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Os estudos de interação social precisam levar em conta não somente as produções ver- bais presentes na comunicação, mas também todo aparato multimodal corporal utilizado pelos participantes nas construções de identidade e posicionamento cultural para a autenticidade dos atos individuais. No modo oral, a multimodalidade se dá pela entonação da voz e pelas ex- pressões faciais e gestualidade, que evidenciam os atos de complemento, sobreposição, inten- sificação e contradição da fala. Já no modo escrito, a multimodalidade comunicativa acontece pelo uso de imagens e elementos gráficos.

O termo multimodalidade foi cunhado por Kress e Leeuwen (1996), a fim de conceitu- ar o modo como é construída uma representação imagética. Tendo como base a Semiótica, a análise dos recursos imagéticos que representam uma cultura precisa considerar o significado dos modelos culturais de uma sociedade a partir da noção de modos. Kress (2010) afirma que os aparatos semióticos são mutáveis e adaptáveis às condições para as quais a representação cultural se define. A representação sígnica – o design visual – sempre se codifica como sendo múltipla e a significação ocorre de forma intencional e não arbitrária.

Vieira e Silvestre (2015), ao tratarem de multimodalidade, defendem que

a significação não reside apenas no âmbito do linguístico, mas também na maneira como a usamos em contexto. Com o advento da sociedade visual da qual fazemos parte, esse conhecimento é construído não só pela linguagem verbal (oral ou escrita), mas também pelas linguagens nos seus diferentes modos. (p. 7).

Para as autoras, a investigação comunicativa a partir dos modos de representação e produção de significado se dá pelo fato de que a multimodalidade da comunicação “é a designação para definir a combinação desses diferentes modos semióticos na construção do artefato ou evento comunicativo” (p. 8). Em se tratando de investigação comunicativa, a multimodalidade trata de aspectos da ciência, globalização e tecnologia.

Portanto, para Vieira e Silvestre (2015), a linguagem é entendida como construto social que é modelada pelo ambiente e que modela o ambiente. A linguagem, tal como para Bourdieu (1998), se consolida como uma ferramenta de evidenciação de poderes sociais, políticos e econômicos. A multimodalidade em comunicação é investigada a fim de que haja entendimento também desses aspectos de domínio social, tanto em questões de desigualdade como nas estruturas de dominação e materialização de poder e a forma em que o poder é “exercido, mantido e reproduzido discursivamente nas organizações” (VIEIRA; SILVESTRE,

2015, p. 8).

A tecnologia midiática acaba sendo aparato de ressignificação, reconfiguração e recontextualização de discursos em diversos níveis de complexidade, como asseveram Vieira e Silvestre (2015). Em se tratando de representação da realidade, as autoras afirmam que, no discurso multimodal,

as múltiplas semioses desempenham relevante papel na construção dessas camadas de reconfiguração da linguagem, tendo em vista que as representações realizadas por meio das imagens e das cores, por exemplo, aproximam mais o discurso representa- do da realidade. (p. 17).

Além de tratarem do discurso multimodal, Vieira e Silvestre (2015) discutem o papel da tecnologia como suporte para a reconfiguração estereotipada da sociedade que utiliza a rede midiática para essa construção. A audiência acaba sendo experimentadora dessa repadronagem e, de certa forma, passiva às referências ali depositadas. Para as autoras,

pertencemos a uma sociedade da imagem; somos cidadãos multimodais a ponto de descansarmos quando vemos imagens em frente à TV. Somos fruto de uma socieda- de digital, uma sociedade multimodal. Foi nesse favorável contexto que o discurso monomodal encontrou terreno fértil para se ressemiotizar e compor os atuais discur- sos multimodais. (p. 38).

Ademais, a multimodalidade em interações sociais se reconfigura a partir da linguagem e movimentação corporal nas ações comunicativas, pelo processo cognitivo, pela cultura, conhecimento de mundo, identidades e relações sociais, espacialidade e temporalidade (MONDADA, 2016). A mobilidade e sensorialidade são aspectos fundamentais da projeção multimodal e do posicionamento social. Conforme Mondada (2016), gestualidade, olhar, expressão facial, postura corporal, movimento corporal, como também prosódia, léxico e gramática são aspectos de análise das modalidades de projeção comunicativa. A autora defende a investigação multimodal nos estudos de Análise da Conversa pela rica metodologia que representa na investigação da sequencialidade de atos comunicativos e na representação social.

