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Movimento Abraço das Dunas e os conflitos na implementação do primeiro

5 PERCEPÇÃO E EMPREENDIMENTOS EÓLICOS: CONSIDERAÇÕES

5.2 Movimento Abraço das Dunas e os conflitos na implementação do primeiro

A inserção dos empreendimentos eólicos em Galinhos se iniciou em 2009, quando o Consórcio da Brasventos ganhou o leilão da ANEEL que autorizava a implementação de dois parques eólicos no município. Segundo o Sujeito 7, colocaram uma torre de medição previamente, mas só quatro ou cinco meses antes de início das obras é que a população teve conhecimento que seriam instalados os parques eólicos. Em 2012, com o início das obras, houve uma mobilização da população contra alguns condicionantes da implementação da energia eólica que discutiremos a seguir. Atualmente, Galinhos conta com os parques eólicos Rio dos Ventos 1 com 35 torres eólicas e 36 torres no parque Rio dos Ventos 3, totalizando 71 torres eólicas em funcionamento, autorizados a entrar em operação em maio de 2014 pela ANEEL. Veja figura 7 com a situação atual dos empreendimentos.

Figura 07 - Mapeamento da área ocupada pelos empreendimentos eólicos em Galinhos – RN

Fonte: Google Maps, 2018. Demarcação e legenda própria.

A demarcação foi realizada levando em consideração as imagens do Google Maps em que se consegue visualizar as torres, a visita a campo e o mapa das instalações das torres eólicas disponíveis no próprio site da Brasventos. Essa espacialização nos permite fazer um acompanhamento da área ocupada, assim como, nos auxilia a compreender as questões colocadas pelos entrevistados como de maior impacto que circunscrevem a área de dunas.

Para a complementação dessa espacialização, veja os mapas com a localização das torres eólicas no Anexo I e fotos tiradas de alguns pontos principais em Galinhos nos quais as torres eólicas compõem a paisagem, possibilitando-nos construir uma narrativa a partir das imagens:

Figura 08 - Visualização dos parques eólicos de Galinhos

Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

Além da identificação espacial, essas fotos nos permitem dimensionar as interferências paisagísticas dos parques eólicos localizados em Galinhos. Contudo, ainda cabe destacar que sua paisagem não é marcada somente pelo impacto visual das torres dos dois parques eólicos no município. As torres localizadas no município de Guamaré também compõem, de forma significativa, o cenário dos Galinhenses. De onde se aporta em Galinhos, temos a visão das torres eólicas do lado direito, atrás do manguezal e do lado esquerdo; do Farol das Almas, ponto turístico em Galinhos, temos também a visão das torres em lados opostos dos dois municípios, dependendo da localização na praia ou se vê as torres eólicas de Guamaré ou se vê as torres de Galinhos. Com isso quero dizer que Galinhos está envolta de parques eólicos, em todas as suas direções, por suas torres e as torres circunvizinhas, veja foto a seguir:

Figura 09 - Torres eólicas de Guamaré na paisagem Galinhense

Dados da pesquisa, 2018.

Sobre as questões paisagísticas, Delicado et al (2013), a partir de uma investigação sobre a cidade de Sortelha, em Portugal, apresenta-nos o conflito derivado de duas dinâmicas que se complementam. O choque com a transformação paisagística e, por conseguinte, com a atividade turística centralmente baseada dos aspectos medievais em Sortelha. O choque com a atividade turística na região se dá, essencialmente, por uma contradição paisagística, na medida em que se confronta a carga histórica dos elementos medievais com o futurismo das torres eólicas. Este conflito – retomando Bley (1999), Del Rio (1995; 1999) e Guimarães (2002) – deixa em evidência o movimento, ou seja, as transformações paisagísticas, e de como essa paisagem é constituída tanto pelas imbricações dos elementos naturais, como dos elementos socialmente construídos. Nesse sentido, a investigação em Sortelha apresenta alguns aspectos desfavoráveis apontados pela população na implementação das torres eólicas, dentre eles, a intrusão visual e a necessidade de salvaguardar a paisagem concebida como patrimônio local. Veja a composição dos elementos naturais e socialmente construídos em um dos símbolos da paisagem de Galinhos: as Dunas do Capim, localização do primeiro parque eólico Rio do Ventos 1:

Figura 10 - Parque eólico Rio dos Ventos 1 nas Dunas do Capim, Galinhos – RN

Dados da pesquisa, 2018.

