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Adriana Galli Velho e Leandro Tonetto

Resumo

O sapato é um artefato que sempre despertou um interesse espe- cial entre seus usuários a ponto de transformar alguns modelos em ícones, como os scarpins. Considerado um dos sapatos mais tradicionais da moda feminina, o scarpin consiste em um modelo de calçado que contém salto, é necessariamente fechado, mostra apenas o peito do pé e esconde dedos e calcanhar, mas seu bico pode ser fino, arredondado ou quadrado. Como se trata de um sapato tradicional e desejado, a fim de compreender a relação entre as usuárias e os scarpins, recorreu-se a uma teoria comu- mente utilizada na área de design emocional para a avaliação da interação humano-produto: a Teoria dos Appraisals. Essa teoria estabelece que a relação emocional entre a pessoa e o produto deriva das avaliações (appraisals) que a primeira realiza sobre o segundo. Assim, permite compreender as relações entre causas (elementos de design) e efeitos (experiência emocional positiva) nas referidas relações, tornando possível projetar calçados com impacto potencialmente positivo sobre as usuárias. Um elemen- to central na teoria é que as avaliações (appraisals) das usuárias são fortemente moldadas por três elementos: crenças, atitudes e padrões aprendidos pela usuária sobre os produtos em questão. Esses três elementos estão concentrados em um constructo de- nominado concern, que sintetiza todas as demandas dos usuá- rios que podem ser atendidas em um projeto, a fim de potencia- lizar boas avaliações (appraisals) com dado produto. Sendo assim, neste capítulo, buscou-se compreender a experiência da usuária com o scarpin, sistematizando os principais concerns das usuárias. Os resultados da pesquisa visam a amparar o designer a projetar este calçado para despertar experiências emocionais positivas. Para se chegar a tais resultados, foi utilizado como método a pes- quisa qualitativa exploratória com entrevistas em profundidade

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com usuárias. Os resultados apontaram para uma série de pontos a observar em projetos de calçados. Com relação às atitudes, as usuárias proporcionaram uma visão de que preferem o scarpin pela sua versatilidade e conforto, aliado à estética, e isto provoca um uso adequado a diversos momentos e atividades do dia-a-dia que possam estar submetidas. Como conseqxência, há uma pos- sibilidade de customizarem de acordo com suas necessidades, as deixando mais liberadas para se focarem em outras necessidades decorrentes do seu cotidiano. Existem, ainda, objetivos bem defi- nidos quando as usuárias se remetem ao produto scarpin, como mudar sua postura. Porém, o uso do calçado marca de forma sig- nificativa sua presença, uma vez que ao vesti-lo a usuária torna-se, muitas vezes, em sua percepção, mais poderosa e notadamente mais elegante. Por vezes, existe um objetivo de conquistar sensu- alidade, como conseqxência sentem-se mais confiantes em seus trabalhos e situações que requeiram posicionamento, sem deixar de serem femininas. Quanto aos padrões, não existe um scarpin perfeito, isto foi muito importante para que o designer investigue mais a respeito da forma ergonômica e estética que o scarpin pode ter, atendendo diferentes tipos de pés. A questão do pro- duto e seu uso se tornam cada vez mais customizados as neces- sidades latentes de cada usuária, muito em função do formato anatômico que seu embasamento determina.

Palavras-chave: design para emoção, Teoria dos Appraisals, análise de con- cerns, calçados, scarpins.

1. Introdução

No mundo contemporâneo, o design, que originalmente era fo- cado mais em pensar a forma e a função dos artefatos, passou a se preocupar com os sentidos e significados dos produtos. So- mente operar no nível dos aspectos técnicos, em diversos casos, não dá conta de atuar no mundo complexo em que se vive. A competitividade é acirrada entre as empresas, o mercado está altamente sofisticado e as pessoas não se satisfazem facilmen- te e demandam significado, além da utilidade dos produtos e serviços. Esta complexidade de relações remete os designers a procurarem uma motivação maior para projetar e devolver pro- postas de valor mais robustas. (zURlo, 2010). Diversos artefatos co-

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tidianos podem ser citados como exemplos icônicos de artefatos com grande valor simbólico, tais como o scarpin1, tomado como

objeto de estudo nesta pesquisa.

