• Nenhum resultado encontrado

Mulheres são executadas com tiros na cabeça

3.2 Mulher-corpo

3.2.3 Mulheres são executadas com tiros na cabeça

A notícia em questão trata da prática de dois assassinatos de duas vítimas na capital Goiana com um intervalo de apenas doze horas, as mulheres em questão não se conheciam e tinham vivencias cotidianas distintas. A primeira, uma manicure, tinha uma filha e foi executada enquanto visitava a casa de uma amiga. A segunda mulher cumpria pena por tráfico de drogas, e, pelo que é apresentado pela notícia estava no regime semi- aberto pois, durante o dia saia para trabalhar e ao entardecer voltava ao albergue para cumprir pena. Por este motivo, o uso constante do vocábulo “albergada”.

O que as une é o fato de ambas terem sido exterminadas de maneira similar, com tiros na cabeça, como o próprio título da notícia indica,

1) “Mulheres são executadas com tiros na cabeça”.50

Outros fatores em comum dizem respeito a localização dos assassinatos, os dois ocorridos na região sudoeste da capital e a autoria desconhecida dos dois delitos, que até o momento de escrita da notícia ainda não haviam sido elucidados.

2) “Crimes aconteceram em um intervalo de 12 horas, ambos na região sudoeste da capital”.51

3) “Os autores ainda não foram identificados”.52

Iconograficamente o que une os dois acontecimentos e a maneira como operam os mecanismos discursivos utilizados pelo jornal diz respeito a grande quantidade de disparos de arma de fogo que atingiram as vítimas. Mais do que isso, os detalhes são descritos e valorizados pelo jornal, desde a quantidade de disparos de armas de fogo descritas como duas pistolas de calibre 380 e calibre 9 milímetros, e principalmente a parte do corpo atingidas pelos disparos, rosto e cabeça respectivamente, fatos que a todo o momento são rememorados pelo jornal. Enunciados que aparecem muitas vezes mesmo em uma notícia tão diminuta.

50Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

51Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

52 Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

66

4) “Andreia Oliveira Aráujo foi executada com 10 tiros na cabeça”.53 5) “Duas mulheres são executadas com dezenas de tiros na cabeça em Goiânia”.54

6) “foi morta com pelo menos nove tiros no rosto dos 13 disparados contra ela”.55

7) “o homem entrou no quintal e a alcançou, disparando os tiros de curta distância e fugindo em seguida. O executor usava uma pistola calibre 380”.56 8) “O homem deu 10 tiros na cabeça da vítima, usando uma pistola calibre 9 milímetros”.57

Como pode-se observar pelo recorte dos enunciados, o número exorbitante de disparos, o local onde os disparos acertaram as vítimas e os calibres das armas recebem grande ênfase do jornal. A maneira como acontece a descrição dos infortúnios dessas mulheres, os detalhes e requintes de crueldade descritos pelo noticiário e até o pormenor do calibre dessas armas contribuem para a aproximação do leitor da cena do crime.

Com isto, por exemplo, ele pode intuir a partir da leitura do enunciado 7 que, se apenas um tiro de uma arma 380 no rosto já se faz um grande ferimento, que, com toda certeza levará a óbito. Então ele poderá imaginar a desfiguração do rosto da vítima, do enterro em caixão aberto que provavelmente a família não fará, do rosto da mãe que a filha nunca mais verá e não poderá ao menos despedir-se.

Pelos enunciados e a descrição das agruras que sofreram essas mulheres ele também entrará em conexão com a agonia que tomou conta dessa mulher do recorte 7 que vendo a proximidade da morte tentou empreender fuga em vão sendo interpelada por seu assassino. Lembremo-nos que a luz da AD os sentidos que emergem de um enunciado são múltiplos, não podendo o jornal, restringi-los a um processo de significação e entendimento unívocos. Para Fernandes (2007, p. 15),

Quando nos referimos à produção de sentidos, dizemos que no discurso os sentidos das palavras não são fixos, não são imanentes, conforme, geralmente, atestam os dicionários. Os sentidos são produzidos face aos

53Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

54 Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

55Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

56 Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

com-tiros-na-cabe%C3%A7a-1.936726>. Acesso em: 04 abr. 2017.

57 Disponível em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/mulheres-s%C3%A3o-executadas-

67

lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução. [...] Essas reflexões permitem afirmar que a língua se insere na história (também a construindo) para produzir sentidos.

No recorte 8, algo similar acontece, é necessário mais uma vez escancarar a ferocidade do ataque que retirou a vida da vítima, dizer que ela sofreu dez disparos de arma de fogo na cabeça, mas, não de qualquer arma, mas uma pistola de calibre 9 milímetros. No enunciado 5 é notável a postura do jornal que esforça-se para impressionar o leitor a todo custo, não basta informar que as vítimas vieram a óbito por disparos de arma de fogo, a quantidade exacerbada de disparos tem de ganhar ênfase pelo vocábulo “dezenas” acrescido de “tiros na cabeça”.

Todavia, o que mais desperta atenção nessa notícia não concerne tão somente ao conteúdo linguístico. Mas, sobretudo a seu conteúdo visual. Trata-se de uma imagem forte destacada pelo jornal em que aparecem no asfalto parte do fluído corporal da vítima, da segunda mulher assassinada, e logo abaixo da imagem o enunciado 04 acima descrito, no qual menciona-se que a mulher foi atingida por 10 disparos de arma de fogo.

A imagem permite ver uma grande poça de sangue no asfalto que seca á luz do sol, no meio do sangue há um material viscoso de cor clara que pode tanto ser apenas uma sujidade do asfalto ou parte da massa cerebral da vítima, que provavelmente teve o crânio dilacerado. O aditivo linguístico a imagem visual permitem-nos antever esse desenlace. De acordo com Courtine (2013, p. 152),

A proximidade ressentida em relação ao sofrimento humano, imerso assim no fluxo das imagens carreadas pelas mídias líquidas, rogadas a ceder lugar ao desembarque de novas levas de ícones da desgraça, entra em um conflito insolúvel com a lembrança constante de seu distanciamento: a espessura tecnológicam do processo que se interpõe entre o acontecimento e o espectador, esquecida em um instante de transparência, ressurge a estranheza dos atores, o distanciamento do lugar e das circunstâncias, e, finalmente, o próprio distanciamento das residências humanas da dor.

Assim, como já dito, tem-se a impressão de aproximação do cenário do crime e de todo o horror desse momento. Não em um sentido humanizado de compaixão, mas como a própria imagem da dor e de seu limiar extremos.

68