• Nenhum resultado encontrado

Mudanças corporais referidas

CAPÍTULO IV – CASOS: JÚLIA E MARCOS

V.2. Mudanças corporais referidas

Quando questionados acerca de possíveis alterações corporais percebidas desde o início da participação no grupo, os usuários apontaram: melhora do alongamento; maior cuidado com o corpo e postura; vontade de fazer alongamentos; melhora dos movimentos; efeitos psicológicos; redução da dor.

Apesar do alívio das dores ter sido um motivo citado por 6 entrevistados para sua participação no grupo e por 7 deles quando perguntados a respeito dos efeitos trazidos pelo grupo, apenas 3 apontaram a redução da dor como uma mudança percebida em seus corpos a partir de sua iniciação no grupo. Como os

efeitos do grupo foram obtidos por meio da pergunta O que você sente quando

participa do grupo?, as respostas devem fazer referência aos efeitos mais

momentâneos, àqueles sentidos logo após os encontros.

As mudanças corporais referidas foram reunidas a partir da pergunta Você percebe alguma diferença em seu corpo desde que iniciou o grupo? e, dessa

forma, abarcaram os efeitos mais duradouros obtidos com a participação nos grupos. Nesse caso, as mudanças corporais mais relatadas pelos entrevistados não foram o alívio da dor e, sim, o aprendizado corporal de posturas e uso mais apropriado do corpo, seja no trabalho ou no cotidiano, que podem também contribuir para o alívio da dor:

Percebo que eu comecei a corrigir a minha postura... é uma diferença tremenda, antes eu não tava nem aí, ficava de qualquer jeito, principalmente assim na questão do trabalho. Agora eu já sinto mais diferença, você se sente mais leve, sente que você tá cuidando, né? (Maria, técnica de enfermagem)

... E de manhã, eu tinha o hábito de pular da cama, mas hoje não. Meu marido fala se eu não vou levantar e eu digo que a gente tem que se espreguiçar bastante! (Diana, vendedora)

Em casa, eu também faço os exercícios (...) meu alongamento melhorou bastante, hoje eu consigo uma soltura melhor do meu corpo. Eu vivia muito contraída, com o ombro

139 muito mais pra frente... eu tomei uma consciência melhor do movimento do meu corpo (Cláudia, operadora de produção)

Na verdade, eu tento me corrigir fora daqui, a postura de sentar, andar. Eu aprendi muita coisa para lidar com o corpo, eu não sei muito bem explicar, mas eu aprendi...(Janaína, operadora de produção)

Nesse último trecho, Janaína revela que percebeu mudanças corporais que ela não sabe muito bem explicar, o que coincide com a concepção fenomenológica de corpo apresentada por Merleau-Ponty (131). Para esse filósofo, “o corpo não é um meio intermediário entre o mundo exterior e a consciência, mas possui uma inteligibilidade, uma intenção, um sentido de totalidade que se manifesta no movimento” (129) (p. 53). Merleau Ponty considera que a relação homem-mundo é corporal porque “eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes, sou meu corpo” (131), (p. 207-208).

A análise dos relatos dos entrevistados aponta para um maior cuidado com o corpo a partir da vivência da técnica Klauss Vianna. Essa técnica propicia uma experiência sensível com o próprio corpo, por meio da dança e da experimentação de vários movimentos e posicionamentos do corpo no chão e no espaço, e propicia uma ampliação da ‘escuta do corpo’ (37) e de suas necessidades. Com a utilização dessa técnica nos grupos, nota-se que os pacientes passam a fazer mais referências ao próprio corpo, aos locais mais sensíveis e aos exercícios que mais lhes trazem conforto. Isso é muito importante porque as escolhas corporais que irão fazer, na adoção de posturas no grupo ou no cotidiano, dependerão da atenção que puderem dispensar às necessidades corporais. Assim como discorreu Pierre Lévy (132) a respeito do papel da medicina e de suas técnicas na mediatização do ser humano consigo mesmo:

Nada como as pequenas coisas, que não parecem dizer nada, mas que são muito importantes. Por exemplo, aquilo que comemos: eu sei que quando como certas coisas, quando eu bebo certas coisas, isso me faz mal; meu vizinho,

140 ele come as mesmas coisas, ele bebe a mesma coisa e isso não lhe faz nenhum mal. Simplesmente, esta capacidade de escutar e de saber aquilo que nos faz mal, ao invés de comer a mesma coisa que os outros, só porque é isso que se deve comer... Portanto, eu penso a educação em saúde, entre outras coisas, como uma educação à sensibilidade a si mesmo e ao seu próprio corpo, uma atenção ao corpo.

Ainda com relação às mudanças corporais referidas a partir da experiência com a técnica Klauss Vianna, outros relatos dos entrevistados evidenciaram a unidade entre o corpo e a mente:

Eu me sinto mais livre em todos os aspectos, tanto para conversar quanto para andar, fazer algum tipo de trabalho. Porque eu tinha muita dificuldade no agachar, para levantar e mesmo no sentar, mas agora eu tenho mais tranqüilidade (...) E quando a gente conversa, a gente abre mais a mente, sobre como a gente deve agir (Jaime, carregador)

Quando eu faço o grupo, eu sinto que fico com mais iniciativa, eu fico mais animado... Eu andava mais duro, mais tenso, hoje eu ando com mais facilidade, mais relaxado, não que eu não sinta dor quando eu estou andando... eu sinto dor, mas eu sinto que é melhor, antes eu ficava mais travado (Luiz, eletricista)

O jeito de andar, a postura minha já tá melhorando, o alongamento também... E não tem só a parte física do grupo, a parte da cabeça também dá uma melhorada... Porque a dor no ombro não é só de carregar peso, quando eu fico tenso, nervoso, também dói mais. Então, se diminui a tensão, a dor também melhora (Sebastião, operador de produção)

Os relatos acima podem parecer uma contradição ao que foi dito anteriormente a respeito das diferenças culturais de gênero para lidar com a dor crônica e uma maior compreensão e adaptação das mulheres diante dessa experiência. Os trechos das entrevistas acima sugerem que os três homens compreendem a necessidade de convívio e manejo da dor crônica. Isso pode ter ocorrido porque, apesar de dois deles estarem freqüentando o grupo há menos de

141 seis meses quando foram entrevistados, os três relataram já ter percorrido muitos serviços de saúde, o que deve ter resultado num acúmulo de informações acerca dos limites dos tratamentos paras as dores crônicas. Entretanto, em outros momentos das entrevistas, os três informantes confirmam a dificuldade de aceitação frente à permanência da dor e a vontade de extirpá-la:

Os exercícios vão ajudando a gente, pra gente poder aprender a conviver com o problema para poder eliminar ele, né? (Jaime, carregador)

Eu fico com medo de fazer cirurgia, mas eu tenho vontade, pra ver se eu elimino de uma vez por todas esse problema (Luiz, eletricista)

Eu já fiz cirurgia no ombro esquerdo... o médico falou para eu melhorar mais o esquerdo, para fazer no direito também (Sebastião, operador de produção)

Documentos relacionados