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4 SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

4.2 MOVIMENTOS SOCIAIS E SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL

Essas fases podem ser assim periodizadas: “1º) dos meados do século XX até a década de 70. 2º) Os anos 70. 3º) Os anos 80. 4º) a perspectiva para os anos 90” (SCHERER- WARREN, 1993, p. 14). Para o nosso objetivo, a discussão irá se concentrar principalmente nas duas últimas fases39. Nos anos 80 a categoria movimento social assume referência central nos estudos de caso feitos em toda América Latina. Em relação às fases anteriores, observa-se um conjunto de mudanças significativas.

Em primeiro lugar, há uma mudança nas análises em termos de processos históricos globais para estudos de grupos específicos organizados ou identidades restritas. Em segundo, há ênfase nos elementos inovadores nessas formas de organizações e no seu modo de fazer política, sugerindo-se que uma nova cultura política popular e de base estava sendo gerada na América Latina (MASCOTT, 1997; ALVAREZ, DAGNINO e ESCOBAR, 1998).

Segundo Scherer-Warren, do ponto de vista da cultura popular, esta passou a ser vista como positiva, na medida em que os enfoques anteriores ressaltaram aspectos negativos como: o arcaísmo para os funcionalistas e estruturalistas, como sendo ilógica e irracional para os políticos liberais, como sendo alienada e falsa consciência para os marxistas e mesmo particularista. Nos anos 80 os cientistas sociais buscaram na cultura popular os aspectos políticos positivos de sua espontaneidade, autenticidade e comunitarismo.

Destaca-se também, uma mudança nas categorias de análise. A categoria de classe social é substituída pela de sujeito social, para uns e, de ator social, para outros. E a de luta de classe é substituída pela de movimento popular e/ou de movimento social. Em lugar da tomada revolucionária do poder, passa-se a pensar em transformações culturais e políticas substantivas a partir da cotidianidade dos atores envolvidos. Particularmente, buscou-se esse potencial em sujeitos múltiplos, como os movimentos urbanos, nas comunidades eclesiais de base, nas lutas pela terra, moradia, nos movimentos de mulheres, nos ecologistas, nos grupos jovens, nos sindicatos, nos movimentos de defesa dos direitos humanos e de defesa étnica.

Contudo, apesar das mudanças de ênfase durante o período observado, faltou uma definição do conceito de movimento social. Segundo Scherer-Warren (1993, p. 18) “para alguns, toda a ação coletiva com caráter reivindicativo ou de protesto é movimento social,

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Ver também: GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

independente do alcance ou do significado político ou cultural da luta”. Mais problemático ainda, segundo a autora, encontra-se no fato de que, ao se reduzir o fenômeno dos movimentos sociais a uma categoria empírica, fragmentou-se a produção e dificultou-se a construção de conceitos genéricos e de categorias teóricas. Esse tipo de situação pode ser observada na formulação de recortes temáticos, como é o caso dos movimentos sociais urbanos. À luz das teorias de Castells, Borja e Lojkine, centradas na lógica das contradições urbanas e na relação entre os movimentos sociais e o Estado.

Um outro enfoque, desse período, distinto do anterior “considera movimento social apenas um número muito limitado de ações coletivas de conflito: aquelas que atuam na produção da sociedade ou seguem orientações globais tendo em vista a passagem de um tipo de sociedade a outro”. (SCHERER-WARREN, 1993, p.18). Menos influente do que os autores mencionados anteriormente, Alain Touraine, de acordo com SCHERER-WARREN, é a referência mais expressiva dessa perspectiva. Para ele, movimentos sociais seriam aqueles que atuam no interior de um tipo de sociedade, lutando pela direção do seu modelo de investimento, de conhecimento ou cultural. Além desses movimentos o autor ainda menciona os movimentos históricos que lutam pela mudança de um tipo de sociedade para outro, como os movimentos nacional-populares que marcariam alguma presença em países latino- americanos.

Essa fase foi identificada por Cardoso (2004, p. 81) como “a emergência heróica dos movimentos”. E assim como Scherer-Warren, aqui também se destaca o espontaneísmo dos movimentos associado à idéia de autonomia, ou seja, a percepção de que realmente constituíam algo novo, que haveria uma mudança na cultura política. No entanto, ao contrário da fase anterior, os anos 90 são marcados por uma leitura bastante diferente, em especial fala- se de refluxo, de cooptação e da institucionalização dos movimentos sociais.

Os anos 90, portanto, se caracteriza fundamentalmente pelo processo de redemocratização, quando o sistema político começa a abrir novos canais de comunicação e de participação até então parcialmente bloqueados. É a fase em que os movimentos sociais começam a se relacionar com os partidos políticos e com as agências do Estado. Mas também houve uma resposta por parte do Estado, porque ele havia se modificado. Isso foi fundamental para a aceitação da idéia de conselhos com o modelo de participação, proveniente dos movimentos sociais (CARDOSO, 2004, p. 86-87).

Segundo Gurza Lavalle, Castello e Bichir (2004), essa fase pode ser caracterizada principalmente por quatro fatores: o primeiro diz respeito especialmente à reabertura da arena

política e seus atores tradicionais, a construção de conexões entre demandas populares e os circuitos de representação de interesses próprios ao sistema político, o engajamento de parte dos atores societários criados no contexto da ditadura na construção de atores propriamente políticos. O segundo, diz respeito a exaustão e o desgaste inerente ao ativismo de atores que não atingem patamares de institucionalização capazes de institucionalizá-los. O terceiro, relaciona-se a institucionalização e cristalização desses atores sob lógicas coorporativas, ou seja, a desmobilização ocasionada não pelo desgaste, mas pela cooptação. Por fim, a emergência das ONGs. Acompanhada por uma discussão que passou a tratar a emergência dessas organizações em termos de terceiro setor, querendo significar que não atuavam nem pela lógica do Estado, nem pela lógica do mercado (FERNANDES, 1994). A emergência e proliferação dessas organizações coincidem com a discussão e implantação da reforma do Estado, sob o argumento de torná-lo mais eficiente e mais eficaz.