Inicialmente, ainda na fase pré-histórica, este artefato surgiu para proteger os pés, que eram submetidos às intempéries climáticas, bem como a solos desestruturados. (coSGRave, 2000). Como vesti-

menta e objeto de desejo (FoRty, 2007), o sapato, com sua estru-

tura de salto, tem origem na metade do século XVII, elevando-o a sinônimo de riqueza e nobreza, assumindo, na moda ocidental, um significado de status social, elegância e sensualidade. (Riello; mc- neil, 2006). É nesta época que se entende que o sapato começou a

segregar as pessoas por sexo, sendo que o calçado para as mulheres era menos produzido que para os homens. (coSGRave, 2000).

Na atualidade, o calçado ganha destaque no uso de novos mate- riais e aquisições de tecnologia para aperfeiçoar design, conforto e estética. O que se percebe, por outro lado, é que eles podem até mesmo trazer desconforto e moléstias, porém são “signos que evocam devoção a eles mesmos, e não o que eles representam.” (daneSi, 2008, p. 12).

Comumente busca-se despertar experiências emocionais positi- vas entre as usuárias através do calçado. Nessa direção, O Design Emocional é a área que busca projetar para despertar ou evitar a ocorrência de emoções, por meio de artefatos. (demiR et al., 2009).

Entre as abordagens mais comumente utilizadas na área, a Teo- ria dos Appraisals, trazida da Psicologia Cognitiva para o design por Desmet (2002), tem foco em traduzir as emoções através de relações de causa (elementos projetáveis pelo design) e efeito (experiência emocional pretendida). Appraisals, nesse modelo, são avaliações (processamento cognitivo) que os usuários fazem sobre um produto, baseadas em concerns, ou seja, seus interes- ses, objetivos e mesmo padrões aprendidos em relação ao que se espera do produto. (FRijda, 1986). Assim, a teoria oferece uma

compreensão sobre como projetar para despertar experiências emocionais positivas entre as usuárias de scarpins.

Muitos designers optam por elaborar uma síntese de conteúdos

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sobre a experiência do usuário sob a forma de um Concern Pro- file, ou Perfil de Concerns. Nele, as principais demandas dos usu- ários são representadas por meio de frases que devem traduzir claramente para o designer o que seu público-alvo deseja. Trata- -se comumente da síntese de uma pesquisa mais profunda fei- ta com os usuários. (tonetto, 2012). Oportuniza-se, assim, que a

equipe de projeto visualize os concerns dos usuários sobre deter- minado artefato, orientando o processo de design para despertar dada emoção.

Nessa direção, o presente artigo visa a compreender a experiên- cia da usuária com o scarpin, sistematizando um concern profile. Pretende-se, com os resultados da pesquisa, possibilitar projetar esses calçados para despertar experiências de valência emocional positiva. Experiências de valência positiva são as que tornam as usuárias predispostas ao uso de um produto, pois lhes agradam e estimulam positivamente. (bRadley; lanG, 1994).

Em âmbito acadêmico, o estudo aqui apresentado pretende justifica-se por buscar compreender em que medida o tipo de análise proposta (análise de concerns) pode contribuir para o de- sign de calçados com foco em despertar experiências emocionais positivas. Para a indústria, não apenas os resultados podem ser aplicados diretamente em projetos de produto, mas a compreen- são da própria metodologia de análise utilizada pode fomentar futuras pesquisas nas empresas.

Para se chegar a tais resultados, partiu-se de um estudo explo- ratório, calcado em informações qualitativas. A pesquisa envol- veu a realização de entrevistas em profundidade com usuárias de scarpins para a construção do concern profile. A fim de que se possa compreender o método e a análise realizada, a próxima seção apresenta a fundamentação teórico-metodológica sobre o Design Emocional, com ênfase na Teoria dos Appraisals.

2. Design e a abordagem emocional

2.1. Design e emoção em uma perspectiva cognitiva

Em uma perspectiva da Psicologia Cognitiva, a emoção é o resul- tado das avaliações (appraisals) que uma pessoa faz sobre o efeito

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de um estímulo, como um produto, sobre seu bem-estar. (FRijda,

1986). O Design para Emoção, nessa direção, busca compreender como estas emoções se relacionam com os artefatos desenvolvi- dos, na constante interação humana com produtos-serviços. (to- netto; coSta, 2011).

