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Movimentos de restrição e a resistência do sujeito: entre a paráfrase e a

4.1 A leitura em (dis)curso: olhares sobre o corpus

4.1.2 Movimentos de restrição e a resistência do sujeito: entre a paráfrase e a

Nessa segunda entrada discursiva- que se entremeia, ora pela contradição, ora pelo alinhamento aos efeitos de sentido circulantes nas sequências discursivas que compuseram a primeira de nossas entradas-, observamos, inicialmente, a retomada, pela memória discursiva, de discursos sobre algumas práticas coercitivas de controle das obras e punições que, historicamente, foram destinadas a sujeitos que ocupariam, nesse dizer, a posição de usuários de instituições (supostamente) dedicadas à leitura, e não de leitores, num movimento de atualização de sentidos já observados em pesquisas anteriores (FERRAREZI, 2007, 2010). Começaremos nossa análise, apresentando dois recortes que integram um conjunto de

discursos dispersos em uma das inúmeras comunidades da rede social Skoob, que reuniria sujeitos os quais, ocupando a posição de leitores, identificariam-se com uma formação imaginária construída para a própria comunidade, bem como para o sujeito-leitor que em sua direção ela desejaria atrair.

Lista Cinza- Denúncias. Esse tópico deve ser usado apenas para os donos

de LVS38 que têm queixas sobre algum participante. Para colocar a pessoa na

lista cinza: * Nome do acusado e perfil; * Número do LV; *Queixa; Não se esqueça de ler as REGRAS DA LISTA CINZA antes de postar (LIVRO VIAJANTE, 2012)

Oi gente, Estou muito chateada mas vim denunciar a participante [...] por

atraso e falta de comunicação no LV 717- Um dia (LIVRO VIAJANTE,

2012)

No caso dessa comunidade em especial, discursiviza-se um desejo de acolher, de abrir- se a “quem adora fazer circular um livro e, com ele, espalhar a cultura”, ou ainda, “quem adora a sensação de novas possibilidades!”. Ao depararmo-nos com tais efeitos de sentido- que, supostamente, fariam parte da mesma formação discursiva na qual estariam inseridos aqueles evocados pelo próprio nome conferido a essa agremiação de leitores, “livro viajante”- seria possível inferir, pelo mecanismo das formações imaginárias (ORLANDI, 2003b), que eles (supostamente) sustentariam um funcionamento discursivo semelhante àquele com o qual nos deparamos em nossa primeira entrada discursiva.

Entretanto, flagramos, nessas duas sequências discursivas, dizeres que vão de encontro àqueles que, na primeira entrada, instalaram efeitos de movimento, liberdade e pluralidade em relação ao livro, a leitura e ao leitor que, nessa página do Skoob, é significado através de sua inscrição em um determinado lugar, a partir do qual seria possível enunciar alguns dizeres, construir determinadas relações com os livros e com os outros sujeitos que também circulam nesse (ciber)espaço.

Logo após ser discursivizada a imagem de sujeito-leitor que, possivelmente, teria mais chances de se identificar com os dizeres que circulam nesse (ciber)espaço, e supondo que essa imagem corresponderia àquela que o sujeito tem da comunidade a qual desejaria pertencer, tal sujeito seria levado a permanecer nessa página eletrônica e explorar dois links que lhe são apresentados e que deveriam, forçosamente, serem visitados, quais sejam, “Parada

38 LVS é uma abreviação do termo “livros viajantes”, utilizado nessa comunidade do SKOOB- Rede social de

Obrigatória” e “Regras do Livro Viajante”. Assim sendo, não bastaria apenas enquadrar-se em um perfil considerado adequado, pois, para ocupar a posição de participante de tal comunidade, o sujeito-leitor/navegador deveria se submeter a um conjunto fechado de “regras” e obrigações, inscrevendo-se, ou sendo inscrito, em uma formação discursiva que não parece abrir-se a muitas e “novas possibilidades”.

Chamou-nos a atenção o embate de sentidos que indiciam, por um lado, o movimento, o desejo de “fazer circular um livro”, “espalhar a cultura”, por outro, a interdição do sujeito- leitor e da leitura. Nesse espaço de contradições, delineia-se uma região de sentidos que atualizam uma série de significantes que sugerem um efeito policial, pelo qual esse (ciber)espaço ganharia contornos de órgão de repressão, delegacia de policia apta a receber as “denúncias” e “queixas” direcionadas não a criminosos comuns, mas aos “participantes” de tal comunidade, cujo crime seria o de não terem seguido as suas regras, atrasando a “viagem” do livro, ou seja, a entrega das obras, que estavam a ler, a um próximo leitor, que estaria incluído em uma lista organizada, a qual não poderia ser maculada.

