• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: CÂMERA REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 Educação política: formação em espaços não escolares – movimentos sociais e

2.3.1 Movimentos sociais: algumas concepções

Não há tempo, espaço, teorias, sistemas, regras pré-estabelecidas, profissionais ideais no simples ato de ensinar e de aprender. As pessoas aprendem e ensinam umas às outras e umas com as outras em família, ambientes religiosos, comunidades, associações, bem como nos diversos movimentos populares [incluem-se sem terra e sem teto, ambientalistas,

indígenas, atingidos pelas barragens, campesinos, de mulheres, LGBTTTS85, afro-brasileiros, estudantil etc], nos sindicatos, partidos políticos, ONGs, redes sociais, presenciais e/ou digitais, fóruns, conselhos gestores, entre outros. Portanto, cada grupo social pode criar e desenvolver estratégias, recursos, métodos e espaços educativos para ensinar crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos de acordo com as suas necessidades e interesses, mesmo em lugares onde não haja educação escolar (BRANDÃO, 1995).

Diante dessa constatação, Maria da Glória Gohn (2011) complementa que existem três áreas na educação: a formal representada pela escola; a não formal, voltada para a formação e a construção da cidadania; e a informal, que se desenvolve em família. A autora, assim como Carlos Rodrigues Brandão (1995), prossegue com a reflexão de que há uma relação intrínseca entre movimento social e educação, a partir das ações práticas de movimentos e grupos sociais.

Para Maria da Glória Gohn (2011), essa relação

foi construída a partir da atuação de novos atores que entravam em cena, sujeitos de novas ações coletivas que extrapolavam o âmbito da fábrica ou os locais de trabalho, atuando como moradores das periferias da cidade, demandando ao poder público o atendimento de suas necessidades para sobreviver no mundo urbano. (GOHN, 2011, p. 334).

Maria da Glória Gohn (2008a; 2008b) define movimentos sociais como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico, econômico e cultural que buscam viabilizar diferentes maneiras de organização e expressão das demandas da sociedade. De acordo com a autora, os movimentos possuem os seguintes elementos constituintes:

demandas que configuram sua identidade, adversários e aliados, bases, lideranças e assessorias – que se organizam em articuladores e articulações e forma redes de mobilizações; práticas comunicativas diversas que vão da oralidade direta aos modernos recursos tecnológicos; projetos ou visões de mundo que dão suporte a suas demandas; e culturas próprias nas formas como sustentam e encaminham suas reivindicações. (GOHN, 2008b, p. 14).

Alan Touraine (2006) define movimento social como

a combinação de um conflito com um adversário social organizado e da referência comum dos dois adversários a um mecanismo cultural sem o qual os adversários não se enfrentariam, pois poderiam se situar em campos de batalha ou em domínios de discussão completamente separados – o que impediria, por definição, tanto o conflito e o enfrentamento quanto o compromisso ou a resolução de conflito. (TOURAINE, 2006, p. 19).

De acordo com Alan Touraine (2006, p. 18), o essencial “é reservar a ideia de movimento social a uma ação coletiva que coloca em causa um modo de dominação social

generalizada”. Contudo, o autor adverte que movimento social não é qualquer tipo de ação coletiva. Segue afirmando que

uma relação social de dominação só pode suscitar uma ação que mereça o nome de movimento social se atuar sobre o conjunto dos principais aspectos da vida social, ultrapassando as condições de produção em um setor, de comércio ou de troca ou, ainda, a influência exercida sobre os sistemas de informação e de educação. O amplo recurso feito à noção de capitalismo, apesar da polissemia desse termo, indica bem o espírito com que foram conduzidos os estudos clássicos sobre os movimentos sociais. Trata-se de estudar os movimentos que colocam em questão condições particulares, isto é, em domínios socialmente definidos, uma dominação que, em sua natureza e em suas aplicações, tem um impacto geral. Essa afirmação conduz diretamente a uma segunda, a saber, que só há movimento social se a ação coletiva [...] se opuser a tal dominação. (TOURAINE, 2006, p. 19).

Ao comporem um mapeamento da educação crítica, a qual denomino, neste estudo, de educação política, os autores Michael Apple, Wayne Au e Luís Gandin (2011) descrevem oito tarefas, nas quais os pesquisadores da educação e a análise crítica devem engajar-se. Entre essas, uma orienta que os educadores, ao trabalharem com uma perspectiva político- pedagógica, devem “agir juntamente com os movimentos sociais apoiados por seu trabalho ou com os movimentos contra os pressupostos direitistas e com as políticas que analisam criticamente”. A partir do conceito de Antônio Gramsci (1995)86

, os autores seguem afirmando que, dessa maneira, a “formação acadêmica em educação crítica de fato implica tornar-se um “intelectual orgânico”” (APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 16).