A Teoria dos Appraisals tem origem na psicologia nos anos sessen- ta (aRnold, 1960). Segundo Frijda (1989), os padrões de appraisals

estão relacionados com as emoções intrínsecas ao indivíduo e revelam o significado de um estímulo, bem como sua relevância para o bem estar de uma pessoa. Sendo assim, quando a pessoa é submetida a um estímulo positivo ela tende a despertar uma emoção de prazer, enquanto que quando é submetida a um es- tímulo negativo, tende a despertar uma emoção desprazerosa. Neste sentido, as situações conflituosas tendem a ser adaptativas para os indivíduos, respondendo apropriadamente aos estímulos percebidos. (demiR, deSmetehekkeRt, 2009). Para contextualizar esta

situação, Tonetto e Desmet (2012) relacionam a interação de um usuário com um produto adquirido recentemente: um carro. Ao se dirigir do trabalho para casa, o motor para de forma inesperada e outros motoristas começam a buzinar, expressando raiva com o condutor do veículo. A condição aqui descrita pode gerar uma res- posta emocional de raiva ou vergonha, por exemplo. A raiva esta- ria relacionada ao problema apresentado pelo carro e a vergonha poderia ser uma reação relativa a sua habilidade como motorista. Desmet (2002) apresenta um modelo que demonstra como essas avaliações (appraisals) são influenciadas não apenas pelo artefato em si. Elas também são fortemente modeladas pelos concerns dos usuários, que são atitudes da pessoa, objetivos de uso e pa- drões aprendidos pelos usuários em relação a como esses artefa- tos devem ser (deSmet, 2007):

Atitudes: tendências da pessoa a se aproximar ou ir contra os artefatos. Ex.: preferência por saltos altos e tendência a rejeitar bicos arredondados;

Objetivos: o que a usuária quer fazer ou ver acontecer. Ex.: usar o calçado para parecer mais alta.

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las usuárias sobre como os calçados devem ser. Ex.: scarpins devem ter saltos muito altos.

O Modelo de Emoção com Produto está representado na Figura 1, a seguir:

Figura 1 - Modelo de Emoção com Produto

Fonte: Desmet e Hekkert, 2007 (p. 62) adaptado por Tonetto e Costa (2011, p. 138) e pelos autores.

Sendo assim, a figura 4 identifica que o processo de avaliação (appraisal) corresponde ao processamento da informação sobre o produto, a partir dos concerns. As emoções são eliciadas, portan- to, pelos appraisals (avaliações) dos usuários.

Pode ocorrer de estes concerns serem contraditórios. O designer deve ter a habilidade de compreender esta contradição a favor do projeto. Uma situação levantada por Ozkaramanlı e Desmet (2012) é o fato de, muitas vezes, a pessoa querer comer um doce, mas, ao mesmo tempo, ter a intenção de perder peso. Aqui existe a relação entre um desejo de momento e um objetivo de mais

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longo prazo. Essas contradições podem estar presentes da intera- ção da mulher com o scarpin. Por este motivo, a seção seguinte aborda os fundamentos da experiência com calçados.

2.2. Experiência com calçados

Segundo O’Keeffe (1996, p. 12), “os olhos podem bem ser as jane- las da alma, mas os sapatos são a entrada para a mente feminina. Os psicólogos têm explorado até à exaustão todos os significados ocultos dos sapatos, considerando-os desde símbolos fálicos até recipientes secretos”.A partir da contribuição do autor, percebe-se a relevância de entender o surgimento desse objeto de desejo. Segundo Choklat (2012), nessa direção, um dos mais antigos ofícios da humanidade é o de designer de calçados. Mesmo as primeiras formas, mais simples, já mostravam preocupação com elementos estéticos. De fato, os calçados inicialmente foram ade- quados ao homem com um caráter de necessidade ao servir de proteção aos pés, porém a utilidade foi permitindo espaço a mais um fator que se tornou importante para este artefato ao longo da história, a estética. O sapato, em geral, exerce até mesmo uma di- visão social, diferenciando os indivíduos, muitas vezes, por classes sociais e conferindo um poder pessoal, passível de prestígio ou ostentação do poder aquisitivo (SeFeRin, 2012).

