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2.1 PRÁTICA DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL

2.1.1 Mudanças na Saúde Mental e os reflexos na assistência de

As transformações necessárias na assistência de Enfermagem só avançarão se os conhecimentos produzidos nesta área adotarem novos rumos uma vez que ocorreram mudanças importantes na compreensão da Saúde Mental (BARROS; EGRY, 1994). É importante então explicitar como se deram essas mudanças.

No século XVIII, a assistência de Enfermagem era relacionada ao tratamento moral de Pinel e da psiquiatria descritiva de Kraepelin, de forma que o papel terapêutico dos enfermeiros se destinava a assistir o médico, manter as condições de higiene e utilizar medidas hidroterápicas, uma vez que se acreditava que os pacientes com transtornos mentais eram ameaçadores e, por isso, sujeitos à reclusão (VILLELA; SCATENA, 2004).

Segundo Resende (1987) a criação do Hospício Pedro II, em 1852, assinala o marco institucional do nascimento da psiquiatria e da Enfermagem Psiquiátrica no Brasil. Nessa época a Enfermagem era exercida pelas irmãs de caridade e atendentes, com ações caracterizadas pela repressão e punição, além de diversas denúncias de maus tratos, superlotação, falta de assistência médica, pouca qualificação e crueldade dos atendentes.

Já em 1890, o hospício passou a denominar Hospital Nacional dos Alienados e foi criada a Escola Profissional de Enfermeiros neste hospital que tinha por objetivo o preparo de profissionais para atuarem nos hospícios, hospitais civis e militares. Assim, este período foi configurado como o marco divisório entre a psiquiatria empírica e a psiquiatria científica (GUSSI, 1987; REZENDE, 1987; SILVA FILHO, 1990).

Nesse contexto, Fernandes (1981) afirma que, no Brasil, a primeira tentativa de sistematização do ensino da Enfermagem foi na área psiquiátrica. O hospício, nesse caso, era a essência da prática de Enfermagem que tinha o direito de controlar, disciplinar e reeducar o doente mental, estabelecendo e legitimando a vigilância e o confinamento - principais instrumentos da assistência.

Já em 1952, nos Estados Unidos, uma enfermeira, Hildegar Peplau, formulou a Teoria das Relações Interpessoais que trouxe grandes contribuições para assistência de Enfermagem. Nesta, Peplau buscou valorizar a singularidade, a reciprocidade e a ajuda mútua entre o enfermeiro e o paciente, e ainda preconizava um plano para a assistência a fim de reconhecer, definir e compreender o que acontece quando estabelecem relações com o paciente (PEPLAU,1990). Para Zanote (1999) a teoria de Peplau foi pioneira no campo de assistência de Enfermagem.

Segundo Campos e Souza (2000) esse foi o primeiro modelo teórico sistematizado para a Enfermagem Psiquiátrica e a partir daí esta passou a buscar explicações sobre a loucura, por meio de dois discursos: o psiquiátrico - basicamente organicista, predominante até o momento; e o psicológico - ênfase nos aspectos comportamentais das relações humanas, que acontece no final dos anos 60.

Já os anos 70, também nos Estados Unidos, Joice Travelbee consagrou a questão do relacionamento terapêutico focalizando a relação do homem como ser existencial, que busca significado na sua vida e sofre com isso (VILLELA; SCATENA, 2004).

Como se vê, estavam ocorrendo importantes transformações na prática psiquiátrica, na Europa e nos Estados Unidos, mas no Brasil era diferente: as transformações ocorriam de forma lenta e o cuidado ao paciente com transtorno mental ainda era no interior de asilos (BARROS; EGRY, 1994).

No Brasil, nesse período, Villela e Scatena (2004) destacam uma enfermeira - Maria Aparecida Minzoni - que se preocupou com a humanização da assistência ao doente mental, o que contribuiu para a Enfermagem Psiquiátrica neste país – tanto na área de ensino como na pesquisa e na assistência.