Outros estudos como o de Bier (2016), realizado nos parques eólicos em Osório – RS, apontam outra perspectiva da dinâmica com a paisagem, não apresentando um conflito com a atividade turística, mas sim a identificação de uma nova rota do turismo construída por causa da implementação das próprias torres eólicas. O conflito nesse exemplo não se estabeleceu pelo apelo estético da paisagem natural ou pelas atividades turísticas, mas sim com a agropecuária, forte atividade produtiva da região.

Contudo, não podemos transpor nenhum dos dois exemplos à realidade do município pesquisado; primeiro porque suas composições e funções paisagísticas são completamente distintas, o de Sortelha, ainda que apresente mais semelhanças, configura-se como uma paisagem histórica e arquitetônica no sentido turístico; já em Osório, a atividade turística não é a principal fonte de renda de maior parte da população. Galinhos tem a paisagem do mar, dunas, mangue, rio, tem os empreendimentos eólicos localizados em Área de Proteção Permanente, assim como apresenta parcela significativa da população gerando renda a partir do turismo ou dos próprios recursos naturais, como a pesca, por exemplo. Nesse sentido, a intenção da conservação atende a duas intenções: a da renda e a da identidade.

Figura 11 - Paisagem Galinhense: mangue e eólicas de Guamaré

Dados da pesquisa, 2018.

Diante da configuração paisagística e das atividades diretamente relacionadas à geração de renda e modos de vivência da população de Galinhos, facilmente se configurou um conflito diante da implementação dos parques eólicos. A mobilização “Abraço das Dunas” da população está na memória dos Galinhenses, sete dos dez entrevistados falaram ou identificaram o movimento durante a entrevista, principalmente quando pedíamos para contar alguma lembrança marcante a respeito da inserção da energia eólica.

A primeira audiência pública foi realizada no dia 29 de novembro de 2011, com o fim de apresentar os empreendimentos eólicos à população, contudo, diante dos questionamentos da população, observou-se a necessidade de se marcar uma segunda audiência, realizada no dia 12 de Dezembro de 2011 (Portal do Ministério Público do Rio Grande do Norte, 2011), marcando, assim, o início do diálogo entre a população e os empreendimentos eólicos. Segundo o Entrevistado 7, a população só teve conhecimento faltando quatro a cinco meses para as obras iniciarem, revelando assim que esse conhecimento tardio também foi um dos motivos para a mobilização:

[...] teve o abraço das dunas, que a população não foi toda né, mas uma boa parte da população fez esse protesto lá nas dunas, você sabe né, onde tem empreendimento muito alto, eu sei que às vezes a população tem um grande poder, mas dessa vez teve não, continuou né [...] como a gente não tinha o conhecimento do que era energia eólica, todo mundo ficou assustado (Entrevistado 2).

[...] inclusive no que se diz respeito a questão da implantação em si do parque né, aqui no movimento todo dos caminhões chegando, das máquinas, equipamentos, pra gente foi um, assim, uma espécie de impacto [...] houve umas audiências públicas, mas não foram feitas de acordo com que a lei exige, ou seja, no tempo determinado, foi muito em cima e esse foi um dos motivos que nos levou a fazer aquele movimento, foi o abraço nas dunas protegendo as dunas do Capim, porque assim, foi um negócio muito rápido. (Entrevistado 7).

Quando perguntamos aos entrevistados se eles sabiam o que era energia eólica antes dos empreendimentos chegarem no território, apenas dois dos dez entrevistados afirmaram ter algum conhecimento prévio, adquirido através dos meios de comunicação, conta um deles. O tempo curto entre a comunicação com a população e o início das obras, aliado a um desconhecimento anterior sobre este tipo de energia, contribuiu para a articulação da população frente a este elemento desconhecido.

