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Fonte: G1 – Pernambuco, 2013.

Escultura 4

Ídolo – Victor Brecheret

Fonte: O Globo, 2018.

Escultura 5

Brincadeiras de Criança – Ivan Cruz

Fonte: Wikimapia, 2017.

Nesse processo de descoberta, os/as pequenos/as começaram a interagir com as esculturas projetadas, imitando gestualmente a posição dos objetos e das pessoas retratadas nas obras, questionando sobre os materiais utilizados e os significados de cada uma delas. Compreendemos, nesse contexto, o corpo como extensão da arte e as crianças como seres de possibilidades. Nesse cenário de exploração, elas começaram simultaneamente a interagir com a luz da projeção e suas sombras, o que permitiu o desenvolvimento do processo

de criação artística, a expressão de diálogos, gestos e olhares que nos levaram a refletir sobre a produção das identidades/diferenças no contexto da instituição investigada.

As cenas subsequentes que serão apresentadas produziram sentidos, significados e representações das relações de poder que foram estabelecidas naquele espaço-tempo, principalmente entre as crianças.

Cena 1 – “É menino porque tem calça!”: questões de gênero na análise de esculturas

Na esteira do processo formativo com as crianças, convém destacar que as imagens das esculturas projetadas fomentaram questões de gênero pelas crianças durante as apreciações estéticas realizadas, em especial no que concerne às “formas” representadas, conforme podemos observar no quadro abaixo.

Escultura 4

Mediador: Será que a pessoa desta foto é de verdade?

Di Cavalcanti: Não! Ela está em estátua!

Mediador: E o que mais vocês estão vendo nesta foto?

Lasar: Uma moça.

Após tal diálogo, o grupo de crianças se silenciou por algum tempo buscando justificar a afirmação de que a escultura era de uma mulher. Mesmo identificando um momento importante para problematizamos, resolvemos deixar que elas refletissem e negociassem as suas impressões e argumentos.

Escultura 3

Mediador: E essa aqui?

Portinari: Uma moça também!

Mediador: Como você sabe que é uma moça?

Rosana: Porque nasce menina ou menino Mediador: Mas porque é uma menina?

Constatamos na resposta emitida por Rosana a respeito de que as pessoas já “nascem menina ou menino”, a prerrogativa da divisão biológica dos sexos, como se o tornar-se homem ou mulher tornar-se restringistornar-se a uma questão fisiológica.

Nesse sentido, bastaria nascer com vagina para ser reconhecida como mulher, e com pênis para ser identificado como homem.

Sobre o conceito de sexo, Nogueira (apud ZORKOT, 2015) aponta que seu entendimento decorre de um processo classificatório proveniente da anatomia humana. Assim, o indivíduo é concebido macho ou fêmea de acordo com os cromossomos expressos em seus órgãos genitais, contudo o gênero não é visto como:

[...] um simples signo físico ou biológico, pelo contrário, aponta para aspectos culturais e sociais das relações entre os sexos. Portanto, independente do sexo, um ser humano pode ter o gênero de masculino, feminino ou ainda outras identidades de gênero possíveis, pois o gênero é uma construção ideológica que envolve processos de configuração de identidades, definições de papéis e funções sociais, construções e desconstruções de representações e imagens, diferentes distribuições de recursos e de poder (ZORKOT, 2015, p. 86).

Sob o espectro desse debate, cabe assinalarmos ainda que as texturas capilares existentes brotaram no diálogo com o grupo como um marcador significativo do binarismo masculino/feminino, consoante podemos identificar a seguir.

Escultura 2

Rosana: Um homem!

Mediador: Por que é um homem?

Portinari: Por causa da cabeça!

Mediador: Mas mulher também tem cabeça!

Di Cavalcanti: Mas homem não tem cabelo!

Mediador: Os homens não têm cabelo?

Outros elementos foram surgindo na composição das hipóteses pelas crianças, a fim de que pudessem desvendar o grande mistério das esculturas: as pessoas retratadas eram meninos ou meninas? Vale refletir sobre o esforço que elas empreenderam para identificar às questões de gênero ao estabelecerem diálogos sobre as esculturas, com destaque para os aspectos corporais percebidos e as vestimentas constatadas nas obras.

Escultura 5

Mediador: Onde essas pessoas estão?

Rosana: Na cidade, brincando de roda!

Rafael: As meninas estão de vestido e os meninos de bermuda!

Mediador: Mas as meninas não podem usar bermuda?

Portinari: Pode!

Mediador: Mas então, por que é menino?

Di Cavalcanti: Porque ele é homem!

