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CADA UM

ACREDITAR SOMENTE NAS NOSSAS PRÓPRIAS FORÇAS NOS LEVA À ARROGÂNCIA, AO ORGULHO E AO EGOÍSMO, E ESSES TRÊS ELEMENTOS NÃO NOS ALIMENTAM, MUITO PELO CONTRÁRIO, ELES NOS LEVAM À ESCASSEZ. O DESERTO NOS FAZ VIVENCIAR A HUMILDADE, A COOPERAÇÃO E A FRATERNIDADE; ENFIM, A ABUNDÂNCIA.

É

impressionante notar, e isso acontece com pessoas em todas as expressões de religiosidade, o fato de que existem indivíduos que passam anos vivendo em profundo desequilíbrio, mas um dia, ao serem tocados pelo Evangelho vivo do Cristo, transformam-se de maneira arrebatadora. Outros, que já nasceram em lares cristãos ou que têm uma vida religiosa intensa, postergam, no entanto, mudanças essenciais em suas próprias vidas.

Nesse caso, trata-se, não raro, de uma frequência mais semelhante ao cumprimento de uma tarefa, como ir à missa, ao culto ou à casa espírita, como um mero ritual, cumprindo uma tradição familiar, sem que se processe uma mudança pessoal. Mesmo assim, ele(a) ainda reclama, porque a vida não mudou.

Há pessoas, por outro lado, que erram incessantes vezes e continuam insistindo no erro. Diversos personagens que figuram nas narrativas do Evangelho são pessoas terrivelmente equivocadas. Mas, quando elas entendem quem é Jesus e a Sua proposta, operam uma modificação, uma transformação até radical, como acontece com a samaritana no poço, 18 com Zaqueu 19 e vários outros personagens cujas vidas se davam em pleno desalinho com a proposta de Deus para a nossa vida.

Um pergunta, no entanto, fica no ar: por que nem todos mudam depois de um evento significativo, como encontrar Jesus em sua caminhada? Precisamos entender como ocorrem mudanças em nossas vidas para tentar responder a essa questão.

Os eventos considerados transformadores são entendidos como experiências que interrompem as atividades comuns de um indivíduo, causando uma mudança substancial e um reajuste em seu modo de viver, um ponto de inflexão sem retorno. No entanto,

temos que lembrar que os eventos que podem provocar mudanças em nós não têm efeitos uniformes para todos os seres humanos, pois dependem da natureza do evento e da capacidade de cada pessoa de saber como agir. Essa segunda variável – isto é, como cada indivíduo reage – tem a ver com a subjetividade de cada um, por isso, para compreender como eventos transformam nossas vidas, devemos considerar não apenas a ocorrência objetiva do evento em si (encontrar Jesus, por exemplo) mas também como indivíduos específicos experimentam esses acontecimentos, já que a ocorrência deles pode gerar diferentes significados dependendo de quem os vivencia.

As consequências de eventos em nossas vidas vão ser moldadas por nossas inúmeras diferenças individuais, sobretudo nossos recursos psicológicos, como traços de personalidade, valores que abraçamos, objetivos existenciais, crenças religiosas, autoconceito e repertório de experiências de vida.

Vou usar uma história bastante conhecida por todos para mostrar como o mesmo evento – o encontro com Jesus – pode gerar reações diferentes.

Você deve ter ouvido várias pessoas no campo da fé cristã analisando, em detalhes, a história de Maria e Marta. Certamente, também já percebeu que é muito mais que a narrativa de uma leve repreensão de Jesus à meticulosa Marta e seus cuidados com os afazeres domésticos.

No Evangelho de Lucas a história começa:

E aconteceu que, indo eles, ele [Cristo] entrou em certa aldeia, e certa mulher, chamada Marta, o recebeu em sua casa.

E ela tinha uma irmã chamada Maria, que também se sentou aos pés de Jesus e ouviu sua palavra.

serviços, aproximou-se dele e disse: “Senhor, não te importas com o fato de minha irmã me deixar servir sozinha? Lance-lhe, portanto, que ela me ajude” (Lucas 10:38-40).

Vamos ser sinceros, no contexto histórico daquela época, Marta tinha suas razões para estar irritada com a irmã. Naquela época, não era comum homens e mulheres compartilharem o mesmo ambiente, a lei judaica não permitia isso; além do mais, as tarefas domésticas ficavam a cargo das mulheres. Marta estava presa a padrões, e queria que sua irmã também ficasse presa a eles. E, de certo modo, ela pede a Jesus que lembre Maria sobre “seu lugar”. Jesus, porém, sempre quebrando tradições humanas para que compreendamos as leis divinas na sua mais pura essência e para nos fazer enxergar um projeto espiritual para nossas vidas, responde:

Marta, Marta, és cuidadosa e preocupada com muitas coisas. Mas uma coisa é necessária: e Maria escolheu aquela parte boa, que não será tirada dela (Lucas 10:41-42).

Acredito que Marta achou que estava fazendo a coisa mais importante naquele dia, deixar todos os convidados supridos, pois certamente estavam com fome. No entanto, correndo de um lado para o outro, se irritou com a irmã, que, do ponto de vista dela, estava com preguiça e perdendo tempo ouvindo Jesus.

O comentário de Jesus deve ter deixado Marta muito irritada quando disse “Maria escolheu a parte boa”. Escolher a parte boa não é escolher o mais fácil ou o mais belo. Jesus, aqui, nos remete a escolher algo superior às escolhas do cotidiano, muitas das quais nos distraem.

Maria optou pelo transcendente.

Quando comemos, voltamos a ter fome; quando arrumamos a casa, depois temos que arrumá-la novamente. Quando bebemos da água da vida, porém, nunca mais voltamos a ter sede. Muitos de nós só percebe isso na experiência do deserto, quando cessam os diversos afazeres domésticos, de trabalho, bem como as distrações.

Temos um mesmo encontro e duas reações diferentes. Não sabemos o que aconteceu depois: se Marta ficou irritada e foi fazer a comida sozinha ou se apressou a comida e depois se sentou, com Maria, para ouvir Jesus.

Não devemos perder a oportunidade desse encontro, pois a boa parte é o próprio Cristo. Seu sacrifício e seus ensinamentos, sua caridade e amor puro não são apenas a “boa parte”, mas sem dúvida são a melhor parte, a que jamais nos será tirada.

E o que muda na vida dos que se deixam transformar pelo Cristo? Eles não passam apenas a ver a vida de maneira diferente, mas a forma de vivê-la muda também. Muitos de nós, no entanto, esperamos, equivocadamente, que tudo mude sem mudarmos a nós próprios.

Ao mudar de atitude, toda a vida do indivíduo muda também, pois finalmente ocorre a compreensão do que Pedro quis dizer ao afirmar que um gesto de amor cobre a multidão de pecados. 20 Mas deve ser um gesto frequente de amor, não um gesto de amor esporádico pretensamente cobrindo uma sucessão de equívocos. Eis uma visão sobremaneira enganosa e romanceada do Evangelho: “Eu erro 10 mil vezes; faço um gesto de amor e todos os pecados estão resolvidos”. Não! É um conjunto de atitudes renovadas em amor para que toda essa multidão de pecados seja coberta. O Pai entenderá que esse filho mudou.

O FILHO PRÓDIGO