Com relação aos segmentos da população que fizeram parte do movimento, foram identificados como integrantes do movimento, a secretária de turismo na época, os segmentos que seriam diretamente impactados com relação às rotas turísticas, como os barqueiros, bugueiros e charreteiros, os pescadores, assim como a população em geral.

No blog SOS Dunas de Galinhos, encontramos a chamada para o ato público do Abraço das Dunas, para o dia 19 de abril de 2012, no qual a Prefeitura Municipal de Galinhos, Secretarias Municipais, Associação dos Moradores de Galinhos, Associação Barqueiros, Associação dos Charreteiros, Associação das Pousadas e Restaurantes, Associação dos Bugueiros, Associação dos Idosos, Associação dos Jovens, Grupo de Escoteiros, estariam participando do movimento. Ocorrendo o segundo protesto no dia 17 de maio de 2012, contando além da população local, com alunos e professores do Departamento de Geografia da UFRN, representantes das Associações de Bugues de Natal, moradores da comunidade de Jenipabu e jornalistas (ROCHA, 2012). Veja fotos a seguir:

Figura 12 - Primeira manifestação em Galinhos – 19 de Abril de 2012

Fonte: Fiscalização de Atividades Urbanas – FAU, 2012.

Os entrevistados identificaram como preocupações que motivaram a realização do Abraço das Dunas, a questão dos acessos às dunas, a destruição ou transformação da paisagem das Dunas, a proximidade das torres ao distrito de Galos, as rotas turísticas e alterações no comportamento dos peixes devido ao barulho emitido pelas torres:

[...] é o seguinte aqui, quando eles começaram a fazer as audiências, que foi assim, acho que foi tudo planejado pra nos surpreender né, então os biólogos vieram dizer que não haveria impacto ambiental eu até questionei no dia da audiência se, perguntei se poluição visual não era um impacto ambiental né, se a gente tem uma paisagem natural e depois ela é modificada pelo homem, no meu ponto de vista é impacto visual né, ambiental, e também a proximidade aonde esse parque ia ser instalado, logo de início, eles disseram que ia ser bem próximo a Galos, então toda movimentação da areia pra fazer a base de um aerogerador daquele ia impactar (Entrevistado 7).

[...] é como se todo mundo se uniu pra preservar a duna né, então pra mim isso ficou marcante né, pra união das pessoas [...] o motivo de inicial foi que a gente ia perder aquela parte da duna que é importante pra Galinhos, pro turismo da gente né, então são vários barcos que trabalha com turismo, charrete como você já viu aqui, bugueiros, então íamos perder esse acesso, porque ele ia vim de onde está hoje até Galos” (Entrevistado 8).

Figura 13 - Segundo Abraço das Dunas em Galinhos – 17 de maio de 2012

Fonte: (ROCHA, 2012).

Embora vários segmentos da população tenham feito parte do movimento, encabeçando conjuntamente várias dessas preocupações, não podemos deixar de lado o conflito gerado no período de implementação entre duas atividades produtivas, a eólica e o turismo. Nesse sentido, percebemos, diante do apelo ao paisagismo natural, uma mobilização da população que nasce de uma conservação de intenção dual entre aqueles que teriam sua fonte de renda possivelmente transformada. O apelo à conservação existe porque é da paisagem natural que maior parte da população gera renda, ao mesmo passo, acaba por se constituir aí hábitos de conscientização ambiental. As populações tradicionais, como mostra Diegues (2013) têm uma relação muito íntima com o ambiente natural, porque o vivenciam, porque precisam conhecer os ciclos naturais para a sua própria manutenção.

Precisamos identificar o choque das atividades porque podem ajudar a direcionar novos projetos eólicos, no entanto, diante do próprio arcabouço teórico preconizado nesta pesquisa, não entendemos que essa intenção dual desqualifica o aspecto ambiental do movimento. Não é uma conservação ingênua, é uma conservação com vários motivos entrecruzados, não é possível separar onde começa o barqueiro e onde termina o homem que vai às dunas com a família no final de

semana. O contexto econômico demarca a trajetória ambiental, assim como, a social e vice-versa, todos os aspectos confluem para a produção de um espaço, de um lugar, de um território, em que vivem, em que socializam, pensar que não haveria interesses econômicos no movimento é pensar o ambiente descontextualizado.

