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Mudando o conteúdo ou conectividade: a aprendizagem é distribuída

4 A MALHA COM AS LINHAS DA PAREGOGIA E DO AIKIDO

4.4 Mudando o conteúdo ou conectividade: a aprendizagem é distribuída

Um dos pontos levantados pela Paregogia diz respeito ao caráter não linear da aprendizagem. O manual de Paregogia diz que: “Aqueles que tomarem a iniciativa [de começar um grupo de aprendizagem] devem perguntar a si mesmos o tradicional quem, o que, onde, quando, porque e como [...] Assim, suposições preliminares para o design e a estrutura são estabelecidas” (RHEINGOLD et al., 2014, p. 96, tradução nossa). Para cada questão (quem, o que, onde, quando, porque e como) existe uma série de perguntas associadas,62 que

61 O conflito faz parte da vida, e a vida é abertura: “É da essência da vida que ela não termina aqui ou ali, ou conecta um ponto de origem com uma destinação final, mas, ao invés disso, ela continua achando um caminho através da miríade de coisas que formam, persistem e se rompem em suas correntes. A vida, resumindo, é um movimento de abertura, não de fechamento”. (INGOLD, 2011b, p. 3, tradução nossa)

62 “Como seu grupo gerenciará feedbacks de uma maneira construtiva? Porque participantes se sentiriam motivados a dar feedback? Quão firme e extenso são os contratos sociais para o grupo? Eles se aplicam para todos igualmente? Ou variam de acordo com o nível de participação? O que as pessoas precisam saber no início? O que você pode planejar enquanto acompanha? Quem decide? Como o acolhimento é uma ‘metadiscussão’? Que tipos de discussões não são bem-vindas? Você tem espaços disponíveis para grupos de discussão ou outras interações por pares? (Alternativamente, se o projeto for distribuído, você tem espaços disponíveis para reunir

servem para nortear o planejamento e o gerenciamento das iniciativas educacionais. Associada ao “como” está a questão da linearidade, colocada em contraponto ao caos, ou confusão.

O criador do grupo de aprendizagem (ou moderador) precisa ler os fluxos das dinâmicas e trabalhar para que o próprio grupo gerencie ativamente seus próprios processos de aprendizagem. Obviamente, há um risco de dissipação interna, que é o esfriamento do fluxo de aprendizagem, cujos sintomas mais visíveis são a falta de participação e de interesse. Assim, o necessário e saudável grau de abertura do qual fala a Paregogia é uma zona de investigação onde o caos assume sua potência como elemento criativo. Por isso, muda-se o conteúdo, porque a mudança e a consequente não linearidade fazem do aprender um movimento contínuo. Da mesma forma, muda-se a conectividade: intensificam-se os contatos por e-mail ou o uso de fóruns, por exemplo, para que assim o grupo retome seu fluxo de aprendizagem. Há um limite para padronizações, na busca contínua pela dimensão onde o movimento é possível. No Aikido diz-se que: “É impossível postular uma resposta fixa para cada contingência e, numa situação real, você não tem chance de dizer ao oponente que tipo de ataque ele deve usar” (UESHIBA; UESHIBA, 2006, p. 16). Existe o padrão, mas ele está o tempo inteiro mediado por feedbacks perceptivos, constantemente sendo ajustado e se tornando. A dinâmica de movimentação do Aikido alterna retas e curvas, desenhando fluidamente linhas que são flexíveis no contar de uma história-movimento que não termina. Isto nos leva a duas concepções de organismo que são discutidas por Ingold:

Figura 9 – Concepções de organismo, segundo Ingold. Fonte: Ingold (2011b, p. 69).

