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5. DESAFIOS E CONQUISTAS DOS JOVENS NO PROCESSO

6.1. MUDANÇA DE ATITUDE DIANTE DA RESISTÊNCIA DO

Tendo em vista que cada professor traz, com a sua natureza de ser humano, a sua própria subjetividade, entendemos que cada um naturalmente possui potencialidades e fragilidades de acordo com a forma como se constituiu como sujeito histórico. Em se tratando da minha experiência pessoal, trago características de uma personalidade perfeccionista e bastante metódica que são diretamente refletidas na minha prática pedagógica através da tentativa de planejar e prever cada etapa a ser realizada, evitando, o quanto possível, a ocorrência de imprevistos. O ato da criação coletiva representava, para mim, um grande desafio que preferiria evitar por não me sentir apta para lidar com elementos desconhecidos e com a interpelação dos outros, no caso, alunos e professores, levando-me a agir, preferencialmente, dentro de um limite seguro e sem riscos.

Na prática pedagógica do teatro musical, sempre tive preferência pela realização de espetáculos já existentes, onde o desafio maior estaria na transposição de roteiros, arranjos e coreografias do seu contexto original para o contexto do grupo com o qual o musical seria montado, tendo que lidar minimamente com o trabalho de criação em sala. Por este motivo, ao buscar inspirações para o trabalho do Coral Juvenil antes do início dos ensaios, escolhi levar como proposta, a montagem do musical Across the Universe. Imaginava, com esta escolha, que seria possível concentrar o trabalho do grupo na adaptação do roteiro e dos arranjos e, ao mesmo tempo, realizar um espetáculo que interessasse a todos.

No entanto, fui surpreendida com a reação do grupo diante da proposta, pois ao contrário do que eu esperava, eles não aceitaram a ideia e manifestaram o desejo de realizar um musical inédito. Naquele momento, vi-me numa situação difícil, pois, até então, não via a possibilidade de realizar uma criação. No entanto, por entender que o principal foco do processo de aprendizagem é o aluno e não o professor, aceitei a ideia dos alunos e busquei desvencilhar-me da expectativa que havia criado. Apesar do grande desafio que isto representava, dispus-me a buscar atender a expectativa da turma.

Evidentemente, o sentimento de insegurança veio-me à tona, pois surgiram-me dúvidas quanto à minha capacidade de fomentar a criação de ideias e, somado a isso, saber uni-las para fazer tudo dar certo ao final. No entanto, a partir do momento em que me vi naquela situação, percebendo a determinação dos alunos em lutar para terem suas expectativas atendidas, embora adversas às minhas, foi necessário repensar a minha rigidez e minha insegurança em lidar com o desconhecido e buscar superar o desafio da melhor forma possível. Assim, fui descobrindo aos poucos que o ato de abrir mão das próprias convicções é o primeiro passo para a realização do processo colaborativo de criação, pois, como nos mostra Silveira,

Fazer parte de um coletivo significa ao mesmo tempo deixar de ser você para dar voz ao grupo e potencializar as suas facilidades para acrescentar qualidades aos espetáculos. Ser um autor coletivo requer a destruição de muitos valores impostos pelo mundo e pelas escolas de teatro, que até hoje, parte delas, tem uma visão tradicionalista dos modos de se fazer arte (SILVEIRA, 2011, p. 9).

O fato de aceitar o desafio, no entanto, não me tornou instantaneamente apta a conduzir o trabalho de criação. Algumas tentativas e erros ocorreram até que fosse encontrado o caminho mais adequado para a condução do processo criativo. Conforme relatado no capítulo terceiro, a primeira tentativa começou com uma atividade de construção de personagens realizada em conjunto pela turma. Em seguida, pedi que traçassem cada um, o

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perfil do seu personagem e o trouxessem na aula seguinte. Quando, na oportunidade, solicitei a entrega dos perfis traçados por eles, fui surpreendida novamente ao me dizerem que não haviam feito o que lhes pedi. Encontrei-me mais uma vez em uma situação inesperada e desafiadora.

Naquele momento, impossibilitada de dar seguimento ao planejamento da aula pela falta do material esperado e desprovida de novas ideias, decidi sentarmo-nos e conversarmos calmamente com o grupo para buscar entender o que estava acontecendo e o que era possível fazer para sairmos do impasse. Sem serem indelicados, os alunos colocaram que não se sentiram confortáveis com os personagens criados e que não estavam motivados a dar continuidade àquela ideia. Apesar de ouvir estas queixas, senti, pela segunda vez, a importância da atitude de perceber a energia do grupo e ouvir o que os alunos tinham para dizer. Através desta atitude, foi possível esclarecer os desconfortos e, a partir dali, realizar a primeira mudança de postura por meio da prática da articulação pedagógica de abertura para

a expressão dos alunos.

Esta mudança de atitude ocorreu no momento da aula, quando em busca de atender à expectativa do grupo, decidi recomeçar o processo. Inspirada em experiências teatrais anteriores, conduzi um brainstorm ou ‘tempestade de ideias’ com os próprios alunos para realizar a escolha do tema. Em seguida, com a atividade de improvisação de cenas a partir de ideias criadas por eles mesmos, foi possível perceber o crescimento acentuado do envolvimento dos alunos com o trabalho que estava sendo realizado. A partir dessa atividade, finalmente foi escolhido um tema para o espetáculo que foi consentido por todo o grupo. Após esta experiência, senti-me aliviada e vitoriosa por ter encontrado um caminho possível de ser percorrido através do diálogo e da livre expressão de ideias. Assim, aquele sentimento de insegurança gerado pela interpelação dos alunos, em expressarem suas discordâncias

diante das tarefas propostas de criação dos seus personagens, transformou-se também numa ocasião de aprendizado para nós professores.

Estes momentos iniciais foram decisivos para que eu repensasse a minha postura enquanto educadora e desenvolvesse, durante todos os demais momentos de criação, a minha abertura para receber as opiniões dos alunos e mantivesse a disponibilidade para dialogar com eles a favor de um aprendizado efetivo. Além disso, percebi que era necessário ter flexibilidade para realizar a negociação dos encaminhamentos, assim como superar o medo da criação à medida que passei a contar mais diretamente com a participação dos alunos. Com o tempo, a criação coletiva de ideias e busca por soluções tornou-se uma prática prazerosa, à medida que aprendi a confiar na capacidade do grupo para encontrar as suas próprias respostas. Este aprendizado pôde ser observado por uma das alunas como podemos ver no seu depoimento:

O que me chama a atenção em especial, principalmente na atuação da [da diretora geral] é a capacidade que ela tem de transformar as

coisas, de às vezes chegar, e por mais que ela tenha planejado, ela tá sempre aberta ao que chegar e ela tem a capacidade de transformar aquilo que chega (ANA, 2008).

Esta mudança de postura propiciou o aprendizado de outras articulações pedagógicas como a mediação, o acolhimento e a naturalidade, que, neste sentido, constituem-se como desdobramentos da abertura para a expressão dos alunos, pois todas envolvem o respeito às diferentes ideias e a abertura para o diálogo. Estas articulações também estão diretamente relacionadas com a “observação” e a “sensibilidade” destacadas na abordagem Pontes e que se relacionam com a capacidade do professor de observar o potencial dos alunos e desenvolver a própria sensibilidade para conduzir o processo pedagógico a partir do que os educandos têm para oferecer.

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