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MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS: A (RE)INSERÇÃO DO DEKASSEGU

1.2. O movimento uma constante no migrante

Cabe neste momento, pensarmos quais estruturas de relações estão por trás dos migrantes, ou melhor, que gestam os migrantes. Os migrantes com os seus ideais, as suas aspirações e as suas necessidades se vêem ora forçados ou ora estimulados a buscarem os espaços mais racionais, que acenam com a possibilidade da realização dos seus projetos e de uma vida prenhe de sentido, significado e de emoções. Seabra (2005) nos diz que a modernização, pela industria ou pelo mercado, põe tudo em movimento, inclusive os migrantes. “O capitalismo em todos os níveis refaz a condição humana, afirma Seabra.”22 Alguns lugares são o foco do processo de modernização, colocam se na liderança dele e movimentam outros espaços para a sua realização, movimentando, portanto, as pessoas utilizadas como força de trabalho e transformadas em consumidoras e usuárias no período atual.

Harvey (2004) em seu livro “Espaços de esperança” faz a seguinte pergunta: “Mas em que tipo de mundo estamos inseridos?”23 Sua questão, no entanto, acaba se desdobrando em outras: Em que mundo queremos estar inseridos? Qual é o mundo em que estamos ou queremos estar inseridos? Em que condições estamos inseridos? O que é estar inserido? Todos estão inseridos? Temos segurança nessa inserção? Temos a liberdade de querermos não estar inseridos, ou estamos condenados a estarmos inseridos? Existem níveis ou graus de inserção? O que precisamos fazer para estarmos inseridos ou para nos mantermos inseridos? O que nos cabe afirmar aqui, é que a migração internacional pode ser um dos meios ou caminhos para a inserção no mundo capitalista contemporâneo, movido pelo processo de modernização e idealizado pela modernidade.

De todos os modos estamos inseridos, uns mais, uns menos. Mesmo os não inseridos (antítese do inserido no sistema capitalista em que vivemos), precisam existir para existirem os inseridos. Isto faz parte da contradição capitalista. Os que detêm os meios de produção e aqueles que não detêm, os que precisam vender a sua força de trabalho e os

22 Discussão realizada no Grupo de Estudos da Profa. Dra. Odette Seabra, na FFLCH, USP (28/11/05), com base em Harvey (2004).

que precisam comprar a força de trabalho. Um para movimentar e por em funcionamento a sua vida e o outro para movimentar os seus meios de produção, acumular capital e garantir e ampliar os seus meios de produção e a sua própria vida. De alguma forma estamos inseridos, no entanto usamos também o termo (re)inserção, porque mesmo no Brasil, o migrante está inserido, mesmo que não plenamente ou adequadamente naquilo que se entende como condição satisfatória de inserção, ou como aquilo que é proposto ou intimado como plena inserção sempre ilimitada no modo de produção capitalista. Podemos dizer então, que está ocorrendo uma (re)inserção dos brasileiros no espaço japonês.

Assim, se existe um fluxo de brasileiros para o Japão, lá está ocorrendo uma inserção. Quando o migrante volta ao Brasil, pode-se ter de alguma forma uma nova (re)inserção, contudo, ao verificar-se que no Brasil ela não se realiza por completo, pode ocorrer novamente uma outra busca pela (re)inserção no Japão. Esse movimento, uma vez instalado e dadas as condições para se realizar, pode permanecer por muito tempo, tanto no movimento concreto do migrante nos espaços ou no imaginário da migração.

Muitos, após a experiência migratória, definem o Brasil como lugar para permanecer de fato, re-lembrando a vida que tiveram no Japão para o bem ou para o mal; outros ficam em “trânsito” entre os dois espaços, não definindo nem um, nem outro lugar para ficar; alguns por sua vez decidem adotar o Japão, mantendo, todavia, uma memória do lugar de origem, não faltando aqueles que aspiram a um terceiro lugar que contenha um pouco dos dois, ou que seja o oposto dos dois. A (re)inserção, na verdade, é que define o movimento ou a permanência do migrante no lugar e no território, ou seja, a própria migração abarca tanto o movimento, a permanência no movimento e a permanência após o movimento.