E Barros e Egry (1994) afirmam ainda que a partir da década de 70 as denúncias quanto a esse sistema de cuidado em psiquiatria aumentaram, o que passou a ser conhecido como a ‘indústria da loucura’. Já, no final dessa década, esse movimento pela busca de melhoria da qualidade de assistência em Saúde Mental teve como foco principal o Movimento dos trabalhadores de Saúde Mental (OGATA; FUREGATO; SAEKI, 2000).

Esse movimento, segundo Villela e Scatena (2004) impulsionou a discussão a respeito da assistência psiquiátrica, fazendo com que atores de outras esferas sociais – como familiares de doentes mentais internados e da mídia – aderissem ao propósito. Isso repercutiu, dando origem ao movimento de reforma da assistência psiquiátrica que teve como objetivos “enfatizar a substituição dos aparatos

manicomiais pelos serviços comunitários e normatizar as internações involuntárias”.

Assim, a partir da década de 1980 ocorreram importantes eventos, entre eles a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, que foi um movimento importante na concepção da saúde coletiva. E logo em 1987, foi realizada a 1ª

Conferência Nacional de Saúde Mental que marcou o início da

desinstitucionalização. No mesmo ano, o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental consagrou o lema “Por uma sociedade sem manicômios” (ROCHA, 2005a).

Já no ano de 1988, a Constituição Federal do Brasil define os princípios do SUS,

são eles: sistema descentralizado, igualitário, universal, regionalizado,

hierarquizado, com integralidade das ações e participação social (BRASIL, 1990). E a partir daí, os enfermeiros passaram a atuar nas instituições extra-hospitalares - ambulatórios, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), oficinas terapêuticas, dentre outros. De forma que a sua atuação direcionou-se às novas formas de cuidar na saúde mental, buscando serviços extra-hospitalares (KRSCHBAUM, 2000).

Segundo Silva e Kirschbaunm-Nitkin (2010, p. 413) à essa Enfermagem “sustentada no modelo nightingaleano, deslocado da medicina e da psiquiatria, coube o papel de envidar esforços grandiosos, a fim de conferir novos contornos à identidade profissional, constituída a partir da formação e da prática de enfermeiros formados pela visão dos alienistas”.

Segundo Vasconcelos (2000), ao priorizar o atendimento ambulatorial no tratamento psiquiátrico almejava-se, dentre outras coisas, a redução do estigma depositado sobre os indivíduos e a busca de garantia dos direitos humanos e de cidadania dos usuários dos serviços, que compuseram o movimento da reforma psiquiátrica. Desse modo, a assistência psiquiátrica passou a priorizar a atuação na promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação do indivíduo (VARGAS et al., 1999).

Nesse contexto de mudanças, os serviços devem fornecer garantias ao cumprimento dos direitos dos usuários e o dependente químico passa a ser visto não mais como um ‘doente psiquiátrico’, reduzindo o estereótipo de ‘louco’ e ‘caduco’ (DRIUSSO; GARCIA, 2002).

Para Miranda, Rocha e Sobral (1999) a assistência da Enfermagem Psiquiátrica deve estar em consonância com a ética e a prática social libertadora da Reforma Psiquiátrica a fim de promover o cuidado ao conhecer a necessidade do indivíduo e por meio do acolhimento.

Mas, foi só em 1990 que a OPAS/OMS convocou e realizou uma Conferência Regional em Caracas, originado a Declaração de Caracas que marca as reformas na atenção à saúde mental nas Américas. Entre alguns pontos destacados, o documento propõe que “os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: a) salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos e civis;

b) estar baseados em critérios racionais e tecnicamente adequados;

c) propiciar a permanência do enfermo em seu meio comunitário” (OPAS/OMS, 1992).

Assim, diante destas transformações a psiquiatria vai procurando modificar suas características e incorporar conceitos tais como os da comunidade terapêutica, psiquiatria social, psiquiatria preventiva e psiquiatria comunitária. Organiza-se, então, uma rede de serviços assistenciais não hospitalares sem que houvesse a real transformação do saber e da prática psiquiátrica tradicional (BARROS; EGRY, 1994). Para Vasconcelos (1992) esse modelo de integração dentro da proposta do SUS, foi expresso em sucessivos planos federais (Conselho Nacional de Saúde

Previdenciária – CONASP; Ações Integradas de Saúde – AIS; Sistema Unificado e

Descentralizado de Saúde - SUDS), estaduais e municipais desde os fins dos anos 70.