Na interação acima podemos constatar a reprodução de discursos normalizantes pelas crianças, mas que igualmente escutamos de muitas pessoas adultas. Discursos esses pautados no binarismo, na classificação do que pode ou não para ser homem ou mulher, sobretudo, no que tange aos supostos papéis sociais instituídos. Tal argumento também se repetiu ao apreciarem a escultura 1.

Escultura 1

Rosana: “É um osso!”.

Di Cavalcanti: “É menina!”.

Rosana: “Não! É menino, porque tem calça!”.

Anita: “Mas eu estou de calça!”.

Como é possível perceber, Anita começou a inquietar-se com a discussão desenvolvida pela turma, tendo em vista que ela estava vestindo uma calça, vestuário “específico para meninos”, conforme os enunciados que circulavam naquele momento. Dialogando com essa cena, Guacira Louro (2000, p. 8-9) amplia nosso escopo de análise ao ressaltar que:

Por meio de muitos processos de cuidados físicos, exercícios, roupas, aromas, adornos, inscrevemos nos corpos marcas de identidade e, consequentemente de diferenciação. Treinamos nossos sentidos para perceber e decodificar essas marcas e aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas que eles se apresentam corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias formas com que se expressam.

Ao ampliarmos as categorias de diferenciação na ordem dos discursos, esses atravessamentos vão além daqueles que emergiram nas análises das esculturas pelos pequenos. Cores, traços, gestos, coreografias de ser e pertencer aos espaços são utilizadas para determinar de forma dicotômica o gênero e a sexualidade das crianças a partir de uma concepção biológica, isto é, ou você nasce menino ou menina (LOURO, 2000).

Cena 2 – “Meu cabelo não aparece”: sombras que revelam identidades.

Dando continuidade à prática artística, as crianças se envolveram com a atividade de tal forma que as expressões produzidas durante esse contato nos intrigaram e, por isso, convidamo-las para o processo de criação de esculturas por meio das sombras projetadas. No decurso da proposta, Rosana e Portinari se inquietaram com assombras de seus cabelos, mudaram de posição, sacodiram a cabeça e chegaram à

seguinte conclusão:

Portinari: Meu cabelo não aparece!

Mediador: Por que será que ele não aparece?

Portinari: Ele é cortadinho!

Mediador: Você está vendo suas tranças na sombra? Elas são lindas!

Rosana: Elas aparecem só se eu virar de lado!

Turma interagindo com as esculturas

Portinari Rosana

Fonte: Do autor (2019).

Observamos novamente a temática sobre o cabelo envolvendo duas crianças negras, motivo pelo qual podemos presumir a importância desse aspecto corporal na constituição das identidades infantis. Há uma tendência, segundo Nilma Lino Gomes (2002), das crianças negras negarem, diminuírem e minimizarem o fato de terem cabelo crespo, haja vista que essa é considerada uma tática de adaptação à norma. Nesse sentido, corroboramos com Anete Abramowicz et al. (2012, p. 131):

Tudo que é ligado ao negro é silenciado na escola, um silêncio que corresponde à inexistência, e não simplesmente ao ato de calar-se, omitir ou abafar; é como uma maneira de não ver, de relegar, um “pacto”

que não deve ser quebrado, pois senão teríamos que refazer o currículo, refazer a escola.

Defendemos, portanto, uma instituição educativa que contemple a politização das diferenças, com propostas pedagógicas que não se reduzam à perguntas essencialistas sobre o que é ou não algo, mas que vá além, problematizando as dicotomias existentes na sociedade (CAMARGO, 2012). No caso específico da dimensão étnico-racial, Abramowicz et al.

(2012) ressalta que determinadas concepções e valores das/os profissionais envolvidas/os com crianças podem ampliar mais ainda a lacuna da desigualdade.

Com efeito, compreendemos que a mídia atua simultaneamente de forma ativa na veiculação e construção de imagens e ideais estéticos que acabam fortalecendo o grupo racial branco e estigmatizando negativamente os negros. De acordo com a autora:

[...] aos 4 anos de idade, as crianças já passaram por processos de subjetivação que as levaram a concepções já arraigadas no nosso imaginário social sobre o branco e

o negro e, consequentemente, sobre as positividades e negatividades atribuídas a um e a outro grupo racial (ABRAMOWICZ et al, 2012, p. 131).

Perceber os corpos, vivenciá-los e libertá-los das amarras das desigualdades passam a ser questões que garantem os direitos básicos das crianças em uma rede de proteção na qual as instituições educacionais exercem um papel fundamental. Dito isso, seguimos na próxima sessão com a interpretação das produções das crianças na busca de desvelar as prospectas redes de significações.

Cena 3 – Revelações das corporeidades na modelagem

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