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no âmbito acadêmico dos estudos de gênero, sexualidades, violências, feminismos e

MOVIMENTO (S) EM MULHERES

4.2. Movimento (s) em mulheres: trajetórias marcadas pelo ativismo em falas e corpos

As trajetórias de minhas interlocutoras falam de escolhas, caminhos, opções políticas, afirmações de práticas, saberes, elaborações relacionais do estar em sociedade. Cada uma delas de seu lugar, de seu espaço-tempo, informa sobre que significados atribuem ao ser feminista, ser lésbica, ser camponesa, ser cientista política, ser mãe, ser negra. Ou muito disso ao mesmo tempo, como no caso de várias delas.

O lugar da identidade na diversidade está garantido, se pensarmos em trajetórias semelhantes a partir da noção de pessoa formulada por Marcel Mauss (2003); para ele, povos primitivos teriam a noção de representações para lugares sociais, personagens de rituais, mas só com o desenvolvimento das sociedades emergiu a idéia de pessoa como um ser capaz de estar representando a si mesmo. Esta

noção de pessoa, uma vez constituída, pode ser compreendida como uma idéia-valor, e, portanto, uma categoria ideológica, uma representação social.

Antropologicamente, a noção de identidade está ligada às variadas formas de relações entre as pessoas e seus grupos sociais, e como se dão, nos diferentes níveis de interação, as trocas simbólicas e materiais entre grupos e pessoas. Assim, tem-se que a identidade de alguém é relativa à de outras pessoas ou grupos, com os quais interage. As identidades, assim, seriam representações inevitavelmente marcadas pelo confronto com o outro, pela relação com o outro, pela necessidade de tornar-se mais ou menos livre na presença do outro.

Como aponta Roberto Cardoso de Oliveira (1976), a noção de identidade se dá de forma dialética, num jogo contínuo entre a identidade da semelhança com determinado grupo e a identidade contrastiva, entre o grupo social ao qual o sujeito pertence e os demais.

“(...) a associação de um grupo com um lugar ou com uma pessoa também reflete mecanismos de identificação por contraste, como se os membros do grupo se representassem inequivocamente “semelhantes” entre si, enquanto “diferentes” dos membros de outros grupos de referência.” (p.37)

Referindo-se às relações de identidade, o autor propõe que se olhe as identidades como complementares ou combinadas, i.e., uma identidade que é do sujeito ou do grupo ao qual se declara pertencente, relacionada com a identidade de outros sujeitos ou grupos, resulta em identidade relacional.

A identidade surgiria, assim, também por oposição, implicando a afirmação do “nós” diante dos “outros”, nunca se mantendo ou afirmando de forma isolada. Formar grupos, assim, seria o reflexo dos mecanismos de identificação. Estas identidades, ou todas as suas facetas diversas, de algum modo se projetam nos corpos, nas falas, em cada relato que ouvi, e em cada proposta de atividade que acompanhei desde o inicio.

O que tentei demonstrar neste trabalho, guardadas suas limitações, é esta nova forma de refletir sobre os processos de organização de mulheres, dentro da perspectiva dos estudos de gênero, dentro do campo dos movimentos sociais, sejam eles estruturados em redes institucionalizadas ou autônomas, e de que forma as sexualidades, diversidades étnicas, ideologias políticas estão articuladas e são negociadas por suas agentes.

Penso que a questão central aqui é próxima do proposto por Karla Adrião e Maria Juracy Toneli (2008), a do uso da categoria “mulheres” no movimento feminista. Dizem as autoras:

“O grande problema político para o feminismo continua sendo o de que o termo mulher denote uma identidade comum. "Eu sou aquele nome?" trata-se de uma pergunta gerada pela possibilidade dos múltiplos significados do nome, pois, se alguém é uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é (Butler, 2003). O gênero nem sempre se constitui de maneira coincidente nos diferentes contextos culturais, históricos, além do fato de o mesmo estabelecer intersecções com categorias tais como raça/etnia, classe, sexo, geração.” (p. 466-467)

podem ser diversas, tanto quanto elas mesmas. Da menina de corpo coberto de tatuagens à feminista “das antigas” usando tailleur e scarpin, todas carregam em si as marcas de suas escolhas, de algum modo de ser mulher no mundo, com tudo que isso implica. As marcas identitárias do ativismo, seja ele jovem ou velho, usando as categorias delas mesmas, as aproximam mais do que distanciam, ainda que este reconhecimento nem sempre seja um exercício fácil de ser feito. Na rede autônoma, jovens feministas lésbicas tatuadas com símbolos do feminismo ou com dois espelhos de vênus entrelaçados, utilizando-se assim de um símbolo do feminino que, repetido, torna-se uma afirmação lésbica. Na rede institucionalizada, mulheres que entram e saem de reuniões e longos processos de negociação, usam roupas sóbrias, e mantém alguma forma de adequação corporal aos espaços que frequentam.

De uma forma ou outra, tanto as ativistas lésbicas radicais autônomas quanto as feministas acadêmicas, e todas elas com suas marcas de identidade, estão seguindo aquilo que foi proposto por David Le Breton (2001), para quem os piercings e tatuagens são marcas corporais sinalizando que o corpo por si só não basta, que não é suficiente em si mesmo para significar o sujeito e seus pertencimentos, mas deve ser também marcado, sinalizando suas diferenças e sua importância.

No caso das feministas entrevistadas, mais velhas, de origens acadêmicas, trânsito em esferas de poder do Estado,

com as quais estão em constantes negociações e articulações, estas parecem se adequar aos processos disciplinatórios e reguladores do corpo, na esteira do que propõe Michel Foucault (1997), sobre o papel da disciplina e dos mecanismos de vigilância sociais para produzir corpos dóceis, organizados, capazes de reproduzir o que deles se espera. Tanto um grupo de mulheres quanto o outro, porém, estão em relações performáticas, estão, como apontou Judith Butler (2008). Não performatividade no sentido de uma performance social, de uma representação, mas de uma reiteração das normas reguladoras. E por serem normas reguladoras, as compreendo aqui como institucionalizadas ou autônomas: de uma forma ou de outra, há um conjunto de atos, ações, representações discursivas e corporais, que dão às lésbicas, às feministas, às mulheres e seus movimentos um certo conjunto de informações sobre como agir, como se portar, como dizer, como atuar.