Fernandes (1981) faz menção ainda ao processo de psiquiatrização que surgiu nessa época. Para a autora, a partir daí, passa a ser objeto de ação da psiquiatria os ‘distúrbios e os conflitos’ decorrentes das relações que as pessoas mantêm no trabalho, na escola, na família, e não somente os ‘doentes mentais’, e assim a ação

preventivista passa a ser valorizada e surgem políticas de expansão da rede ambulatorial.

As ações de Enfermagem, nesse contexto, tornaram-se mais amplas, pois passam a ocupar-se também dos conflitos e inadaptações, ou seja, atenção aos sadios e não somente aos doentes hospitalizados: trata-se agora de Saúde Mental (FERNANDES, 1987).

É importante destacar ainda, que em 2001, é promulgada a Lei 10.216, marco legal da Reforma Psiquiátrica, que ratificou, de forma histórica, as diretrizes básicas que constituem o SUS, garantindo aos usuários de serviços de saúde mental – e, conseqüentemente, aos usuários de álcool e outras drogas – a universalidade de acesso e direito à assistência, e sua integralidade. Além de valorizar a descentralização do modelo de atendimento, determinando a configuração de redes assistenciais atentas às desigualdades existentes e ações voltadas às necessidades da população (BRASIL, 2004a).

Esta lei também vem a ser o instrumento legal/normativo máximo para a Política de Atenção aos Usuários de Álcool e outras Drogas (PAIUAD) que também se encontra em sintonia para com as propostas e pressupostos da Organização Mundial da Saúde, tendo por base questões como intersetorialidade e atenção integral, que se subdivide em: prevenção, promoção e proteção à saúde de consumidores de álcool e outras drogas; modelos de atenção (CAPS e redes assistenciais) e controle de entorpecentes e substâncias que produzem dependência física ou psíquica, e de precursores (BRASIL, 2003).

Nesse contexto, Wandekoken e Siqueira (2011a) afirmam que a implementação das diretrizes da PAIUAD ainda se apresenta como grande desafio para a saúde pública, e diante disso há a necessidade de compreensão dos discursos políticos e de propostas, por parte da sociedade, governo e profissionais envolvidos com a temática, a fim de contribuir na articulação desse desafio, buscando ainda construir o avanço de rede de atenção aos usuários de substâncias psicoativas, que seja de qualidade e eficaz.

Logo, entende-se, a partir dos fatos mencionados, que as mudanças na área de Saúde Mental implicam em reflexos e transformações na assistência de Enfermagem e mais especificamente, na atuação do enfermeiro.

Mas, apenas essas mudanças não garantem que os ideais reformistas se tornem realidade. O fato é que ocorreram avanços, mas que também por vezes se retrocedeu (SILVA; KIRSCHBAUNM-NITKIN, 2010).

Para Villela e Scatena (2004), as atividades do enfermeiro devem estar acima da cientificidade técnica - deve usar a observação e percepção -, deve planejar a assistência, avaliar as condutas e o desenvolvimento do processo. Essas ações fazem parte do processo de Enfermagem, devendo direcionar o relacionamento interpessoal e terapêutico.

E para Silva e Kirschbaunm-Nitkin (2010) hoje, a Enfermagem tem produzido uma maior quantidade de pesquisas nessa temática que busca a construção de novos saberes e fazeres.

Assim, no decorrer da evolução da Enfermagem no Brasil, pôde-se observar que foram utilizadas diversas formas de organizar o cuidado e a assistência prestada ao usuário, dentre as quais está o Processo ou Sistematização da Assistência de Enfermagem, considerado um instrumento de trabalho básico para o enfermeiro no desempenho de suas atividades profissionais (NAKATANI, 2000). Com isso, segundo Villela e Scatena (2004) a dinâmica da assistência de Enfermagem passa a ser desenvolvida de maneira abrangente, consistente, qualificada, sistemática, dialética e ética.

2.2 SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM: DESAFIOS E