O significante “viagem” é inserido, aqui, numa rígida ordem, pela qual se estabelece para a mesma, prazos e rotas específicos, que não admitiriam conversão. Tais sentidos de controle não se alinhariam àqueles que, por exemplo, já foram abordados quando analisamos uma postagem publicada no blog da Biblioteca Comunitária do Sítio Vanessa (2013), posto que, neste último, “viagem” evocaria sentidos de libertação de livros, em que a posse de tal objeto é tida como livre.

Do mesmo modo, observamos os embates entre os sentidos atribuídos ao ato de compartilhar que, se em outros recortes apresentados anteriormente, inseriam-se em uma formação discursiva na qual o compartilhamento não poderia significar posse, deslocam-se, aqui, para outro campo discursivo associado a práticas de controle e repressão, que instalam sentidos menos coloridos, mais cinzentos. A cor “cinza” não colocaria em jogo na língua apenas um efeito de sobriedade, sendo mobilizada, nesse discurso, para criminalizar o leitor, re(a)presentar um espaço de denúncia de práticas consideradas subversivas, dignas de serem reprimidas e delatadas, expondo os sujeitos, que aqui ocupariam a posição de infrator, através da inclusão de seu nome em uma “lista cinza” que, pela memória discursiva, nos remete à famigerada “lista negra”.

Estabelece-se, assim, uma implícita relação im-provável entre ambas as listas, produzidas sob condições sócio-históricas de produção bem distintas, que, no entanto, não impedir(i)am a retomada desses sentidos, em uma comunidade virtual de leitores, fazendo

falar aí o ideológico e o político que constituem o discurso, o qual, não sendo dotado de um caráter fixo e previsível, pode sempre se deslocar, significando, de um modo outro, em outros contextos, sob os auspícios da memória discursiva que sustenta as retomadas, bem como a possibilidade de rupturas de sentidos. No caso da Lista Negra, ela traz à luz um já-dito sobre a operação “Caça às bruxas”, melhor dizendo, aos comunistas, que figuravam em primeiro lugar na lista de “inimigos” oficiais do governo estadunidense, em meados do século XX. Após a extensa repetição do termo, relacionando-o ao inimigo vermelho, e à sua subsequente popularização em outros contextos, ele (re)aparece mais uma vez, nessa página eletrônica, para (de)limitar um espaço destinado a aquilo/aquele que não é desejável, aceitável.

Nesse lugar, imaginário, os inimigos, do Estado e da Comunidade Livros Viajantes, aproximar-se-iam, no plano ideológico do discurso, onde ambos assumiriam uma posição de mau sujeito que para Pêcheux (1997b), é aquele que não se filia a uma formação discursiva dominante, instalando sentidos de desarranjo, contraditórios, em relação ao que deles é esperado. Tal posicionamento teria como efeito, a emergência de sentidos de punição, pelos quais o sujeito só poderia ser enunciado como “acusado”, ainda que o desejo de discursivizar a “denúncia” não estivesse presente, como pudemos flagrar na seguinte sequência discursiva: “Estou muito chateada mas vim denunciar a participante”. Tais sentidos, que circulam em uma rede constituída graças às recentes tecnologias de informação e comunicação, sugerem que é tamanha a importância conferida ao ato de comunicar (diferente do que circula sobre o compartilhar), que a sua falha, ou ausência, é motivo de “queixa”, justificativa de inserção do nome, daquele (leitor) sob quem recai tal falta/falha, na “lista cinza”, registro da denúncia, que também seria regida pelas “regras da lista cinza”.

Haveria, assim, um modelo a ser seguido, que orienta os denunciantes, fornecendo as informações que seriam necessárias para formalizar a “queixa”, quais sejam, o nome do acusado, o seu perfil (que aqui não remeteria mais aos sentidos atribuídos ao que é valorizado, e sim rechaçado) e, também, o número do LV, que bem poderia sustentar uma equação linguística pela qual LV=BO (boletim de ocorrência), reforçando os sentidos já tão presos a um discurso policial, de cunho autoritário, que não deixa espaço para a polissemia.

