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Capítulo 1 – O discurso e seus efeitos

1. Discurso e seus efeitos

1.4. Movimento dos discursos da “inclusão” no meio escolar

Sendo assim, entendo que as controvérsias existentes na escola em que a pesquisa foi realizada foram provocadas, dentre outras razões, pela falta de uma política para tratar desse assunto, as discussões não são claras, os pensamentos são divergentes. Em função disso, o modo de conceber o processo de ensino-aprendizagem e as políticas de “inclusão” podem se configurar em perspectivas bem diferentes para os agentes escolares.

Para ilustrar o que acabo de argumentar, apresento os dizeres de dois profissionais da escola, lócus desta pesquisa. Eles responderam ao meu questionamento sobre como analisavam as políticas de “inclusão” no Brasil, e, na escola. Esses profissionais compunham a equipe pedagógica da gestão da escola, no período em que a pesquisa foi realizada. Portanto, ocupavam uma posição discursiva que produziam ecos que poderiam ressoar diferentes sentidos para cada professor da escola.

Partindo do princípio de que o processo de subjetivação acontecerá de maneira única para cada um, as discursividades das leis de uma educação “inclusiva” podem produzir diferentes efeitos de sentidos. Dessa forma, apresento abaixo algumas sequências discursivas retiradas da entrevista às profissionais da equipe pedagógica da escola. Solicitei a elas que respondessem a duas questões, relacionadas à leitura que tinham feito das leis que orientam o processo de educação “inclusiva”, quais sejam: a) como vocês analisam o processo de inclusão no Brasil? b) como vocês analisam ou percebem o processo de “inclusão” nesta escola? A entrevista na íntegra encontra-se anexa nas páginas 214 e 215.

Percebo que as políticas de inclusão no Brasil são compatíveis com as propostas elaboradas e implementadas também no cenário internacional, havendo princípios coerentes com a ideia de igualdade de direitos e oportunidades para todos, respeitando-se à diversidade das pessoas nos mais diversos âmbitos. No entanto, embora as propostas apresentadas sejam de fato favoráveis à inclusão, a concretização das mesmas não tem sido realizada como deveria, apresentando-se como um processo lento, com muitas dificuldades e lacunas (ENTREVISTA, dezembro, 2010).

Para responder tais questões é importante ressaltar qual o conceito de “inclusão” ao qual nos referimos, pois hoje nas escolas, lidamos com diferentes conceitos, dentre os quais se consideram como alunos de inclusão aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem, ou seja, não conseguem acompanhar o desenvolvimento geral da turma, seja por questões cognitivas, afetivas ou emocionais que interferem em sua aprendizagem. Porém, consideramos que, neste contexto, a inclusão se refere aos alunos com deficiências (física, mental, cognitiva etc.) diagnosticadas, segundo normas contidas no senso/MEC (ENTREVISTA, dezembro, 2011).

Percebo, pela fala das profissionais, que não há uma relação de implicação entre o dizer delas e os documentos oficiais. É possível que isso ocorra, dado o imaginário de professor que perpassa por esses documentos, os quais idealizam situações e perfis de professores, como pessoas para quem, supostamente, a relação com a linguagem seria da ordem da transparência. Elas responderam às questões, repetindo literalmente o que foi apresentado nos documentos e o que foi discursivisado, a partir do dizer das leis, como é o caso do conceito de “inclusão”. Elas não conseguiram olhar para outro espaço menor, que é

singular - a própria escola. Nessa perspectiva, elas se desobrigam da posição de profissionais que deveriam se responsabilizar por esse processo e se posicionam como se a lei, por si só, conseguisse agilizar e tornar viável o processo de “inclusão” das crianças e jovens que apresentam alguma necessidade especial.

Esse posicionamento acarreta efeitos para o processo de ensino-aprendizagem da escrita, uma vez que as alunas participantes desta pesquisa foram “vítimas” de um “parecer”, o qual as designaram como alunas com “dificuldades de aprendizagem”. Esse “parecer” foi elaborado pelo conselho de classe da escola e embora não seja realizado por um especialista, ganha o peso de um “diagnóstico”. Para problematizar essa questão, busco argumentos em um fenômeno conceituado como a profecia autocumpridora.

Para Merton (2003), “a Profecia Autocumpridora é, inicialmente, uma falsa definição da situação, evocando um novo comportamento que torna verdadeira a concepção originalmente falsa”. Para demonstrar essa tese, dois pesquisadores, Rosenthal e Jacobson, nos anos 60, desenvolveram uma pesquisa em que selecionaram sem nenhum critério crianças de uma escola de São Francisco, na Califórnia. Eles afirmaram para os professores e autoridades escolares que aquelas crianças, apesar dos “fracassos”, possuíam capacidades intelectuais muito promissoras e poderiam ter grandes possibilidades de sucesso escolar. Passado algum tempo, ficou comprovado que o sucesso conseguido por aquelas crianças não estava relacionado a suas capacidades ou empenho, semelhantes aos outros alunos, mas sim, à atenção que lhes foram prestadas pela escola e pelos professores.

Os professores não averiguaram se o que os pesquisadores afirmavam havia procedência, mas o comportamento adotado por eles, em relação aos alunos, fez com que a afirmação dos pesquisadores, que era falsa, se tornasse verdadeira. Merton (op.cit.) adverte que o que aconteceu com as crianças, ao se enfatizar valores positivos, pode acontecer também com valores negativos. Ele cita o exemplo de atitudes racistas de brancos em relação aos negros, essas atitudes levavam a comunidade negra a acreditar que era mesmo inferior.

Um “parecer” dessa natureza pode acarretar efeitos negativos para o processo de ensino-aprendizagem das alunas. Luíza e Mariana, as participantes desta pesquisa, já haviam acreditado que eram alunas que apresentavam “dificuldades de aprendizagem”, os próprios colegas de turma as discriminavam, porque eram alunas que chegaram ao sétimo ano com dificuldades que eles não mais enfrentavam. Consequentemente, os professores também já haviam se convencido de que elas não poderiam aprender. Isto porque não houve investimento subjetivo por parte dos agentes escolares para que elas se deslocassem e de fato

aprendessem, o que ocorreu foi que elas foram avançando sem resolver as dificuldades que apresentavam.

Essas são consequências das discursividades engendradas com base no dizer das leis sobre a “inclusão”. O aluno uma vez considerado com “dificuldades de aprendizagem”, não há investimento subjetivo, por parte dos agentes escolares, que os motivem a entrar no jogo da linguagem.

Nos capítulos seguintes, apresento o espaço escolar em que a pesquisa foi realizada e, além disso, descrevo como foram construídos os procedimentos de análise. Em seguida, trato do campo teórico que me autoriza discutir a questão da subjetividade e intersubjetividade em sala de aula, tanto no que se refere ao processo de escrita das alunas, como na relação professor-aluno, dando ênfase às minhas intervenções. Para isso, discuto a noção de língua, linguagem e escrita na perspectiva da Linguística, especificamente, dos estudos de Saussure. Em seguida, abordo os pressupostos da Teoria da Enunciação, na visão de Benveniste, para tratar da subjetividade e intersubjetividade na língua e na linguagem, articulando com a noção de sujeito e de transferência da Psicanálise freudo-lacaniana.

Capítulo 2