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Figura 4: Exemplo de escrita com erro de natureza ortográfica arbitrária produzida por aluno de 2º ano8

Fonte: BATALE (MIRANDA, 2001).

Os erros relacionados à contextualidade são vinculados à não observância de regras contextuais, ou seja, àquelas regras que restringem o uso de determina- das letras ou de determinados sons conforme a posição que ocupam na palavra. Essas regras não são de fácil compreensão, uma vez que exigem que a criança entenda as relações múltiplas existentes entre fonemas e grafemas, considerando que cada letra corresponde a um determinado som e que cada som corresponde a uma determinada letra, dependendo da posição que ocupam dentro da pala- vra (LEMLE, 1987). Dados como a grafia de ‘tera’ para ‘terra’ ou ‘tenpo’ para ‘tempo’ revelam que a criança ainda não construiu o princípios de que, em posi- ção intervocálica, o som do /r/ forte deve ser grafado com ‘rr’, ou que antes de / p/ e /b/ deve usar sempre o /m/ e não o /n/. Na figura 5, podemos observar exemplos de erros na grafia do fonema /s/ e da nasal pós-vocálica:

Figura 5: Exemplo de escrita com erro de natureza ortográfica contextual produzida por aluno de 3º ano9

Fonte: BATALE – Estrato 7 (MIRANDA, 2001).

Nos casos apresentados no excerto da figura 5, dois dos três erros na grafia de /s/ ocorrem em verbos conjugados no modo subjuntivo, motivo pelo qual podemos tratar esses casos como de natureza contextual, já que o sufixo flexional desse tipo de verbo é sempre grafado com o dígrafo ‘ss’.

Como foi possível considerar, os princípios que regem as relações múlti- plas contextuais podem ser inferidos pela análise do contexto gráfico da pala- vra, aspecto que, apesar de exigir um raciocínio mais complexo por parte das

8 Sugestão de Leitura: “[...] ele come peixes [...]”.

9Sugestão de Leitura: “Eu queria que você pudesse inventar uma criatura, que você conseguisse

crianças, deve ser objeto de aprendizagem em sala de aula, uma vez que reduz o uso das estratégias mnemônicas e o custo cognitivo que de seu uso decorre.

Considerações finais

Por meio da descrição e da análise de erros (orto)gráficos extraídos de textos espontâneos de crianças dos anos iniciais, este trabalho evidenciou, indo ao encontro da tradição de pesquisas do GEALE, a pertinência da investiga- ção a respeito das escolhas gráficas das crianças, a fim de que se compreenda o processo pelo qual elas passam na construção do conhecimento sobre a lin- guagem escrita, particularmente no que diz respeito à faceta linguística dessa aprendizagem.

Com base na proposta apresentada para a classificação dos erros segun- do sua natureza, este estudo exploratório evidenciou um predomínio de erros motivados pela fonologia em relação àqueles motivados pela ortografia, ali- nhando-se a resultados obtidos em estudos como os de Miranda (2010, 2013, 2017), que analisam dados mais antigos do BATALE. Esse tipo de resultado indica que as crianças têm no conhecimento internalizado que possuem sobre a língua materna, especialmente àquele referente à fonologia, o principal insu- mo para a etapa inicial de aquisição do sistema de escrita alfabética. Destaca- mos este resultado como um importante subsídio para o planejamento da prá- tica pedagógica nos anos iniciais.

Entendemos, por isso, que a compreensão acerca do processo de aquisi- ção da linguagem escrita deve ser alvo constante de busca por parte das profes- soras do ciclo de alfabetização, uma vez que, conforme pontua Soares (2016, p. 36, grifos da autora e interpolações nossas):

a faceta linguística é o alicerce das duas outras facetas [interativa e sociocul- tural] porque, embora a aprendizagem inicial da língua escrita deva incluir habilidades de compreensão e de produção de texto escrito, e ainda de uso da língua escrita nas práticas sociais que ocorrem em diferentes contextos de sociedades letradas, estas habilidades, que constituem as facetas interati- va e sociocultural, dependem fundamentalmente do reconhecimento (na lei- tura) e da produção (na escrita) corretos e fluentes de palavras.

Sabemos que não se trata de um tema simples, motivo pelo qual tam- bém não pode ser satisfatoriamente contemplado nos cursos de formação ini- cial. Por isso, apontamos para a importância da formação continuada das pro- fessoras, a qual pode promover o aprofundamento de discussões relativas ao processo de aquisição da escrita, e, nesse sentido, destacamos iniciativas como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que contemplou de ma- neira sistemática esse tema tão caro à formação dos professores, e, consequen- temente, aos alunos dos anos iniciais.

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A complexidade silábica na aquisição da escrita: