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Capítulo 2 – A arquitetura da gramática

2.4 Lobato (2010): uma abordagem naturalista e orgânica da Faculdade de Linguagem

2.4.2 Morfologia: um módulo gramatical autônomo

Diferentemente da postura quanto ao Léxico, Lobato (2010) mantém a Morfologia como módulo específico e autônomo. A fim de que a gramática preserve sua natureza

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É importante ressaltar que a proposta de Lobato (2010) distingue, mas não dicotomiza as interpretações lexical e gramatical. Tal fato é evidenciado pela seguinte passagem do trabalho da autora: “[...] o próprio molde para construção de palavras é formado por conceitos que também têm origem na Estrutura Conceptual, de modo que ser gramatical não significa ser desprovido de substância semântica. Ser gramatical significa que foi atualizado na parte do molde que acaba sendo usado para dar a própria forma de palavra” (LOBATO, 2010: 57).

modular, a principal ideia defendida é a de que a teoria gramatical precisa de um lugar propriamente dedicado à construção de palavras. Para sustentar essa consideração, mais uma vez, a presença de objetos e função característicos é tida como imperiosa a sistemas modulares.

Chomsky (1970) confere à Morfologia um papel que não pode ser tomado como inerente a esse módulo. Nessa proposta, existe a vantagem de se supor que diferentes partes da palavra são providas por diferentes módulos, ou seja, cada módulo possui uma contribuição própria à construção das palavras. Assume-se que as estruturas morfológicas são abstratas, isto é, são inicialmente constituídas sem forma fonológica. No entanto, seu maior defeito é considerar como função principal da Morfologia a realização fonológica dos morfemas, tarefa que deveria ser estritamente relacionada ao módulo Fonologia. À Morfologia, cabe a organização dos elementos mórficos.

Em relação a Anderson (1992), a autora observa que, embora este assuma a Morfologia como módulo construtor de palavras, as formalizações sugeridas dessa análise não estão livres de questionamentos. Primeiramente, não lhe parece justificável propor que a Morfologia desempenha sua função por meio de regras, como o faz a teoria Amorfa. Outra objeção ao referido trabalho é feita com base no postulado de traços morfossintáticos, como nominativo, dativo, passado, futuro, para a construção afixal. Lobato argumenta que o que se coloca sob o título de um traço é, na verdade, uma “estrutura de traços”. Por exemplo, para o traço “futuro”, no que se referem às construções perifrásticas (como as do português “ir + infinitivo”), em vez de um único conceito, há a projeção de propriedades lexicais do verbo principal e propriedades gramaticais do auxiliar para expressão desse tempo. Torna-se, assim, difícil operar com alguns conceitos da teoria Amorfa.

A proposta de Lieber (1992) não se atenta à modularidade da linguagem. Como não há uma parte da gramática exclusivamente dedicada à morfologia, o sistema computacional de sua teoria é capaz de formar tanto palavras como sentenças. Não se verifica, consequentemente, a especialização de objetos e função.

Do mesmo modo, a teoria da Morfologia Distribuída tem o problema de seu módulo de construção de palavras não satisfazer os critérios que atestam propriedade modular. Nessa teoria, palavras e sentenças também são, indistintamente, fatos de Sintaxe, o que significa que esse sistema não possui objeto próprio e função precípua. Lobato também estende a crítica

que faz à teoria Amorfa à Morfologia Distribuída no que diz respeito à postulação de traços morfossintáticos.

A partir das observações apontadas acima, Lobato (2010) constata ser necessária a existência de um módulo Morfologia que consiga, por um lado, dar conta da configuração mórfica de uma língua, e, por outro, expressar certas propriedades fonológicas de estruturas morfológicas. Contudo, ressalta não se dever enfatizar o segundo aspecto em detrimento do primeiro devido ao risco de se extrapolarem os domínios da morfologia.

A autora destaca que a categoria gramatical e o acento são propriedades inter- relacionadas inerentes à unidade palavra. Esta pode estar presente ou ausente, no sentido de que todas as palavras de uma língua são ou tônicas ou átonas; aquela, por sua vez, constitui uma característica compulsória: todas as palavras de uma língua pertencem a uma dada categoria.

Generalizações podem ser feitas com base na relação entre acentuação e categorização. Em português, por exemplo, a diferença de acentuação do elemento mórfico vogal temática distingue nomes de verbos. O referido morfema, quando associado a uma base nominal, é sempre átono (bol-a, sin-o, chav-e). Entretanto, pode ser tônico no caso das formações verbais, como claramente revelam algumas flexões (am-á-ssemos, vend-ê-ssemos, part-í-ssemos). Outro fato, comumente observado entre as línguas, aliás, é o de que palavras funcionais são, em geral, átonas (como, por exemplo, os artigos).

Assim, postula-se a existência de um módulo autônomo que seja responsável por lidar com as propriedades relacionadas a estruturas morfológicas. Como esse entendimento tem como motivação a defesa de uma hipótese naturalista sobre a arquitetura da gramática, a Morfologia também deve possuir objeto e função próprios. Primeiramente, o processo de construção de palavras envolve a atribuição mórfica. As diferentes categorias gramaticais adotam configurações morfológicas distintas. De acordo com Lobato (2010), então, a Morfologia tem o papel de organizar os elementos constitutivos das palavras de uma língua.

Além disso, deve-se garantir a uniformidade de seu objeto. A autora observa que “a menor unidade linguística a que o acento se aplica é a palavra” (LOBATO, 2010: 59). Separam-se palavras átonas de palavras tônicas. Apenas essas últimas são constituídas na Morfologia. A Morfologia atribui acento primário às palavras.

“Nessa visão, cabe à Morfologia o papel de construir as palavras estruturalmente, em termos de posições mórficas, de acordo com a categoria gramatical, e essa construção determina as bases para a interpretação prosódica. Essa abordagem satisfaz às duas exigências que estamos atribuindo aos módulos da FL: a Morfologia é um módulo caracterizado por um dado tipo de objeto e por uma dada função – é um módulo que tem a função de construir palavras, e só produz palavras tônicas”.

Isso significa que, no referido modelo, a falta de função precípua da Morfologia é apenas aparente. Ambas as tarefas às quais esse módulo se dedica – organização mórfica e atribuição de acento – são caracteristicamente suas por estarem estritamente conectadas a seu objeto.