O funcionamento discursivo que foi flagrado nessa comunidade de leitores, no qual sobressaíram os sentidos de restrições impostas aos movimentos de livros e sujeitos-leitores, estaria presente em uma série de outras sequências discursivas, tais como aquelas que colocaram em evidência, na primeira entrada discursiva, os e-feitos de aprisionamento de livros, e, nessa segunda entrada, os discursos que inserem, em um mesmo campo semântico,

sentidos de leitura, culpa e punição/castigo. Este último significante integra uma rede de paráfrases, que há muito vem circulando em diferentes contextos, como por exemplo, o escolar, como pudemos observar em pesquisas anteriores (FERRAREZI, 2010), nas quais a biblioteca escolar seria enunciada como um espaço de castigo, de leitura obrigatória.

Percorrendo a página do Skoob News (2013), no Facebook, flagramos a retomada desses dizeres, que circulam em uma tira, na qual se busca, através de um efeito de riso, instalar um sentido de denúncia acerca do descaso atribuído aos livros e à biblioteca.

(SKOOB NEWS, 2013)

Logo no primeiro quadro que compõe a tira analisada, observamos a circulação de efeitos de questionamento suscitados por um sujeito que, ao emprestar a sua voz a uma personagem que enunciaria da perspectiva de uma criança, naturaliza um efeito de dúvida, de não-saber, bem como de uma inquieta curiosidade que seriam próprios do ser-criança. Por meio de tal representação pueril, são instalados sentidos de desconhecimento em relação ao mundo dos livros (“livros?”, questiona-se no primeiro quadro) e da leitura, que se manteriam afastados dos jovens, inseridos em instituições educacionais que sustentam uma concepção arcaica associada à leitura e à biblioteca. Tais dizeres vão ao encontro de tantos outros que denuncia(ra)m a histórica lacuna na formação de leitores, no desenvolvimento de práticas mais profícuas de leitura, posto que a mesma não seria, como apontam Horellou-Laffarge e Segré (2010, p.138-139),

uma consumação passiva; é descoberta, invenção sempre renovada pelo leitor do sentido do texto, que não é unívoco mas plural. Mesmo que as instituições (a Igreja, a Escola) procurem impor o que é, segundo elas, o verdadeiro sentido do texto, uma leitura legítima, o leitor insinua ‘sempre sua inventividade nas fendas da ortodoxia natural’. A leitura é uma atividade dinâmica, sempre em movimento, feita de antecipações, de previsões, é a apropriação ativa do texto. É feita ‘de avanços, de recuos, de táticas, de jogos com o texto. Ela vai e vem sucessivamente captada, jocosa, protestatária, fugidia’. (Certeau, 1990).

Afastados da concepção de leitura sustentada pelas autoras, estão os dizeres que compõem o terceiro quadro da tira e que funcionariam como efeito de crítica, resposta à indagação inicial. À medida que sustentam o efeito cômico da tira, os enunciados do terceiro quadro sugeririam que, não seria possível a emergência de um efeito de “gosto”, prazer em relação aos livros, quando tal contato com os mesmos, ainda que frequente, para alunos tão travessos, dar-se-ia apenas em uma situação de “leitura” relacionada a outras atividades repressoras, punitivas, caráter este que poderia, também, revestir as práticas de leitura circunscritas nesse rígido espaço da biblioteca escolar, a qual mereceria sentidos de algo “legal” cuja ida seria fato importante a ser relatado, apenas quando a ela não é atribuída uma função disciplinadora.

Na página do Facebook- esse (ciber)espaço aberto à participação do sujeito-navegador, no qual ele é convidado a curtir, comentar e interpretar aquilo que lê-, à voz do sujeito- ilustrador se entremearia a de sujeitos que, (des)identificando-se com os sentidos ali presentes, assumiram um determinado posicionamento, enunciado através dos seguintes comentários postados logo após a publicação da tira:

kkkk na minha era assim

Esse castigo eu ia amar!!!!!!!!!

Todo mundo falando que é castigo bom. Talvez o seja, mas para quem já pegou amor pelos livros. Uma criança vai, claro, associar o lugar a uma coisa negativa, o que é exatamente a crítica da tirinha.

Terrível quando eles implicam que a leitura é como algum tipo de castigo. Já aconteceu comigo e não me espanta ver o tanto de pessoas que não gostam de ler. Isso é quase que ensinado em casa e nas escolas.

