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CAPÍTULO 2 – O MUNDO E AS MULHERES

2.2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DO FEMINISMO – RESISTÊNCIA DAS MULHERES

2.2.1. Mulheres e o Feminismo na África

É comum ouvirmos que as mulheres na África carregam o continente nas costas, eu digo que carregam o continente na cabeça, pois carregam a água, a lenha e os produtos para a comercialização, internamente em cada país, como também os produtos de outros países, incluindo as mercadorias de outros continentes, como os importados/doados da Europa, especialmente vestuário, mas também carregam ideias de como organizar e gerir a vida em suas sociedades. Entretanto, o que não é comum, é a ideia de que essas mulheres como as outras, em quaisquer partes do mundo, também resistem e se organizam em movimentos nacionais e internacionais.

Nesse sentido, é importante esclarecer que o feminismo atravessa os mares, não só o Atlântico, do mesmo modo, o Mediterrâneo, o Pacifico e o Índico para encontrar suas iguais, na luta contra um passado colonial e patriarcal.

No continente Africano, o feminismo é formado historicamente de quatro frentes, que são: do movimento endógeno de mulheres; da resistência anticolonial; como produto direto do movimento de libertação nacional e como resultado do grupo de mulheres profissionais, que estudaram nas Universidades tanto no continente, quanto no exterior, notadamente na Europa. Entre algumas correntes feministas, estão o feminismo liberal, o radical, o socialista, além do feminismo negro e do endógeno, em regiões Áfricanas (CASIMIRO, 2004).

A respeito do movimento endógeno, Amadiume (1997 apud CASIMIRO, 2014) diz que esta desenvolveu um argumento sobre a sua força e a vitalidade deste movimento endógeno de mulheres, no período anterior e posterior à colonização e à islamização do continente. Esta considera que há uma grande contribuição que as mulheres Áfricanasfizeram para a história mundial e para a civilização, que é o matriarcado (do qual já falei anteriormente) como uma base social e ideológica fundamental na qual assentavam o parentesco Africano e os sistemas sociais e morais mais vastos.

O feminismo no continente Africano parece ser uma prática silenciosa com suas múltiplas formas de contestação que o ocidente desconhece apesar da não identificação do termo feminismo, como informa Nfha-Abbenyi:

[...] quando as mulheres Áfricanasrecusam o rótulo de feminista, não é porque elas não querem simplesmente estar ao lado das outras feministas, mas sim porque elas creem que o termo em si não é suficiente para descrever as suas experiências e a natureza de suas opressões. (NFHA- ABBENYI, 2007 apud SILVA, 2014, p. 70).

Algumas intelectuais Áfricanasconcordando com Nfha-Abbenyi, também advogam que, apesar da dificuldade em identificar movimentos feministas no continente Africano, eles existem. Mesmo com a aparente ideia de que a movimentação feminista ocidental, dos anos 1960 e 1970, não tenha impactado o continente, sabe-se que a partir desses anos, intelectuais Áfricanasdecidem por mudanças nas regras sociais e transmitindo de boca a boca, o provérbio

Um leão não precisa rugir para manter a multidão aterrorizada. Nesse período também passaram a criar alternativas variadas de contestação, conquistando pouco a pouco a sua independência, por meio de uma luta em grande parte invisível (FALL, 2009).

Assim, foi na independência econômica as maiores vitórias das mulheres, com redes sociais de comércio e controle dos mercados e com isso convenciam governos para a mudança da legislação da família; este foi o caso de regiões na África ocidental e central.

Também há que se considerar o destaque das mulheres na vida acadêmica, pois em 1979, escritoras como Mariana Bá57chamam a atenção do continente com suas obras sobre a situação das mulheres. E, no final da década de 1990, um conjunto de intelectuais contextualiza e teoriza os chamados feminismos, com atuação também de uma nova geração

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de jovens mulheres que, por meio da produção artística, segue resistindo à opressão de gênero e racial. São mulheres escritoras e acadêmicas de várias partes do continente:

Ao explorar questões relacionadas com a raça, o género, a violência doméstica ou psicológica, o poder, o território, o pós-colonialismo e a democracia, as suas obras têm abarcado uma ampla série de temas e preocupações contemporâneos. Esta geração comprometida levantou questões acerca da oposição masculino/feminino, submissão/controle, tradição/modernidade, local/global. Aceitaram o desafio de questionar a sua sociedade – o modo como se adaptam a ela, enquanto mulheres, e se relacionam com o mundo, enquanto Áfricanas. (FALL, 2009, p. 3).

Ainda segundo N’Goné Fall58, apesar de:

[...] nascer mulher em África ser uma desvantagem e nem sempre ser fácil identificar os movimentos feministas no continente, isto não significa que não os tenha havido ou que não haja, pois nem sempre a tranquilidade significa submissão; nem sempre o silêncio equivale à aprovação.

Um desafio para o feminismo na África é a vinculação do seu estudo às pesquisas de libertação nacional e na filiação a um campo internacional de estudos feministas (MAMA, 2010). Para esta autora, “a tradição dos estudos acadêmicos na África sempre rejeitou o pressuposto liberal que privilegia o não envolvimento e o distanciamento em relação ao contexto social” (p. 606), talvez seja esta, uma dificuldade para com os estudos feministas na África, por causa do próprio termo no continente.

É necessário considerar que, de uma forma dicotômica, as mulheres, no ocidente, tem sido consideradas universalmente liberadas, gozando de igualdade, que controlam seus próprios corpos e sexualidade e lutam contra os homens, enquanto que as mulheres não ocidentais são consideradas vivendo na obscuridade das tradições, universalmente vítimas da violência masculina e agredidas sexualmente. Desta forma, a palavra feminismo tem sido vista como alheia às características distintas no continente Africano.

Igualmente para Adichie (2014), na Nigéria, a palavra feminismo, é carregada por estereótipos, tem um peso negativo, com ideias de que a feminista odeia os homens, odeia a cultura Áfricana, achando inclusive, que as mulheres devem mandar nos homens.

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N’Goné Fall, Criando um espaço de liberdade: mulheres artistas de África, 2009. <http://www.artÁfrica.info/novos-pdfs/artigo_16-pt.pdf>. Acesso: setembro de 2015.

Diante disso, a tentativa de pensar o feminismo de uma forma ampla, não universal, incorporando os contextos econômicos, sociais e políticos onde vivem as mulheres, pode ajudar a melhor interpretar estas realidades sociais. A experiência das mulheres, em sua vida cotidiana, talvez seja a contribuição do chamado feminismo negro da diáspora, mas também das feministas nas várias regiões Áfricanas. Com o desenvolvimento de suas teorias passam a ter o comprometimento, não apenas com o conhecimento da realidade, porém, fundamentalmente com a sua transformação.