• Nenhum resultado encontrado

A mudança é inerente a qualquer língua viva. Assim como mudam os indivíduos, a sociedade e a cultura de que cada língua faz parte, também os sistemas linguísticos sofrem alterações contínuas em todos os seus domínios.

Hoje está consolidada nos estudos linguísticos a concepção de que a mudança das línguas é lenta e gradual, ou seja, nenhuma alteração é abrupta. De acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 126), a mudança linguística “não é uniforme nem instantânea; ela envolve a co-variação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo, e está refletida na difusão de isoglossas por áreas do espaço geográfico”. Essa constatação implica o fato, também delineado pelos autores, de que nem toda variação na estrutura linguística implica mudança linguística, mas toda mudança linguística pressupõe um estado anterior de variação.

Outra característica da mudança linguística é sua regularidade: no desencadear de uma mudança, a variação se torna sistematizável, tendendo à regularidade (FARACO, 2005, p. 50). No entanto, segundo o autor, a regularidade não pode ser vista como categórica, embora assim tenha sido encarada em diferentes modelos teóricos.

Conforme Faraco (2005), a constatação de que a mudança linguística é regular impulsionou o chamado método comparativo no início do século XIX, um dos primeiros modelos a tratar da mudança linguística. O objetivo dos estudos comparatistas era encontrar a protolíngua, ou língua-mãe, e o método estava fundamentado em duas hipóteses, segundo Tarallo (1990, p. 29-30): a de que línguas distintas tinham relação histórica entre si, e a hipótese da regularidade das mudanças linguísticas. A técnica dos comparatistas consistia em elencar palavras cognatas de diferentes línguas, semelhantes em forma e sentido, e, pela comparação, estabelecer a protolíngua.

Os estudos comparatistas carregam o mérito do avanço no que se refere ao mapeamento de diferentes línguas, ao conhecimento da relação entre elas e ao estabelecimento de famílias linguísticas. Conforme Câmara Jr. (2006 [1975], p. 51), os estudos comparatistas, especialmente da família indoeuropeia, foram decisivos para que a abordagem histórica da linguagem se estabelecesse como ciência. No entanto, por não considerarem a variação existente nas línguas por eles observadas, em decorrência do método empregado, seus resultados não possibilitam qualquer análise sobre o percurso pelo qual cada língua passou.

Em contrapartida aos estudos comparatistas surge o movimento neogramático que, também pautado no princípio da regularidade da mudança, argumentaria que qualquer mudança fonética é regida por leis que não admitem exceção. Se, dado o contexto para aplicar-se a lei fonética, ela não se aplica, decorre isso da analogia – uma força paradigmática do sistema que fez com que em determinado contexto a lei deixasse de ser aplicada. Nas palavras de Câmara Jr. (2006 [1975], p. 94),

a analogia era vista como a única exceção possível nos resultados regulares da lei fonética. A mente humana, associando formas distintas por seus significados ou semelhança de sons, foi vista como capaz de interferir no desenvolvimento natural dos sons, contrariando a esmagadora força de uma lei fonética no caso de algumas formas, postas em associação mental com outras formas, bastante diferentes, que resultaram de outras leis fonéticas.

A diferença essencial entre comparatistas e neogramáticos está no método e no objetivo final de sua busca: comparatistas estudavam línguas antigas na busca pela língua que dera origem às demais, e neogramáticos buscavam entender a natureza da mudança a partir do estudo rigoroso de línguas vivas. Além disso, os neogramáticos ofereceram o conceito de analogia como explicação para os casos em que a regularidade das leis fonéticas não era alcançada, ao passo que os comparatistas tratavam-nas como exceções casuais (FARACO, 2005, p. 141).

Neogramáticos defendiam também que a origem da mudança está no indivíduo, e se espalha em virtude da comunicação, por isso os estudos da linguagem deveriam relacionar-se à psicologia. Os neogramáticos receberam muitas críticas de seus contemporâneos: pela concepção da lei fonética como categórica, pelo uso geral de analogia – um termo vago – para explicar a não aplicação da lei fonética, e, por fim, por relacionarem demasiadamente a mudança linguística ao indivíduo. Este último aspecto mereceu especial argumentação na obra que impulsionou a Teoria da Variação.

Tanto comparatistas quanto neogramáticos se propunham a estudar o que era homogêneo nos sistemas a fim de chegar à protolíngua ou entender como a mudança linguística se processava. Assim também Saussure, ao estabelecer a dicotomia língua/fala, focalizando a primeira, um sistema abstrato, como o objeto de estudo da linguística, observa que o uso individual da língua, a fala, não se prestava à descrição. Saussure (1972, p. 21) ressalta a homogeneidade do sistema ao mencionar a dicotomia significante/significado, afirmando que “entre todos os indivíduos assim unidos pela linguagem, estabelecer-se-á uma espécie de meio-termo; todos reproduzirão – não exatamente, sem dúvida, mas aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos”. De acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 56), essa passagem do Curso revela que Saussure entendia a heterogeneidade como uma imprecisão de desempenho. Afirmam também que, tanto para Hermann Paul, um neogramático, quanto para Saussure, estruturalista com formação neogramática, “a variabilidade e a sistematicidade se excluíam mutuamente” (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968], p. 87).

No paradigma gerativista a heterogeneidade não teve tratamento distinto dos modelos anteriores; uma vez que se busca entender a competência e não o desempenho, para os gerativistas a diversidade não apresenta relevância teórica.

Será a Sociolinguística Variacionista, como veremos na próxima seção, o modelo que se propõe a tratar da mudança linguística considerando a heterogeneidade da fala.