Outra questão pertinente nesse processo de implementação e que também está ligado à localização dos empreendimentos, decorre de um entrave jurídico, as torres eólicas em Galinhos estão em Área de Proteção Permanente (APP). Essas áreas são definidas pelo novo Código Florestal Lei nº 12.651 em 12 de maio de 2012, como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Contudo, tanto a Resolução CONAMA nº 369 de 29 de Março de 2006, como o Art 4º do antigo Código Florestal de Lei nº 4.771 de 15 de novembro de 1965, vigentes no período de implementação, previam a intervenção na APP em atividades que tivessem utilidade pública, fosse de interesse social ou de baixo impacto abrangendo, dessa forma, a produção de energia eólica como uma atividade que poderia obter autorização para a alocação de torres nas áreas destinadas à proteção, desde que resguardados os requisitos previstos nos Artigos 3º da resolução e 4º do antigo Código Florestal, somente “em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto”.

Por este motivo, houve impasses jurídicos na implementação das torres eólicas em Galinhos, o Ministério Público do Rio Grande do Norte ao se defrontar com a mobilização da população que solicitava a realocação dos empreendimentos juntamente com a investigação dos processos de licenciamento dados a Brasventos pelo IDEMA, entendeu que alguns dos requisitos para a liberação das licenças não foram atendidos, formulando assim, em março de 2012, uma Recomendação Conjunta 002/2012, em que solicitava ao IDEMA a não concessão da licença de instalação por: 1) não ter apresentado alternativa locacional obrigatória para os processos de licenciamento com EIA/RIMA; 2) não ter ouvido as comunidades tradicionais, veja Anexo G.

Em abril do mesmo ano, o Ministério Público ajuizou uma Ação Civil Pública nº 0000134- 13.2012.8.20.0151, com pedido de liminar contra o IDEMA e a Brasventos, suspendendo a licença de instalação do parque eólico Rio dos Ventos 1, por entender que o IDEMA teria concedido

irregularmente licença ambiental em Área de Preservação Permanente (APP), localizada em orla marítima com a presença de dunas (zona rural do Município de Galinhos). Contudo, a liminar foi suspensa, em junho, com agravo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN. Mesmo verificando que efetivamente o IDEMA havia concedido a licença de instalação com o Relatório Ambiental Simplificado – RAS, a juíza compreendeu que não houve prejuízo devido ao fato de a energia ser de baixo impacto ambiental, não apresentando assim, impactos ambientais relevantes ou irreversíveis, afirmando que, nesses casos, o RAS é suficiente, ainda relembrou que em vários casos do Ceará, as torres eólicas também estão sobre dunas, além de levar em consideração o crescimento e desenvolvimento econômico do estado a partir destes empreendimento (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).

O MP do Rio Grande do Norte ainda solicitou, ao TJRN, a reconsideração do pedido, mas a implementação se efetivou, havendo uma paralisação das obras durante este processo. Ainda cabe relembrar que neste período de tramitação entre o pedido do MP e a suspensão da liminar do TJRN ocorreu uma alteração fundamental na legislação com o novo Código Florestal de 12 de maio de 2012, havendo assim, a possibilidade de afrouxamento dos licenciamentos sobre APP, nos casos de atividades de interesse público e de baixo impacto ambiental.

Mesmo a população sendo contrária à locação da maior parte das torres eólicas deste primeiro empreendimento da Brasventos, o fato de a empresa apresentar outros tipos de compensações aliadas ao atendimento de alguns dos pedidos da população, como o acesso às dunas e à realocação de algumas torres próximas a Galos, fez com que o conflito fosse amenizado, pelo menos com relação à coexistência de duas atividades produtivas no mesmo espaço.