Na EJA trabalhadores, educação e trabalho são indissociáveis. Segundo Antonio Gramsci (1995), em qualquer situação, mesmo nos trabalhos mais braçais, há atividade intelectual criadora empreendida. Sendo assim, todos os homens são intelectuais, embora nem todos desempenhem funções de intelectuais em nossa sociedade (GRAMSCI, 1995).

Para Antonio Gramsci (1995), na classe trabalhadora o intelectual não é alguém que surge de fora. O trabalhador é o intelectual. Nessa perspectiva, os movimentos sociais produzem seus próprios intelectuais orgânicos, e são esses os que poderão comandar a revolução cultural. Michael Apple, Wayne Au e Luís Gandin (2011) também reconhecem a importância dos movimentos sociais na mudança de concepções acerca das significações de democracia e cidadania, em nossa sociedade.

De acordo com Maria da Glória Gohn (2011), os movimentos sociais das décadas de 70 e 80 contribuíram, a partir de demandas pontuais e das pressões organizadas, para a conquista de novos direitos sociais à época. Alguns deles inscritos na Constituição Federal de

86 Todo grupo social, com exceção dos camponeses, engendra seus próprios intelectuais, os quais, juntamente

com sua classe, assumem a função de representá-la e conscientizá-la, assegurando a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam. Todos os homens são intelectuais, mas nem todos assumem essa função na sociedade. (GRAMSCI, 1995).

1988. Segundo a autora, no início da década de 90, começaram a surgir no Brasil “outras formas de organização popular, mais institucionalizadas”, denominadas fóruns, como: Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, Fórum Nacional de Participação Popular, entre outros. Para a especialista, tais espaços “estabeleceram a prática de encontros nacionais em larga escala, gerando grandes diagnósticos dos problemas sociais, assim como definindo metas e objetivos estratégicos para solucioná-los” (GOHN, 2011, p. 342).

Gohn expõe ainda que outros movimentos foram surgindo à medida que as políticas neoliberais avançavam na década de 90, a saber: contra as reformas estatais; Ação da cidadania contra a fome; dos desempregados, aposentados ou pensionistas; dos perueiros (transporte alternativo), caminhoneiros; pela paz, contra a violência urbana; mulheres; homossexuais; afro-brasileiros87; indígenas; funcionários públicos, especialmente os da educação e os da saúde; ecologistas; dos direitos humanos. Alguns, no entanto, atuavam mais no âmbito das ações coletivas em “respostas à crise socioeconômica” (GOHN, 2011, p. 21).

Os Fóruns de EJA do Brasil, assim como anteriormente mencionado, a partir de Antonio Gramsci (1995), têm a capacidade de engendrar seus próprios intelectuais orgânicos. Alguns coincidentemente com vínculos acadêmicos88, como Jane Paiva, Jaqueline Ventura, Leôncio Soares, Maria Clara Di Pierro, Maria Luiza Pinho Pereira [Angelim], Maria Margarida Machado, Renato Hilário dos Reis, entre outros, têm contribuído enormemente na produção do conhecimento e formação político-pedagógica dos integrantes dos Fóruns em diferentes espaços e pelos diversos meios disponíveis.

Para além dessa dimensão, os Fóruns de EJA, segundo Maria Clara Di Pierro (2005),

funcionam como espaços públicos de gestão democrática e controle social das políticas educacionais. São espaços abertos, que possuem baixo grau de institucionalidade, têm caráter suprapartidário, reúnem uma pluralidade de organismos governamentais e não-governamentais e combinam atividades de informação, formação, mobilização e intervenção. (DI PIERRO, 2005, p. 1130).

Outro ponto importante é que os Fóruns conseguem reunir diversos segmentos da sociedade civil e, inclusive, construir um diálogo com o Estado na proposição de políticas públicas, respeitando a diversidade e a autonomia de cada segmento envolvido. Esse diálogo é um diferencial entre os movimentos sociais, haja vista que os Fóruns convidam o governo para comporem, como parte integrante, o movimento a fim de discutirem e construírem

87

Movimentos de construção de identidade e luta contra a discriminação racial (GOHN, 2011).

88 Os Fóruns de EJA do Brasil possuem intelectuais orgânicos na maioria dos segmentos que o compõem. No

propostas de políticas públicas de Estado para a EJA trabalhadores, como abordado na seção 1.3.1.

Nesse sentido, os Fóruns se constituem como campo de disputas, tensões e tensionamentos. Porém, também como espaço de encaminhamentos, produção coletiva do conhecimento e formação político-pedagógica no qual se busca o exercício constante da troca de vivências e saberes em prol da EJA trabalhadores, de forma solidária.