Para Goodwin (2010),

a interação humana é constituída pela combinação ativa de materiais com propriedades intrinsecamente diversas, em configurações contextuais situa- das, onde eles podem mutuamente elaborar um ao outro para criar um todo que é diferente e maior que suas partes constituintes. Isso gera uma série de consequências na organização da linguagem, ação, conhecimento e corporificação em interações situadas (p. 85).

A prática interativa constitui-se como um rico espaço analítico ao considerar o estudo de frames77 em que há uso de linguagem verbal e aparato multimodal. A investigação cogniti-

va dos atos comunicativos serve como subsídio para o entendimento da construção identitária presente nas interações. O posicionamento social tomado evidencia o contrato de fala.

Goodwin (2010) utiliza o conceito de vozes proposto por Bakhtin (1997), a fim de explicitar a teoria de fala corporal. A projeção social e identitária pode ser reconstruída tanto pela fala como pelo posicionamento corporal. Bakhtin (2002) afirma que

as relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais (relati- vamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do enun- ciado, inclusive a uma palavra isolada, caso esta não seja interpretada como palavra impessoal da língua, mas como signo da posição semântica de um outro, como re- presentante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvirmos nela a voz do outro. Por isso, as relações dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado, inclusive no ín- timo de uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes. (p. 184). Assim, o conceito de dialógico para Goodwin (2010) toma sentido de empréstimo de ações sociais. A interação, então, oferece a individualidade do falante como também a influência do espaço e do evento.

Resumidamente, neste capítulo, discutimos sobre a relação entre a sitcom e os mecanismos de humor. A comédia situacional tem como particularidade evidenciar perfis de identidade através do posicionamento dos personagens, assim como o enredo, que se encarrega de construir cenários passíveis de representar a realidade. A discussão está para o fato de que muitas dessas performances representativas da realidade acontecem de forma generalizada, distorcendo padrões de verdade ou ampliando características culturais. Esse processo de simulação não se qualifica como espelho social, pelo contrário, tenta se aproximar do que é ideal. Entretanto, dessa forma, as sitcoms se apropriam de recursos de

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Em sua discussão sobre frames, Minsky (1981) entende que o cérebro possui uma coleção de censores cogni- tivos que acionam o subconsciente e, de forma lógica, interpretam uma situação, uma imagem e um contexto. Através deste processo é que é entendido o humor e que as representações estereotípicas são identificadas. Em piada, o aparato linguístico é considerado essencial para o entendimento contextual. A ciência de que há uma violação de expectativas em uma situação pode gerar humor, tanto em incongruência como em superioridade. Já Raskin (1979) discute o cômico em situações comunicativas a partir de scripts mentais (tais como frames, con- ceito discutido no capítulo anterior), que são mapas cognitivos que acessam estruturas da narrativa de comédia a partir de criações do senso comum. A hipótese levantada pelo autor é a de que o elemento humorístico é resulta- do da sobreposição compatível de dois (ou mais) scripts situacionais, o que pode ocasionar textos ambíguos, metafóricos, figurativos, alegóricos, míticos, alusivos e obscuros. Para o autor, a definição da comicidade como um fenômeno social leva em consideração aspectos filosóficos, psicológicos e de natureza fisiológica. A propos- ta de valoração do humor está em ser estético, na relação com a verdade, em padrões morais e éticos, costumes e regras sociais, na própria teoria, na dependência do espaço social além de considerar que a cultura é representada pela sociedade. O senso comum se configura por informações compartilhadas em sociedade, tais como: situações rotineiras, procedimentos padrões, regras, dentre outras, com as quais, através do repertório de estruturas cogni- tivas, as pessoas conseguem conviver. Havendo quebra de script do senso comum, há quebra de expectativa e incongruência, características de geração do humor (RASKIN, 1979).

imitação da realidade e extrapolam em generalizações para promover entretenimento. Assim como discutem alguns autores, os construtos identitários que os personagens interpretam nas produções seriadas, embora tenham o objetivo de gerar humor, não demonstram ter responsabilidade com a representação do real, apenas operam como menções de representação. No próximo capítulo, tratamos dos métodos, técnicas e procedimentos desta pesquisa. Analisamos o corpus e discutimos os resultados.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Este capítulo objetiva apresentar os métodos de pesquisa, que são o qualitativo e o estudo de caso, as técnicas de coleta e transcrição do corpus e os procedimentos de análise dos dados conforme as teorias discutidas nos capítulos 2 e 3, e, ainda, analisar e discutir os resultados desta pesquisa. Na seção 4.1 apresentamos os métodos, as técnicas e os procedimentos de investigação. Na seção 4.2 analisamos os excertos do corpus. E na seção 4.3, discutimos os resultados encontrados na análise desta dissertação.

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