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Mudanças ocorridas: resistência ou adesão

CAPÍTULO V – A voz dos entrevistados

1. Descrição qualitativa

1.2. Ser professor: entre o tradicional e o actual

1.2.2. O professor actual

1.2.2.2. Mudanças ocorridas: resistência ou adesão

Das variadíssimas mudanças ocorridas nos últimos anos, interessa-nos saber quais foram aquelas que mais incomodaram os professores e qual foi o grau de dificuldade na sua adesão.

As declarações divergem muito umas das outras independentemente do tempo de serviço de cada professor. A adesão ou a resistência às mudanças depende do significado que cada professor lhe atribui para a melhoria da educação, da forma como o professor vive a profissão e com o grau de implicação com as mesmas. Para melhor conhecermos as mudanças que mais incomodaram os professores e o grau de adesão ou resistência, passaremos, de seguida, aos testemunhos dos professores:

“O alargamento das funções docentes conduzindo à sua indefinição, os problemas sociais que começaram a interferir no normal funcionamento das escolas, as exigências a nível político e a desvalorização dos saberes dos professores. Em relação aos pais acho que se desresponsabilizaram do seu papel educativo e de acompanhamento dos seus educandos” (Fernando).

“(…) as mudanças me deixaram mais perplexa são a falta de respeito por parte dos pais e da sociedade em geral, chegou uma certa altura em que nem os tribunais conseguiam impor limites a pais que agrediam professores (…). Aliás deixou-me muito triste mesmo saber que quando nos tiraram agora regalias, a sociedade em geral não compreende que nós temos que ter tempos para descansar, porque trabalhar com crianças não é trabalhar com um número só e nós necessitamos de algum espaço, por exemplo as paragens a meio do ano que nem são assim tantas, há outros países que têm muitas mais paragens que nós e quando nos foram retiradas algumas dessas regalias as pessoas ficaram contentes, não perceberam que eram regalias que acabavam por não o ser, não perceberam que os professores não podem trabalhar até aos 65 anos, porque não têm capacidade para lidar com 25 crianças que exigem solicitações muito grandes (…) em conversas com pessoas eu via que a opinião pública estava mesmo contra os professores, não davam valor minimamente àquilo que nós fazemos aqui todos os dias” (Beatiz).

Estas duas declarações remetem-nos para mudanças relacionadas com a desresponsabilização dos pais, a falta de respeito, de reconhecimento e de prestigío do professor, a desvalorização social e as exigências a vários níveis. No entanto, estes dois professores admitem ter aderido às mudanças mas em circunstâncias diferentes. O professor Fernando, com 6 anos de serviço, situando-se na fase da estabilidade, onde o gosto pelo ensino tende a afirmar-se, acha que essa adesão se deve ao facto de ser jovem e de se adaptar a novas realidades. Em sua opinião, houve apenas uma mudança na qual sentiu mais

dificuldades: o desempenho das várias funções. Quanto à professora Beatriz, com 25 anos de serviço, situando-se na fase da serenidade, não sentiu dificuldades porque gosta de inovar e adequar o seu trabalho a coisas novas. No entanto, começa já a entrar numa fase de desencanto, demonstrando falta de estímulo e um certo cepticismo ao ponto de se perguntar:

“Para quê? Para que vou fazer isto? Ai, não vale a pena, no fim ninguém dá valor”. As restantes quatro professoras, demonstram uma certa resistência às mudanças, devido à divergência existente entre as mudanças e as realidades concretas do ensino e da escola. Na verdade, como comenta Fullan (2002, p.125) “ a sua resistência pode ensinar-nos alguma coisa: quem resiste pode ter razão. Provavelmente têm a sensatez de ver que uma determinada mudança é efémera, está mal dirigida ou é impraticavel”.

“(…) amaioria das mudanças foram impostas, o que é muito mau, e de um momento para o outro, sem que os professores estivessem preparados para as aplicar. Além disso existe um grande distanciamento entre aquilo que fazia na realidade na escola e aquilo que sou obrigada a fazer” (Raquel).

Interessa-nos também saber quais foram as mudanças que provocaram esse grau de resistência através dos seus discursos:

“ Foram várias. A multiplicidade de funções, os problemas sociais, as exigências políticas e sociais, a identificação da verdadeira função de professor (…) o exagero de solicitações da sociedade e do Estado, a desresponsabilização dos Encarregados de Educação, tudo isto tem- nos criado determinados obstáculos para que consigamos desenvolver a nossa prática pedagógica de forma harmoniosa e haver uma evolução em todo o processo ensino- aprendizagem” (Manuela).

“O exagero de funções, medidas economicistas por parte do Governo que se preocupa mais em investir na OTA e no TGV do que no bem-estar do professor, a exigência das políticas educativas, a demissão dos pais da sua verdadeira função de educar e acompanhar os filhos, as mudanças a nível social, político e económico e a integração de alunos de etnias e religiões diferentes” (Sandra).

“Incomodaram-me bastante as mudanças no geral. O novo Estatuto da Carreira Docente que prejudica muito o professor (…) a desresponsabilização dos pais em relação aos seus filhos, em relação à educação e ao acompanhamento dos mesmos, os pais, não sei, penso que transferiram para o professor funções que eles próprios deveriam desempenhar (…) a sociedade transferiu todas as responsabilidades, todos os problemas sociais para o professor (…) o Ministério da educação que se preocupou em elaborar imensas leis, despachos e não em fazer

uma análise rigorosa das mesmas, sem antes ouvir e conhecer a realidade dos professores. (…) o extenso programa curricular imposto, porque cada escola tem uma realidade diferente e como tal é importante cumprir as competências propostas, mas isso é impossível. (…) a implementação das reformas a nível educativo que, mais uma vez, não atenderam à realidade das escolas e à colaboração dos professores nas mesmas. A imposição dos agrupamentos que, na maioria das vezes, não funcionam” (Raquel).

“Todas. O Novo Estatuto da Carreira Docente, as rápidas mudanças ocorridas na sociedade que obviamente se reflectem na escola, o desprestígio da profissão, a falta de reconhecimento, a desvalorização social do professor, a desresponsabilização dos pais perante a educação dos filhos” (Mabilda).

Como podemos depreender dos discursos, são várias as mudanças às quais as professoras apresentam uma certa resistência, relacionadas com aspectos políticos, sociais e educativos. Perante tal cenário, uma questão se coloca: haverá condições de trabalho para que os professores possam implementar todas as mudanças ocorridas?

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