• Nenhum resultado encontrado

4.2 Movimento Político LGBT

4.2.1 Movimento LGBT no Mundo

Os movimentos sociais são frutos da necessidade de melhorias na forma como as esferas públicas e instituições, privadas ou não, percebem e tratam questões e personagens que fogem a normatividade estabelecida pela sociedade. Nesse sentido vale parafrasear

Gohn (1995, p. 44) quando afirma que os movimentos sociais “[...] são ações de caráter sociopolítico constituído por atores sociais permanentes [...] Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre os temas e problemas em situações de: conflitos, litígio e disputa”. Assim, o movimento político LGBT é aqui entendido como o conjunto das associações e entidades, mais ou menos institucionalizadas, constituídas com o objetivo de defender e garantir direitos relacionados à livre orientação sexual e/ou reunir, com finalidades não exclusivamente, mas necessariamente políticas, indivíduos que se reconheçam a partir de qualquer uma das identidades sexuais e de gênero tomadas como sujeito desse movimento (FACCHINI, 2003).

O movimento LGBT ao trazer a discussão da sexualidade para o domínio público, como fizeram o feminismo e os movimentos de liberação sexual dos anos 1960, explicita que não admite que o desrespeito ao direito fundamental de exercer livremente a orientação sexual e identidade de gênero sejam tratadas pelo Estado como assunto limitado à esfera privada (CONDE, 2004)

As primeiras tentativas de organização de um movimento LGBT contra as discriminações de direitos aconteceram na Europa como reação às legislações que criminalizavam atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, entre 1850 e 1993. Na Alemanha em 1933, o advento do nazismo, no qual mais de 200 mil homossexuais foram mortos, e do estalinismo na Rússia em 1927 significaram o fim de toda militância homossexual até a conclusão da II Guerra Mundial, retomada somente em 1948 pela campanha por direitos para os homossexuais (MOLINA, 2011).

A origem do movimento homossexual é datada no final da década de 40, quando emergem organizações voltadas a desconstruir uma imagem negativa da homossexualidade (FERRARI, 2004). Em Amsterdam, os organizadores do espaço chamado de Center for Culture and Recreation (COC) não pouparam esforços para promover oportunidades de sociabilidade para homossexuais, além de trabalhar junto às autoridades locais a questão da tolerância para com essa parcela da população (FACCHINI, 2016).

Já nos Estados Unidos (EUA), a partir de 1950, formou-se o Mattachine Society, inicialmente uma organização semiclandestina que, adotando uma linha de moderação e cautela, visava a integração dos homossexuais na sociedade. Seus associados muitas vezes aceitavam a noção da homossexualidade ser uma doença, frequentemente adotavam pseudônimos e enfatizavam a sua respeitabilidade. A própria palavra “homossexual” era rejeitada devido à sua ênfase no “sexual” e outros neologismos eram adotados como

“homófilo” e “homoerótico”, por conta da natureza repressiva da sociedade americana e da ameaça constante que o macarthismo representava para qualquer atuação política mais radical (MACRAE, 2011). Ligado à Mattachine Society, também nascia nos EUA, em meados da década de 1950, o grupo Daughters of Bilitis, direcionado às lésbicas. Nesta organização as mulheres insistiram em disputar políticas para os movimentos homossexual e feminista, para superação do sexismo, da homofobia e do machismo.

No final da década de 1960, após o aparecimento do movimento hippie e da contracultura, depois dos eventos de maio de 68 em Paris, surgiu o Gay Liberation Front, nos EUA, advogando uma postura muito mais radical e questionadora da sociedade. O grande marco simbólico internacional do movimento homossexual nesse período, que representou a ruptura com os métodos tradicionais de militância e o início do movimento LGBT moderno, foi uma batalha de três noites, travada por homossexuais, incluindo muitas travestis e prostitutas, contra as arbitrárias batidas policiais no Bar Stonewall de New York, em junho de 1969 (GOMES FILHO; MELO, 2014). A luta foi bastante violenta e os homossexuais, além de evidenciar uma fúria inusitada contra seus tradicionais repressores, também gritaram palavras de ordem insólitas para a época (MACRAE, 2011). Poucos meses depois o Gay Liberation Front, já mais estruturado, lançaria seu próprio jornal, chamado Come Out, e consagraria o dia 28 de junho como o

“Dia internacional de Orgulho Gay”, segundo Reis (2007).

Segundo MacRae (2011), o exemplo de New York logo foi seguido em outras partes dos EUA, e também em outros países na Europa e começaram a surgir grupos similares, como o Arcadie, na França, o Forbundet 48, na Dinamarca, o COC, na Holanda etc. Esses grupos radicais que, além de adotarem táticas de luta muito mais diretas e às vezes violentas, tinham reivindicações qualitativamente diferentes. Indo muito além de uma exigência por direitos civis, desejavam uma integração à sociedade existente, preconizando a abolição das diferenças entre os papéis sexuais desempenhados pelo homem e pela mulher, juntamente com os padrões estereotipados de masculinidade e feminilidade e advogando a bissexualização da sociedade.

Na sociedade brasileira foi no final da década de 1970, em pleno contexto militar, que nasceu, o então chamado na época, “movimento homossexual” no qual preponderava uma disputa acirrada entre dois modelos de classificação da sexualidade. No modelo tradicional existia a hierarquia do sexo e sua respectiva relação com os papéis sexuais relativos aos dois sexos biológicos. Já o modelo moderno pressuponha uma lógica

igualitária e da orientação do desejo (GUIMARÃES, 2004; MACRAE, 1990; MOLINA, 2011).

No início dos anos 1980, o aparecimento da aids e a maneira como a doença foi propagada e como as políticas públicas de enfrentamento à epidemia foram estruturadas, possibilitaram maior visibilidade à homossexualidade e a forma moderna de classificação da sexualidade. Por outro lado, o tratamento inicial da aids como "peste gay" ou "câncer gay" levou à necessidade da desconstrução dos aspectos marginais da homossexualidade, com a valorização de uma boa imagem pública da mesma que possibilitasse a luta pela garantia de direitos civis (FACCHINI, 2016).

Diante da inércia dos governos e o crescimento exponencial dos casos de aids, os ativistas homossexuais, de boa parte dos países ocidentais, foram os responsáveis pelas primeiras mobilizações contra a epidemia, tanto no âmbito da assistência solidária à comunidade, quanto na formulação de demandas para o poder público (FACCHINI, 2016).

De acordo com Facchini (2016), a aids apesar de intensificar a discriminação, permitiu a visibilidade dos espaços de sociabilidade e das práticas homossexuais e dessa forma contribuiu para o lançamento dos primeiros projetos de lei a favor de direitos LGBT, reconhecendo publicamente essa população como sujeitos de direitos. Isso resulta num engrandecimento da importância das relações entre movimento social e Estado, bem como do movimento LGBT e os movimentos por direitos humanos em nível internacional, com a abertura de canais de interlocução política com os governos e com atores internacionais.

A história do movimento LGBT é caracterizada pela luta coletiva contra as categorias que foram utilizadas para agregar estigma e sofrimento à vida de sujeitos com desejos e condutas distintas da normatividade estabelecida pela sociedade para gênero e sexualidade. Uma retrospectiva evidencia que esse percurso foi permeado de conquistas para a vida dos sujeitos, que a sociedade descrita como mundo heterossexual, separava e oprimia (ANDERSON, 1991 apud FACCHINI, 2009).