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SEGUNDO CAPÍTULO

81 MOURA, Gerson Op Cit., p 20.

férias”.82 A singular diferença é que, no Brasil, as agências de notícias ainda distribuíam, majoritariámente, grande parte das reportagens, inclusive de anúncios que circulariam nas diversas instâncias da imprensa escrita no Brasil. Tal fato pressupõe que as notícias e anúncios não se encontravam necessariamente vinculados a linha editorial específica de cada periódico. Entre 1946-1955, as agências de notícias detinham um caráter distribuidor, comercial, constituindo-se enquanto pólo central difusor do American way o f Life, na medida em que muitas das agências eram norte-americanas. Duas delas, as agências UPI e AP, praticamente monopolizavam a distribuição de notícias.83

Embora a imprensa brasileira em geral esteja marcadamente articulada as agências de notícias, a revista O Cruzeiro é, porém, um caso específico. Os elevados números editoriais alcançados apontam para a constituição de um público relevante, principalmente no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Esta revista fazia parte do conglomerado informativo de Assis Chateaubriand, Diários Associados, que no seu auge era composto de jornais em várias regiões do país, de revistas como O Cruzeiro e A Cigarra, assim como a primeira estação televisiva no Brasil, já na década de 50. Ao que tudo indica, neste período, Chateaubriand, transitava nas rodas sociais e políticas com desenvoltura muitas vezes irônica, muitas vezes excêntrica. Durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), o jornal de sua propriedade, Tribuna da Imprensa, acirrava uma disputa política intensa em tons de clara contrariedade ao governo de Vargas. Os meandros desta disputa política brasileira tiveram, no palco da imprensa, expressão de debate na busca pela conquista da opinião pública. O jornal Tribuna da Imprensa entrava em confronto discursivo com o jornal favorável a Vargas, controlado por Samuel Wainer84 - Última Hora.

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82 BODY-GENDROT, Sophie & ORFALI, Kristina. Uma vida privada francesa segundo o modelo americano. In: História da vida Privada - da primeira guerra até nossos dias. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 545. 83 MOURA, Gerson. Op. Cit., p. 82.

Neste embate público entre forças e argumentos antagônicos, fica visível a influência de um tipo de jornalismo baseado na polêmica, introjetado na prática jornalística de Chato, no sentido de vender e aumentar a circularidade dos periódicos. Segundo Fernando Morais, a imprensa brasileira da virada do século XIX para XX, esteve marcada por uma série de performances, “a polêmica era o palco ideal para o exercício da elegância, da erudição e, quase sempre, da ferocidade do ataque”.85

Accioly Netto, editor-chefe da revista O Cruzeiro queixava-se da empolgação de Chatô com relação ao jornal, fato que colocava a existência da revista, muitas vezes, em segundo plano. Somente quando a revista começou a despertar lucros vertiginosos, Chateaubriand “passou a usar e abusar, como veículo divulgador de suas iniciativas”.86 De olho atento aos lucros e ao sucesso editorial em seus jornais e revistas, ele parecia perseguir notícias diariamente, inclusive utilizando suas viagens particulares, transformando-se, ele próprio, em objeto de notícia. Para Fernando Morais, biógrafo de Chateaubriand, ele detinha uma espécie de “obsessão jornalística de querer transformar em notícia tudo o que estivesse

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ao alcance de sua mão”.

O próprio lançamento da revista, em 05 de dezembro de 1928, foi transformado em um espetáculo orquestrado por Chatô. Assim, no final da tarde, na avenida Rio Branco, repleta de transeuntes, foram atirados do alto do prédio 4 milhões de folhetos. A promoção da revista anunciava o surgimento de uma revista “contemporânea dos arranha-céus”; tão contemporânea que já trazia no folheto promocional anúncios que seriam veiculados posteriormente.88 No dia 10 de dezembro, a distribuição da revista atingia milagrosamente todos os rincões do país, principalmente se levarmos em conta o momento histórico em que as comunicações ainda estavam longe (estruturalmente) deste alcance. Para o sucesso da

85 MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 60.

86 NETTO, Accioly. Op. Cit., p. 85. 87 MORAIS, Fernando. Op. Cit., p. 119.

primeira distribuição de O Cruzeiro. Chatô usou caminhões, barcos e trens, além de fretar um bimotor - Aiko, da companhia francesa Laiécoère.

É bom lembrar que esta imprensa moderna, assim como os anúncios, tem um percurso específico marcado por rupturas. Segundo Jürgen Habermas, no cenário urbano moderno da segunda metade do século XIX, a imprensa torna-se o espaço de discussão pública, em contraponto ao público constituído a partir do século XVTII, que se reunia em um espaço específico de discussão.90 Na transformação do público em massa, a própria função da imprensa se modifica; antes mera transmissora de informações governamentais, passa a emitir e publicar opinião. Essa mudança aparece em conjunto à constituição de um público que antes pensava cultura, para um público que consome cultura, a partir do instante que a esfera pública assume funções da propaganda.91

O estreitamento desta relação se consagra, principalmente, com a transição da pequena à grande imprensa, na alteração de sua relação com o anunciante, com a política e com os leitores. Nelson Wemeck Sodré afirma, ainda, que a imprensa do início do século passou a vender informação para uma sociedade urbana, em linhas gerais, dentro de uma lógica capitalista como qualquer mercadoria, do trabalho até a diversão.92 A configuração comercial da revista O Cruzeiro, no entanto, deu-se em outros momentos, em outras relações. Embora a caracterização empresarial se tome o parâmetro informativo no século XX, é sempre bom lembrar que se tratam, muitas vezes, de lutas e disputas, resistências e sobrevivências, onde nem sempre uma análise dicotômica se aplica.

Em 1931, a então famosa revista já apresentava problemas relacionados à falta de dinheiro para conter os gastos, diferentemente da fase inicial da revista. Segundo Accioly

88 Id., Ibid., p. 187. 89 Idem.

90 HABERMAS. Jiirgen. Mudança estrutural da esfera pública Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 108. 91 Id., Ibid., p. 207.

92 SODRÉ, Nelson Wemeck. -História da Imprensa no Brasil 3a edição - São Paulo: Martins Fontes, 1983, p.