Haesbaert (2004) nos alerta que o capitalismo volátil tende a todo o momento a destruir nossas referências territoriais e a comprovar a nossa falta de liberdade. Estamos destinados à “obrigação” constante do movimento, da mobilidade ou mesmo à mudança. Em sentido mais amplo, estamos subordinados, sobretudo, à dinâmica do consumo e corremos o risco de perder todos os nossos referenciais, ficando inteiramente desprovidos de territórios. Para nós o movimento também pode representar o não movimento, principalmente quando ele se resume apenas à manutenção da (re)inserção.

Todavia a (re)inserção adequada do ponto de vista do capitalismo é aquela que garante a possibilidade de movimento dentro do território, entre os territórios, na sociedade

propriamente, e porque não dizer no mundo, e isto pode ser entendido como liberdade ou falsa liberdade. A possibilidade de transitar pelos países e pelo mundo, mesmo nessas condições de atenuação dos referenciais se apresenta para alguns migrantes como um sentimento de desprendimento de qualquer território. É um sentimento errante e de descomprometimento com o lugar. Para outros, no entanto, o sentimento de pertencimento a um lugar se reforça diante da ausência do lugar.

“Quero morar em definitivo no Brasil, pelo menos morrer lá eu quero, eu quero morar no Brasil, não troco o meu país por nada, nem se eu ficasse aqui e ganhasse muito dinheiro, não, eu estou chegando no meu limite, a questão não é mais o dinheiro, eu tenho filhos, já está tudo lá, cada ano que passa uma parte da minha vida vai para lá, agora aqui, no Japão, só está o meu corpo, só espero que o meu corpo vá para lá também, pois meus pensamentos, minha cabeça, minhas atitudes já estão lá...” (Marcelo, 40 anos, 2005).

Marcelo, já há quinze anos no Japão, não vê a hora de ir embora de vez para o Brasil, afirma que não consegue se adaptar no Japão. No Brasil exerceu, como última função, a gerência de banco, foi para o Japão em 1989, dizendo que via nesse movimento uma nova oportunidade para a sua vida. A questão é que Marcelo nesses quinze anos de Japão, já esteve no Brasil, chegando inclusive a montar uma empresa-transportadora, que segundo ele não se viabilizou devido à queda do dólar. No Japão atualmente trabalha em empreiteira, principalmente na condição de tradutor, dando assistência aos brasileiros.

Para Agneta, 57 anos, casada com Tadeu, 54 anos, com um filho no Japão, Elias, de 27 anos, e outro no Brasil, o motivo principal de estar no Japão é que a sua atividade comercial na cidade de Peruíbe, São Paulo, não estava indo bem. “Nós viemos porque na nossa idade não tem atividade nenhuma no Brasil. Nos montamos comércio, lá no Brasil não tem como, não corre dinheiro, então quem coloca dinheiro na diversão não ganha dinheiro. Por isso que nos vendemos tudo e viemos para cá. Por pouco tempo, a gente sempre vem por pouco tempo. Até a aposentadoria do meu marido. E a aposentadoria dele que a gente paga é alta, ele quer fazer a máxima com dez salários. Então por isso estamos aqui” (Agneta, 2005).

Agneta e Tadeu já estão há aproximadamente sete anos nesse “vai e vem” entre o Brasil e o Japão. “A verdade é que ninguém gosta de ficar aqui eternamente, mas quantas vezes for preciso vir, a gente vem com alegria, com certeza, a gente pede a Deus para que

não se feche essa porta” (Agneta, 2005). “É uma janela para nós” (Tadeu, 2005). “É uma porta bem grande que precisa ficar sempre aberta para que possamos passar a hora que a gente quiser...” (Agneta, 2005).

