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A morfologia do português brasileiro: um enfoque sobre a classe dos verbos

No documento Estudos sobre aquisição da linguagem escrita (páginas 141-145)

A linguagem, de acordo com Martinet (1960), está dividida em duas articulações: a primeira articulação corresponde à morfologia e a segunda articulação à fonologia. São unidades de primeira articulação, ou unidades morfológicas, por exemplo, cada elemento de uma forma verbal flexionada que tenha valor significativo: a forma ‘falávamos’ pode ser morfologicamente escandida como fal+á+va+mos. Pode-se observar ainda que cada elemento – o que será melhor explicitado adiante – poderá ser dividido em unidades menores, sem significado, as quais se configuram como fonemas, as unidades de segunda articulação: /f/ /a/ /l/ /a/ /v/ /a/ /m/ /o/ /s/. O autor argumenta que a dupla articulação é fator responsável pela economia linguística, e sem ela seria preciso recorrer a morfemas e fonemas diferentes para representar cada nova experiência, pois é ela que permite uma economia de esforços na produção e compreensão da linguagem verbal. O morfema é, então, a unidade

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mínima indivisível da primeira articulação da linguagem, e a morfologia pode ser definida como a área da gramática que estuda as palavras a partir de sua estrutura e formação.

Os morfemas podem ser de dois tipos: lexicais ou gramaticais. Quando lexicais, segundo Camara Jr ([1970]2008), “são o cerne do vocábulo”, isto é, carregam a essência da palavra, seu significado. Quando gramaticais, se unem ao morfema lexical para mudar-lhe a significação ou a classe da palavra. Em ‘caseiro’, por exemplo, temos em cas– o morfema lexical e em –eir(o) o morfema gramatical. Os morfemas gramaticais podem, ainda, ser subdivididos em quatro tipos, a saber: classificatórios, flexionais, derivacionais e relacionais. A este trabalho interessam os morfemas flexionais, mais especificamente os flexionais aditivos, que podem ser definidos como aqueles que alteram os morfemas lexicais, acrescentando-lhes noções de gênero e número, no caso dos nomes, e modo-tempo e número-pessoa, no caso dos verbos.

O diagrama arbóreo proposto por Luft et al. (1991, p. 72), apresentado na Figura 1, ilustra a estrutura morfológica do português.

Figura 1 - Diagrama Arbóreo dos Morfemas da Língua Portuguesa Fonte: Luft et al. (1991, p. 72)

Os morfemas nuclear e periféricos apresentados na Figura 1 correspondem, respectivamente, àqueles morfemas lexicais e gramaticais já citados. Com base no diagrama arbóreo é importante discriminar os seguintes elementos: raiz, afixos, desinências e vogal temática.

 A raiz é a parte irredutível das palavras que carrega a significação lexical. Ela é o elemento comum às palavras de uma mesma classe gramatical.

 Os afixos se anexam à raiz com o propósito de mudar-lhe o sentido, acrescentar-lhe uma ideia secundária ou para mudar a classe gramatical da palavra. Se colocados antes do radical são denominados prefixos, se colocados depois, são denominados sufixos.

 As desinências são os morfemas finais de palavras variáveis, sufixos, portanto. Elas indicam as flexões de gênero e número nos nomes e de modo-tempo e número-pessoa nos verbos.

 As vogais temáticas estão anexadas à raiz para constituir uma base. Elas estão presentes nos nomes e nos verbos. Nesses últimos indicam a conjugação à qual pertencem, se primeira, segunda ou terceira.

Dentro da morfologia, uma classe de palavras se destaca das demais: é ela, segundo Camara Jr. ([1970]2008), a classe dos verbos. Suas flexões, predominantemente regulares, nos indicam noções gramaticais importantes. De acordo com o autor, os verbos são uma classe de palavras rica em possibilidades flexionais e estão distribuídos em três classes mórficas ou conjugações: a primeira apresenta a vogal temática –a, a segunda a vogal temática –e, e a terceira a vogal temática –i. A estrutura do vocábulo verbal descrita por Camara Jr. é composta pelo radical, vogal temática e sufixos flexionais, como mostra a Figura 2.

Figura 2 - Estrutura do Vocábulo Verbal Fonte: Camara Jr. ([1970] 2008, p. 104)

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para a estrutura do vocábulo verbal, T é o tema do verbo, constituído do radical e da vogal temática e SF é o sufixo flexional, constituído do sufixo modo-temporal e número-pessoal. Essa estrutura está presente em todos os verbos portugueses, sendo necessário considerar a possibilidade de alomorfia de cada um dos elementos ou ainda a possibilidade de um deles ou mais serem zero (ø), ou seja, fazerem-se significativos pela sua ausência, em oposição à outra forma em que estão presentes. Por exemplo, o morfema –s de casas, que representa o plural, em oposição ao morfema – ø de casa ø, que representa o singular.

A seguir, serão apresentados exemplos da estrutura do vocábulo verbal em verbos flexionados na terceira pessoa do pretérito perfeito do modo indicativo.

Figura 3 - Estrutura do Vocábulo Verbal Flexionado na Terceira Pessoa do Pretérito

Perfeito do Indicativo

Fonte: Camara Jr. ([1970] 2008, p. 105)

Nos exemplos apresentados na Figura 3, os quais ilustram as palavras analisadas neste estudo, pode-se observar que nos verbos flexionados na terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo o sufixo modo temporal é ø (CAMARA JR, [1970]2008, p. 109). Pode-se considerá-lo ø por estar em oposição a outras formas flexionadas em que tem representação, como nas formas flexionadas na terceira pessoa do plural dos verbos no mesmo tempo e modo, em que o morfema modo- temporal é –ra – , como em ‘comeram’. Em relação à forma ‘cantou’, Camara Jr. assume que a vogal temática –a apresenta uma forma alomórfica –o, como ilustrado no exemplo ‘cantou’.

Camara Jr. ([1970]2008) sintetiza as possibilidades para cada um dos morfemas verbais. Para os verbos flexionados na terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo, segundo ele, espera-se: em verbos de

primeira conjugação, um /a/ tônico como vogal temática, sendo que há a possibilidade de ocorrência de um alomorfe /o/. Em verbos de segunda conjugação, espera-se a marca /e/ tônico e, para verbos de terceira conjugação, a marca /i/ tônico. Em se tratando do sufixo modo-temporal, já se mencionou que ele é sempre ø nessas formas verbais. E, por fim, o sufixo número-pessoal, aquele que, de fato, interessa a este trabalho, é representado por um –u assilábico em todos os verbos regulares a que temos nos referido. É importante ressaltar que todos os verbos conjugados na terceira pessoa do singular, em todos os tempos e modos, apresentam a marca ø para sufixo número-pessoal, exceto aqueles conjugados na terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo.

Na sequência, busca-se apresentar breves considerações sobre consciência morfológica, estabelecendo-se uma relação com as questões de escrita.

No documento Estudos sobre aquisição da linguagem escrita (páginas 141-145)