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Capítulo 5: Comportamento e Pensamento Processamento Dual e a

5.2 Motivos para a conformidade

Tomando como ponto de partida as situações em que o indivíduo delibera ou utiliza mais conscientemente seus recursos mentais para determinar seu comportamento e pensamento, é de suma importância compreender quais motivos levam as pessoas a se conformarem com as instituições vigentes. Os pontos que serão ressaltados aqui se baseiam amplamente nos argumentos de Dequech (2013). Embora esse autor apresente explicações sobre a conformidade dos agentes com as instituições em geral, e não apenas sobre a conformidade com normas e convenções de fairness, sua análise é válida para esse caso em particular, quase sempre sendo possível extrair exemplos específicos de um argumento geral.

Uma primeira motivação é a possibilidade de se coordenar com as outras pessoas, gerando resultados sociais mais positivos do que caso não houvesse uma coordenação. As convenções são um caso particular em que a coordenação é extremamente útil. Por exemplo, obedecer uma fila é um tipo de convenção de justiça que depende que as pessoas se coordenem entre si, gerando um tipo de procedimento organizado e, na maioria das vezes, percebido como justo112. Aliado aos benefícios da coordenação, pode existir a vantagem de retornos crescentes de adoção. Embora esse tipo de vantagem esteja geralmente associado na literatura econômica à utilização crescente de determinado bem ou tecnologia, a adoção crescente de regras de comportamentos (formais ou informais) e pensamentos dentro de um grupo social atua como um mecanismo que se auto reproduz. Também é possível notar uma conexão entre esse mecanismo e a ideia de expectativas autorrealizáveis, sendo que o objeto de adoção pode ser ele mesmo uma expectativa ou um modelo para gerar

112 Alguns podem achar outros procedimentos mais justos em algumas situações específicas (e.g. sorteio, atendimento por prioridade ou necessidade).

expectativas. Isso é, à medida em que se espera que uma opinião ou pensamento ganhe mais apoiadores, mais tende a realmente ganhar apoiadores e se tornar um pensamento médio ou mesmo uma convenção (Dequech, 2013). Dequech (2013) destaca que os retornos crescentes de adoção têm sido associados, ainda que implicitamente, com a noção de interesse próprio e egoísmo estrito. Ele aponta que isso não é sempre assim, visto que o bem-estar do indivíduo pode depender do bem-estar dos outros ou que uma pessoa pode aderir a uma regra coletiva por considerar isso benéfico para a sociedade como um todo. Essa observação de Dequech não só é compatível como, para inúmeras situações, necessária no que diz respeito aos retornos crescentes de adoção de normas ou convenções de fairness, visto que, a menos em casos extremos nos quais o indivíduo seja realmente um egoísta estrito, o bem-estar alheio é levado em consideração pelas pessoas através de suas percepções de justiça. Um exemplo de retorno crescente de adoção de uma norma de fairness pode ser visto no caso de investimento em bens públicos. Geralmente, é possível obter retornos maiores de um investimento (com o mesmo risco) quanto maior for o montante aplicado. Assim, em uma situação em que as pessoas de uma sociedade acham justo contribuir para um bem público, é mais provável que esse bem seja construído com um menor custo ou mais rápido (em uma escala de aumento não linear, ou seja, retornos crescentes) caso todos contribuam com ele. A adoção dessa norma, então, contribui para reforçar sua adoção em situações futuras.

Outro motivo que pode levar um agente a se conformar com uma instituição são as diferenças informacionais. Um indivíduo pode acreditar que outras pessoas têm mais informações do que ele e, portanto, adotar o comportamento ou pensamento dessas pessoas. Experimentos de fairness como os de Bicchieri e Xiao (2009) e Weiss et al. (1999) tentam verificar esse tipo de influência. A percepção de incerteza e a aversão à incerteza também podem influenciar o indivíduo a se conformar com as instituições, dado que a adoção de opções alternativas de comportamento ou pensamento usualmente trazem consigo um maior nível de incerteza, mesmo que prometa um payoff maior (Dequech, 2013).

A legitimidade de uma instituição é um fator importante para a conformidade. De acordo com Dequech (2013), a legitimidade pode ser entendida como uma compatibilidade, socialmente aceita, com certos valores. A legitimidade implica naquilo que é considerado certo e apropriado de acordo com esses valores e que permanece inquestionável ou sobrevive a críticas e dúvidas de legitimidade. Dequech afirma que há vários tipos de legitimidade, como as legitimidades política, moral e epistêmica. A primeira diz respeito a valores como civismo, democracia, liberdade, igualdade, justiça social e representatividade. Valores como igualdade, democracia e justiça social estão diretamente relacionados à percepção de justiça dos indivíduos, seja no sentido da justiça distributiva ou procedimental. Conceitos como civismo, liberdade e representatividade, por sua vez, estão atrelados à noção de agency, podendo influenciar também nas percepções de justiça. Da mesma forma, valores como justiça e honestidade, que fazem parte de uma legitimidade moral, também influenciam a percepção de fairness (o primeiro por definição e o segundo porque a desonestidade costuma trazer consigo uma percepção de injustiça com aqueles que agem de maneira honesta). Vale dizer que a linha que delimita a legitimidade política da legitimidade moral é muito tênue, de modo que, muitas vezes, é difícil separar os valores que compõem cada tipo de legitimidade. Por fim, uma instituição tem uma legitimidade epistêmica se apresenta valores compatíveis com as evidências empíricas, consistência interna, rigor e relevância. Bicchieri (2006) cita, por exemplo, que um indivíduo pode seguir uma norma se aceita as expectativas normativas dos outros como sensatas e bem fundamentadas, sendo que, caso esse indivíduo queira fazer algo contrário a essas expectativas, deve justificar suas ações não apenas para os outros, mas para si mesmo, apresentando razões consistentes.