Durante a maior parte do século passado, para Lurie (1997), salto alto e bico fino foram essenciais nos guarda-roupas femininos, já que são sinônimos de atratividade sexual. Segundo Roncoletta (2008), os sapatos ao longo da história, passam a ser reconheci- dos como objeto de design de moda e, portanto, variam de acor- do com os desejos das pessoas que os necessitam para serem utilizados em ocasiões diversas. Os saltos altos, afirma Roncoletta (2008), empinam o corpo feminino, projetando seus movimentos a associações de prazeres sociais e psicológicos. Neste sentido os calçados tornam-se um símbolo de feminilidade, poder e sedu- ção, e que, se bem projetados, podem conferir um equilíbrio en- tre a qualidade de vida e os prazeres físicos, sociais e psicológicos. Segundo Fischer-Mirkin (2001), a escolha pelo sapato reflete a per- sonalidade da mulher. Comunica, ainda, seu desejo por um status social e estilo de vida, além de indicar a necessidade de poder e sexo.

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A experiência feminina com o calçado, portanto, pode conferir ele- gância, sensualidade e poder à usuária, apesar de a imagem do sapato poder estar relacionada às questões de conforto e ergono- mia. (SeFeRin, 2012). Com o scarpin não é diferente, pois ele mudou

o conceito de vestir os pés da mulher do pós-guerra. Era necessário moldá-la mais feminina, transferindo suavidade e beleza ao seu visual. (beRGStein, 2013). Existe, portanto, um conceito de mudança

estética na mulher, provocado pelos sapatos de salto alto (o’keeFFe,

1996, p.73): “A parte inferior das costas arqueia-se, a coluna e as pernas parecem alongar-se e o peito é lançado para frente. A bar- riga das pernas e os tornozelos parecem mais bem torneados e a curvatura inferior dos pés parece querer elevar-se dos sapatos”. Até a segunda guerra mundial, o vestuário feminino não permi- tia que os tornozelos ficassem à mostra, portanto não havia tan- ta preocupação em conferir diferenciação aos mesmos. Então, o modelo scarpin, que é um calçado feminino clássico, foi introdu- zido na moda pelo estilista francês Christian Dior, quando este, em 1947, quis trazer leveza ao vestuário feminino do pós-guerra e apresentou às mulheres o new look (figura 6), um estilo de vestir novo (beRGStein, 2013).

Figura 1 - Estilo New Look

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O nome do calçado tem origem na palavra italiana scarpa, no diminutivo, scarpino. O formato do calçado é fechado, desde a parte frontal a posterior do pé e originalmente possui o bico fino, como pode ser visualizado na figura 7. O salto é peculiar e tam- bém marca o calçado, de altura média ou alta varia de quatro a dez centímetros. Por ter aspecto elegante, é de fácil combinação para a composição do visual feminino. Recebe algumas variações, quando apresenta abertura nos calcanhares chama-se Chanel e quando o salto é muito alto e fino, Stiletto. (beRGStein, 2013).

Figura 2 - Calçado modelo Scarpin.

Fonte: Scarpin Rosa... (s.l., 2014)

Apesar de ter forma específica, sofreu modificações ao longo do tempo, sendo aceito, também, nas versões com bico arredondado, chamado “sapato de boneca” e saltos mais altos, além de varia- ções também nos materiais, que pode ser atualmente encontrado em couro ou até mesmo em tecido e plástico. (beRGStein, 2013).

A partir do pós-guerra e das novidades que a moda apresentava às mulheres, como o estilo new look de Dior, os calçados passa- ram a receber maior atenção e preocupação pelos designers em pesquisar texturas e cores possíveis de utilização em suas con- fecções. Segundo Bozano e Oliveira (2011), os próprios designers eram a evolução do antigo ofício de sapateiro e a indústria calça- dista avançava cada vez mais na busca por materiais e tecnologias capazes de oferecer diferentes possibilidades de escolha entre os modelos de sapatos. O século XX passou a ser um celeiro destes profissionais obcecados por criações que se tornassem ícones na

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moda, como por exemplo, Roger Vivier, francês responsável pelos saltos agulha (figura 8).

Figura 3 - Roger Vivier e o Salto agulha

Fonte: Plataformas... (2014).

Bozano e Oliveira (2011) também destacam o fato de que aliar estética e valores ergonômicos agrega valor ao calçado. O salto alto pode causar deslocamento do centro de gravidade para fren- te, o que causa, para a região da frente dos pés, uma pressão de carga em torno de 90% a 100% do peso corporal da mulher. (my- liUS, 1993; monteiRo, 2001).

