviços de abastecimento e comunicação, como feira livre, telefone, e correio.

Assim sendo, observamos que a Favela Três Marias, era uma favela consolidada, por ser uma ocupação antiga, cujos moradores se consideravam donos de suas casas e onde as demandas por equipamentos e serviços públicos estavam, em relação à proximidade, atendidas.

Segundo Baltrusis (2000) nas favelas paulistanas, mais de 60% dos chefes de família residem na mesma favela há mais de 5 anos e 35% residem há mais de 10 anos. Esse fato aponta para uma tendência à fixação ou enraizamento residencial dos moradores de favelas.

Para este autor, tal tendência à imobilidade acontece por vários fatores: Pelo fator econômico, que consiste na economia que a família realiza, por possuir uma residência própria; pelo fator social, que consiste na segurança proporcionada pelos elos de parentesco e amizade com a vizinhança; e pelo fator físico, que consiste nas melhorias de habitação e da própria favela.

O fator social, enquanto um dos fatores que, explicam a tendência à imobilidade na favela, que denominamos nesta pesquisa de enraizamento, aparece nas falas das mulheres, principalmente na fala repleta de sentimentos de saudades de dona Lourdes que permaneceu mais de vinte anos na Favela Três Marias. Nesse sentido, a tendência observada a partir das experiências das mulheres, é a de que, quanto maior o tempo de permanência, maior o enraizamento. A vida naquela favela para ela é a referência de uma época em que era feliz.

Dona Lourdes chora de saudades da Favela Três Marias, mas este sentimento, como explica no final da entrevista, também inclui o filho, que morreu atropelado com 13 anos de idade quando morava no Conjunto Habitacional Garagem, inclui a época em que tinha saúde e que tinha muitos amigos no local onde morava.

A partir do choro de saudade e da fala de dona Lourdes, percebemos que a relação afetiva com o lugar tem total relação com o sentimento de felicidade vivido, com os vínculos sócio-afetivos formados, com um determinado modo de ser, estar e viver em família, vizinhos e amigos a contextura cotidiana.