César, de 35 anos de idade, chegou no Japão em setembro de 1994 e nunca voltou para o Brasil. Está a nove anos morando na cidade de Hamamatsu, uma das cidades com maior presença de brasileiros, catorze mil, segundo ele. César começou a trabalhar em fábricas, e agora exerce a função de jornalista em um dos jornais mais importantes que circula no Japão, voltado para o público brasileiro. Para César, que participou inclusive dos projetos iniciais de confecção de um dos primeiros jornais brasileiro no Japão, muitos brasileiros sentem a sua vida como uma fase transitória, ele, no entanto, afirma que está satisfeito com a sua profissão e não pretende voltar para o Brasil.

César é um caso de dekassegui, ainda minoria, que conseguiu transcender a condição de trabalhador de fábrica contratado por empreiteira. “Eu não tenho intenção de voltar para o Brasil, pelo menos por enquanto, mesmo porque eu tenho um pouco de receio de como está o mercado de trabalho lá, e eu prefiro morar aqui no Japão, por causa de tudo isto que eu já falei, por causa da segurança e porque aqui eu estou podendo trabalhar na minha área” (César, 2005).

“... Eu sinto que as pessoas daqui se sentem assim, como se elas estivessem em uma fase transitória de suas vidas, como se aqui fosse uma fase passageira, e a vida delas estivesse lá no Brasil, então muitas pessoas só querem saber de trabalhar, só querem saber de juntar dinheiro, mas elas não dão conta de que elas estão gastando uma parte de suas vidas aqui no Japão, as pessoas não vão conseguir todo esse tempo de volta, não vão ter esse tempo de volta, mesmo voltando para o Brasil, isso de maneira geral, por outro lado, já tem muita gente comprando imóvel próprio no Japão” (César, 2005).

Vagner de 26 anos chegou ao Japão em maio de 1997, e durante todo esse período, voltou cinco vezes para o Brasil. Largou a faculdade e trocou o trabalho em uma empresa prestadora de serviços do Banco Boston, por um retorno financeiro mais rápido e principalmente por um padrão de vida melhor e aparentemente mais seguro, a custo de muito trabalho “braçal”, seja nas fábricas onde trabalhou ou no atual estabelecimento comercial brasileiro, um misto de mini-supermercado, lanchonete e restaurante com comida e produtos brasileiros. Voltar para o Brasil nesse momento não passa por seus planos, uma vez que não vê aqui possibilidades de garantias financeiras e de futuro.

“Na verdade, penso em morar em outro lugar, que não seja nem no Brasil, nem no Japão, não sei, talvez um lugar que misture um pouco de Brasil e um pouco de Japão, um lugar que fique no meio do caminho, perto do Japão e perto do Brasil, mas eu não faço mais planos, vou deixando acontecer, ainda estou novo, eu só não posso achar que para sempre eu vou estar novo, e que eu não posso me preocupar, mas ainda estou em uma fase que dá para levar... Muita coisa que eu preciso no Brasil, para me garantir, eu já tenho, tenho onde ficar lá, alguma coisa, conseguida com o trabalho daqui” (Vagner, 2005).

“Eu faço planos para o futuro, quero estar bem, não só financeiramente, tem gente que trabalha a vida inteira no Brasil, e não tem nada, então como é que se vai planejar o futuro assim, todo mundo espera o melhor. Às vezes, penso que não era para eu estar no Japão, eu tive oportunidades de morar em outros lugares, e não fui, eu vim aqui para ficar seis meses e já estou há oito anos aproximadamente, então eu já cheguei à conclusão que nem sempre planejar o futuro é bom, então não faço planos, até tenho planos de voltar ao Brasil, mas eu não tenho a menor pressa, por enquanto está bom aqui, está perto de outros lugares, vou, conheço e aprendo em outros lugares...” (Vagner, 2005).