O efeito de riso captura o sujeito-navegador que parece se identificar com o que é enunciado por Armandinho, personagem-título de uma série de tiras, publicadas em uma mesma página do Facebook que, por sua vez, conseguiu certa notoriedade, medida, nesse contexto, pelo número de curtidas (475 mil até então) que recebe. Trata-se, portanto, da ocupação de um (ciber)espaço privilegiado que, ao reunir potencialmente um grande número de interlocutores, poderia ser palco de circulação de um discurso polêmico, no qual sejam problematizadas importantes questões, tais como, no caso da postagem analisada, o papel que a biblioteca e a leitura vem ocupando nas escolas do país.

Provocados por esses sentidos dis-postos em rede, nessa página do Facebook, os sujeitos-navegadores deixaram, ali, as marcas de suas vozes, construindo uma pequena teia de efeitos contraditórios acerca do discurso que circula na tira, criando, assim, um efeito de verossimilhança para o mesmo, que o afastaria da aura ficcional atribuída a personagens de quadrinhos. Armandinho não seria, então, a única criança que viu sua relação com a leitura ser construída sob o signo de sentidos que dotar-na-iam de um caráter punitivo, obrigatório, o qual só poderia suscitar efeitos de algo não-desejado. Esses sentidos são corroborados nas últimas duas sequências discursivas. No último recorte apresentado, instala-se um discurso de crítica e descontentamento em relação a tais práticas restritivas e castradoras da emergência de um leitor, em terreno tão infértil. A situação que instalaria uma equação linguística pela qual leitura = castigo é enunciada como algo negativo, “terrível”, adjetivo que ganha ainda mais força quando inserido numa teia de sentidos emersos quando da própria experiência leitora que, nesse contexto, não poderia suscitar outros sentidos que não os de rejeição à leitura que, na perspectiva desse sujeito, são fomentados no âmbito doméstico e escolar, justo onde deveriam brotar aqueles que iriam de encontro a essa interdição do leitor.

Já no terceiro recorte, tal crítica é construída a partir de um discurso de oposição, de contrariedade estabelecida em relação a dizeres que inserem o significante “castigo” em uma formação discursiva diferente, pela qual ele seria algo digno de apreciação (“Esse castigo eu ia amar!!!!!!!!!), que, ao invés de impossibilitar, promoveria o contato prazeroso com a leitura. Em re(l)ação a esses dizeres, contrapõem-se aqueles que circulam no terceiro recorte, no qual, para o sujeito-enunciador, parece “clara”, óbvia a impossibilidade de que o significante “castigo” não signifique uma coisa negativa, ou seja, amor à leitura, castigo e biblioteca não poderiam jamais figurar em uma mesma formação discursiva.

Em nossas frequentes visitas a blogs e páginas de redes sociais, flagramos a repetição do significante “hábito” que, assim como “castigo”, integraria uma rede de paráfrases que busca naturalizar uma relação com a leitura, efeito este que foi discursivizado, também, em nossas pesquisas anteriores. (FERRAREZI, 2010). Consideramos que “hábito” é termo que há muito vem se repetindo em discursos de cunho autoritário, muitos deles, atrelados à leitura. Significada deste modo, ler seria uma prática pouco fecunda, alijada de sentidos outros, que discursivizariam a existência de práticas mais fecundas, criativas e prazerosas. É interessante observarmos como, nas sequências discursivas que trazemos aqui, o significante “hábito” participaria de um movimento pelo qual o discurso autoritário seria camuflado pelo discurso polêmico, de modo a (res)significar uma relação (desejada) com a leitura, materializada em

diferentes espaços da Web dedicados, especialmente, a projetos e outras iniciativas de incentivo à leitura, que fazem falar os sentidos de importância e democratização da mesma (por exemplo, nos recortes: “sem importar a classe a que um pertença”, “formar novos leitores”), aos quais, pela contradição, estariam associados a um “hábito” significado como “contagioso”, “imposto”, ou seja, que não se remeteria a dizeres desejados e valorizados em relação à leitura, dentre outros em que se delineiam esse funcionamento:

O hábito de leitura tem que estar mais imposto na sociedade, sem importar a classe a que um pertença. (LER É 10, 2011)

Leitura, um hábito contagioso. (LIVROS COLETIVOS, 2013)

O Livro Livre é uma iniciativa do Jornal de Debates que visa difundir o

hábito de leitura de formar novos leitores. (LIVRO LIVRE, 2012)

Você doa um livro. Nós o incluímos em uma cesta básica. Juntos, vamos criar o hábito da leitura em pessoas que têm acesso restrito

a livros. Acompanhe aqui as novidades do Projeto Leitura Alimenta.