Monteiro (1999) elaborou um estudo com médicos. Observou- -se que a baixa qualidade e o design, além do tamanho do salto, afetam em prejuízo os pés. Alguns médicos, segundo o estudo, aconselham o uso de saltos de até 5 cm, pois, acima desta gradu- ação, poderiam causar dores e até lesões nestes membros.

Porém, o próprio scarpin, com seu modelo clássico de salto alto e bico fino, pode trazer uma experiência de desconforto ou até de risco a saúde. Van der Linden (2007) atenta para o fato de que, mesmo sabendo destes riscos, a usuária deseja usá-lo, o que demonstra que o uso do calçado está relacionado a crenças, ati- tudes e valores da usuária. Norman (2008) afirma que, quando a vontade sobressai à necessidade, ocorre o sucesso do produto, portanto algumas experiências que remetem ao mal estar e des- conforto podem ser subjugadas em função da elegância e apa- rência glamurosa, ou seja, a usuária dos calçados de salto alto, mesmo sabendo dos riscos ergonômicos que os mesmos podem causar a sua saúde e postura, preferem continuar a usá-los, em

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prol de uma aparência que as remetem ao poder e glamour. Neste sentido, quando fala sobre emoção, Jordan (2000, p.24) afirma que “o conforto é definido- pelo menos operacionalmen- te-como ausência de desconforto, eles, é claro que os produtos podem oferecer prazeres fisiológicos que vão além de conforto e nos reinos da sensualidade. ”O’Keefe (1996) traz dados interes- santes, neste sentido, quando apresenta que 88% das mulheres optam por adquirir sapatos uma numeração inferior a sua de ori- gem, dando pouca importância a praticidade e conforto.

Em contraposição, um estudo realizado por Valente (2007) no Brasil, analisando questões de sensação de alívio e relaxamento, os modelos mais referenciados foram o tênis (85,25%), a rasteiri- nha (40,16%) e a bota plataforma (36,07%). O scarpin (36,89%) foi elencado junto com a sandália de salto alto (48,36%), a bota de salto alto e bico fino (44,67%) como sapatos que causam aborre- cimento, desconforto ou desprazer.

Seferin (2012) discute, entre outros elementos, a motivação de compra de calçados femininos em um estudo realizado com uma população semelhante à utilizada na pesquisa que origi- nou este artigo. As entrevistadas indicaram necessidade, impulso, conforto e características formais do calçado como motivadoras, o que abrange estética, estilo e design. Uma situação interessan- te foi que a moda não se mostrou suficiente para ser englobada como motivação, e o conforto e as características formais foram os elementos que mais se destacaram entre as entrevistadas. As respondentes com idades próximas aos 40 anos afirmaram que, anteriormente em suas vidas, compravam sapatos de salto pela estética e design, e, com o passar dos anos, começaram a dar maior preferência aos calçados mais confortáveis.

Em adição, segundo Löbach (2001), os sapatos, por serem produ- tos de uso individual, possuem uma relação duradoura com sua usuária, conferindo uma identidade, que pode não ser conscien- te, mas perceptível em nível de imagem gerada à comunidade, que é a imagem pessoal. O autor ainda afirma que existe uma re- lação simbólica entre o calçado e a usuária que permite uma as- sociação a experiências e memórias passadas. Este produto pode também ser explorado pela sociedade, em função das tendên-

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cias da moda, o que pode ser uma motivação para a aquisição da usuária, mesmo que não seja totalmente consciente.

Ainda em relação à realidade brasileira, vale salientar que, em re- lação à percepção de conforto, a Norma Brasileira de Regulamen- tação (nbR) 14834 a 14840, desenvolvida por Zaro et al. (2005),

indica parâmetros para avaliação de conforto em calçados. Eles são elementos biomecânicos, medição de temperatura, distribui- ção de pressão plantar, índice de peso aceitável, concentração de calçados, entre outros. Além de estabelecerem parâmetros para questões mais subjetivas, como sensação ao toque, ajuste dimen- sional ao pé, sensação de segurança ao caminhar e umidade. Percebe-se, portanto, que a relação da mulher com o scarpin pode até mesmo representar um conflito interno, fruto da tensão entre o embelezamento e a necessidade de conforto. Por esse