Estas imagens são usadas por Ingold para exemplificar o que ele chama de percepção

todos como um grupo?).” (RHEINGOLD et al., 2014, p. 97-99, tradução nossa)

anímica do mundo, que se apoia (em contraponto a uma concepção que imputa vida àquilo que é inerte) numa concepção de vida enquanto fluxo:

De acordo com uma convenção longamente estabelecida, animismo é um sistema de crenças que imputa vida ou espírito a coisas que são verdadeiramente inertes. Mas, esta convenção, como vou mostrar, é enganosa, por duas razões. Primeiro, estamos lidando aqui não com uma forma de acreditar no mundo, mas como uma condição de estar nele. Isto poderia ser descrito como uma condição de estar vivo no mundo, caracterizada por uma elevada sensibilidade e capacidade de resposta, em percepção e ação, a um ambiente que está sempre em fluxo, nunca o mesmo de um momento para o outro. (INGOLD, 2011b, p. 68, tradução nossa)

Ao usar as imagens acima, Ingold quer estabelecer uma concepção de organismo que enfatiza dois aspectos: a constituição relacional do ser e a primazia do movimento. A imagem do círculo implica um organismo fechado em si, interagindo com o exterior através de sua membrana:

Eu dobrei o organismo nele mesmo, de forma que está delineado e contido dentro de um perímetro fronteiriço, realçado de um mundo ao redor – um ambiente – com o qual está destinado a interagir de acordo com sua natureza. O organismo ‘aqui dentro’, o ambiente ‘lá fora’. (INGOLD, 2011b, p. 68, tradução nossa)

A imagem do organismo, enquanto linha curva, implica uma concepção do ser como movimento:

Nesta representação não há dentro ou fora, e nenhum limite separando os dois domínios. Antes, há um rastro de movimento e crescimento. Cada rastro como tal revela uma relação. Mas esta relação não é entre uma coisa e outra – entre o organismo ‘aqui’ e o ambiente ‘lá’. É antes um rastro ao longo de onde a vida é vivida. Nem começando aqui ou acabando lá, ou vice-versa, o rastro serpenteia através, ou pelo meio, como a raiz de uma planta ou um córrego entre suas margens. Cada rastro é somente um cordão em um tecido de rastros que, juntos, compreendem a textura do mundo vivo. Esta textura é o que quero dizer, quando falo de organismos sendo constituídos em um campo relacional. Não é um campo de pontos interconectados, mas de linhas entrelaçadas; não uma rede, mas uma malha. (INGOLD, 2011b, p. 69, tradução nossa)

Por isso, Ingold (2011b) fala do mundo enquanto textura, para exemplificar que vivemos na medida em que nos movimentamos e deixamos, com esse movimento, rastros que constroem continuamente um campo relacional de malhas. Nestas texturas, seguimos outros rastros, ao mesmo tempo em que criamos os nossos. “Mover-se” não linearmente nestas linhas entrelaçadas é aprender constantemente a importância de ver o lugar como caminho.

Não dualisticamente, somos o caminho e o lugar, por que estamos em quietude, ao estarmos em movimento. A malha é fio com fio, em adaptação constante, como roupa que se move e se ajusta a quem a veste, em um constante “tornar-se”. Neste sentido, Ingold (2011b) usou o círculo para enfatizar uma concepção de ser que opera dualisticamente, entre interior e exterior, e a linha sinuosa, para enfatizar o ser enquanto linha e movimento. Entretanto, no círculo em quietude do pião há energia que, através do contato, se irradia como movimento. Ou seja, no círculo, o rastro está latente. A linha dança, ora fechando o círculo, ora se irradiando como linha. Esta malha de movimento é como a linha da superfície da água que vira onda, um círculo que se espiralou e se fechou, porque foi uma linha que não resistiu ao fundo do oceano e se ergueu.

Figura 10 – Ilustração de Saotome. Fonte: Saotome (2011, p. 252).

O oceano, ao longe, é horizonte, e de perto, é onda (como o pião, parece estar imóvel, mas está em movimento). Tudo depende de posicionalidade. As ondulações são texturas fluidas que respondem ao vento, às pedras e ao clima. É preciso sentir que a fluidez da linha está no círculo e a estabilidade do círculo está na linha. Mais importante do que ser um ou outro, é perceber que somos um no outro. E que este é o movimento contínuo e responsivo da onda do aprender, onde o par atinge um objetivo (realiza um sonho) e, logo após, vê que há outros (acorda).