(LEITURA ALIMENTA, 2013)

Recicla Leitores deseja através de doações de livros motivar e cativar a

comunidade para o hábito da leitura [...] Acredita-se que quanto mais

livros estiverem à disposição da população e nos espaços por onde ele circula, mais leitores surgirão. Consolidando a ideia de que a LEITURA precede a ALFABETIZAÇÃO e vai além dela mesma. Aguardamos a sua doação, maiores informações em nosso site. (RECICLA LEITORES, 2013)

Os sentidos que apregoam a leitura como “hábito” que “tem que estar mais imposto”, podem, em outros discursos, como o que circula na próxima sequência discursiva, ser desconstruídos, a partir de um efeito de crítica ao discurso autoritário que os sustentariam e que seriam ainda flagrados nas práticas (de leitura) escolares, indo de encontro aos desejos do sujeito:

Infelizmente, ainda hoje deparamos com práticas de leitura impostas pela escola de forma autoritária, insensível à biblioteca viva que cada aluno traz em si e à nova demanda de leitores (LABORATÓRIO DE LEITURA MONSENHOR ANTÔNIO RAIMUNDO DOS ANJOS, 2012).

Julgamos que a essa rede de sentidos restritos para a leitura, no qual circulam os significantes “hábito” e “castigo”, juntam-se aqueles que, a partir de outro funcionamento discursivo, chamam-nos a atenção para a retomada de um dizer sobre as práticas de controle

dos movimentos de interpretação dos sujeitos-leitores, através de ferramentas pedagógicas como os guias, roteiros de leitura:

O guia de leitura é normalmente desenvolvido para abordar alguns tópicos que são interessantes de serem discutidos e ajuda o leitor a orientar a sua leitura. O guia da leitura deverá ser lido depois do livro. As perguntas podem ser do tipo: 1. O livro funcionou no seu objectivo? 2. Se sim, porquê? [...] (CLUBE DE LEITURA, 2013)

Nesses e outros recursos utilizados secularmente no meio escolar tradicional, são valorizadas as redes de paráfrases, as perguntas fechadas, que interditam para o sujeito- aluno/leitor a possibilidade de produzir sentidos que vão além de uma escolha entre sim ou não. Nesse tipo de questão direcionada a esse sujeito, busca-se controlar a interpretação dos sentidos, que emergem durante um movimento de leitura perpetrado pelo sujeito-leitor, que veria seu trabalho crítico ser cerceado, em razão dessa crença na ilusória univocidade da língua, que vai de encontro a tudo em que, como analistas do discurso, acreditamos.

Como num movimento de resposta a esses dizeres, flagramos, nas próximas sequências discursivas, os sentidos de crítica e denúncia a essas restrições im-postas para os sujeitos-leitores, ao mesmo tempo em que se busca inseri-los numa região de sentidos na qual é possível a emergência de discursos sobre “direitos” e não apenas deveres ou obrigações. Isso sugere que, nessa formação discursiva, seria dada ao sujeito a possibilidade de escolhas relacionadas à (não) leitura, em que lhe permitido não apenas ler, mas ler o que se quer (“o direito de ler nãoo importa o quê”), de escolher o local (“o direito de ler não importa onde”, “o direito de ‘colher aqui e acolá’.”), os modos de ler (“o direito de pular as páginas”, “o direito de reler”, “o direito de ler em voz alta”) ou, simplesmente, abster-se da leitura (“o direito de não ler”, “o direito de não terminar de ler o livro”).

Nesse discurso, ao invés de ser levado à leitura pela obrigação, o sujeito-leitor se aproximaria das práticas leitoras pela via do desejo, cuja tamanha intensidade o capturaria em uma posição em que sua identificação com o mundo dos livros chegaria ao extremo de levzá- lo a contrair uma “doença”, de cunho não- patológico, mas literário, transmitida por sua íntima relação com o texto que, dificilmente, seria construída e enunciada em contextos nos quais prevalecem a imposição e o controle da leitura.

Direitos imprescritíveis do leitor 1.O direito de não ler.

2.O direito de pular as páginas.