Dequech (2013) ressalta que a legitimidade pode ser interpretada de modo não instrumental ou instrumental. O primeiro caso se aplica às situações em que os agentes seguem as regras institucionais por dever, obrigação, por serem vistas como apropriadas ou certas, sendo que a internalização de uma instituição não está ligada às consequências. O segundo caso também pode ser aplicado à internalização e à presença de um senso sobre o que é entendido como o correto a ser feito, mas também envolve objetivos e sanções internas,

como evitar sentimentos negativos ou gerar sentimentos positivos. Uma outra maneira no qual a legitimidade pode ser interpretada de maneira instrumental tem origem na economia das convenções113 e é uma combinação dos argumentos de legitimidade e coordenação. A ideia é que o sucesso da coordenação de diferentes indivíduos requer que eles se preocupem com entidades coletivas das quais eles fazem parte e que eles compartilhem uma representação associada com um funcionamento satisfatório das relações entre eles. Percebe-se que esse modo de interpretação é resultado de uma percepção de legitimidade compartilhada pelos indivíduos que se conformam e envolve um tipo não egoísta de interesse próprio.

Outra explicação para a conformidade é que a adoção de uma regra (ou um conjunto de regras) de pensamento ou comportamento adotada por muitas pessoas pode contribuir para que essa regra seja vista como natural ou inevitável. Nessa situação, as pessoas nem mesmo consideram a busca por alternativas e novas opções (Dequech, 2013). O direito ao voto é um exemplo desse caso, pois possui não só uma legitimidade, mas também uma naturalidade institucional em diversas sociedades, servindo de base para a promoção de uma justiça procedimental. Do outro lado do espectro, Dequech lembra que a falta de poder ou de recursos pode bloquear mudanças institucionais, mesmo considerando que as alternativas não sejam apenas possíveis e imagináveis, mas também preferíveis para uma parte da sociedade. Um exemplo macroeconômico para essa situação poderia ser o caso em que uma parte da população quer mudar uma política de transferência de renda por perceber uma alternativa como sendo mais justa, mas não ter poder para pressionar os políticos.

A dimensão de uma interação social (isso é, o nível de anonimato ou escrutínio dos indivíduos) também é um parâmetro que influencia na decisão de o indivíduo se conformar ou não com uma norma social. Frey e Bohnet (1995) realizaram um experimento com o Jogo do Ditador em três cenários diferentes: no primeiro, o jogador que deveria decidir sobre a distribuição (alocador) e o

113 A economia das convenções é uma abordagem de origem na França, país em que é uma das principais correntes heterodoxas em economia. Estuda em particular o papel das convenções na coordenação entre as pessoas e a importância da percepção de legitimidade para uma coordenação bem-sucedida.

outro jogador (dummy) não eram identificados em nenhum momento, conferindo um status de total anonimato; no segundo, os dois jogadores mantinham contato visual, mas não podiam se comunicar, conferindo um status de identificação; no terceiro, os dois jogadores podiam conversar durante 10 minutos. Considerando uma norma distributiva igualitária como referência para esse experimento, observou-se que os indivíduos seguiram essa norma apenas no segundo e no terceiro cenário, sendo que os alocadores ficaram, em média, com 75% dos recursos no primeiro cenário. Embora o estudo não explicite o motivo originário dessa mudança de atitude dos indivíduos de acordo com a dimensão da interação, isso talvez mostre que o elevado grau de anonimato contribua para evitar o surgimento de sanções internas ou de emoções negativas. Para os casos de identificação visual do jogador dummy ou da possibilidade de conversa entre os jogadores, é possível pensar que esse contato (ainda que visual, no primeiro caso) funcione como um estímulo que imprime um script de uma interação mais cooperativa e gere um senso de obrigação de seguir a norma de divisão igualitária, sendo que uma atitude mais egoísta ocasionaria um sentimento de culpa. Ressalta-se que, nesse experimento, não havia nenhuma possibilidade de sanção externa.

Finalmente, é necessário ressaltar que os indivíduos podem se conformar com as instituições vigentes seja por temerem sanções sociais negativas - caso sejam contrários a essas instituições -, seja por receberem recompensas ao se conformarem com elas. Os experimentos de fairness mostram claramente esse tipo de situação. Um exemplo é o comportamento dos agentes no Jogo do Ultimato, no qual os proponentes da divisão que são considerados muito egoístas são punidos pelos respondentes, fazendo com que eles proponham uma divisão mais igualitária. Da mesma forma, é possível observar alguma recompensa para aqueles que não desviam da norma distributiva.