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a) Ser e Mundo – condição ontológica do ser em busca de compreensão

Basicamente podemos, por questão de sistematização, pensar o ser-no-mundo, como sendo diante das coisas, “ser-em”,56 e como diante de outros, o “ser-com”.57 Contudo, há que se conceber com mais propriedade o que significa ser-em, e ser-com. A expressão utilizada por Heidegger como ser-no-mundo (In-der-Welt-sein ) poderia se constituir num problema para a ontologia se esse ser-em fosse compreendido como “dentro” ou como “justaposto”. O “dentro”, implicaria numa redução e um estar contido. Nesse caso haveria a possibilidade

55 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, § 43, b. 56 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 12ss.

de se considerar um todo abrangente já como dado, como pouco tempo depois faria Jaspers, em sua Filosofia de 1932, a partir da condição geral da consciência.58 Este “todo abrangente”59 poderia ser facilmente interpretado como um retorno à unidade metafísica escolástica, apesar do esforço de Jaspers.60 Isto é, o “mundo” passaria a ser o ente “maior” que abarcaria o ser. É por essa razão que não pode ser compreendido no seu sentido espacial, como res extensa, análise que Heidegger fará a partir de Descartes,61 e a condição de substancialidade do mundo, o que implicaria numa busca desta dimensão ôntica do que seria mundo.62 Isso seria o mesmo que dizer que o ser deixaria de ter sentido, pois o sentido

contido já seria pré-definido pelo ente mundo, res extensa, ou substância, no sentido estrito do termo. Além disso, a expressão “em”, do ser-em-o-mundo, vincula-se mais à concepção de “espaço”, o que aparentemente poderia coisificar a existência, antes de ser existência. Ao que parece, essa teria sido a interpretação de Jaspers sobre o Dasein, na medida em que estabelece a condição anterior de sujeito-objeto. 63A existência assim, de certa maneira, deixaria de ter o seu primado e o assunto deveria voltar à indagação sobre o que é o mundo, tanto como “espaço”, quanto ente “maior”, para se compreender o sentido do ser nele contido.

A justaposição, por outro lado, conquanto aparentemente pudesse refletir melhor o pensamento de Heidegger, colocaria o ser e o mundo num estado de ruptura, em que o “em” poderia perder completamente o sentido. O sentido de distância necessita ser compreendido pela perspectiva ontológica, e não como um algo diante de um outro algo.64 Ou seja, a justaposição destitui um e outro de relação, pois ambos se manteriam como sendo, o que impediria a condição de factibilidade do ser lançado (Geworfenheit)65 que, mais do que estar “junto à”, dá-se como forma de completude da existência. Em outras palavras, não é possível pensar no Dasein, sem a condição necessária de mundo, pois seria o mesmo que abdicar à condição da pergunta pelo sentido. O sentido se dá “em”. É por esta

58 JASPERS, Karl. Filosofia I, página 5 e seguintes. 59 JASPERS, Karl. Filosofia da Existência, pp. 21/2. 60 JASPERS, Karl. Filosofia I, pág. 4.

61 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 19. 62 Ibid., § 20.

63 JASPERS, Karl. Filosofia I, pág. 9. 64 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 23. 65 Ibid., § 38.

razão que, ao abrir o diálogo do In-der-Welt-sein, Heidegger procura afastar o problema do “em”, como “dentro” ou como “justaposição”. Isto é, a atualização do Dasein, como em cada caso e por si é, para Heidegger, factibilidade.66 Esta factibilidade se dá como “destino” (“Geschick”), em função da condição intramundana (innerweltlichen) do Dasein. O que Heidegger deseja preservar, e isso ele diz de forma clara, é que o Dasein se dá a partir do que é.67 O In-der-Welt-sein é a factibilidade do Dasein, apenas isso.

Torna-se inevitável, para Heidegger, deixar de considerar a partir disso alguns elementos fundantes da sua antropologia, ou da tentativa de negação desta. Isso porque, a factibilidade do Dasein que se coloca em liberdade ontológica “em” um mundo, não significa necessariamente assumir a condição do “eu” e do “sujeito”. O “eu” e o “sujeito” são entes, o ser não, mas o Dasein o é. Por esta aproximação entitativa entre o Dasein, o “eu” e o “sujeito”, pode sugerir de que se tratam da mesma coisa. O termo “coisa” aqui, diz respeito à coisificação, no sentido e forma utilizada pelo próprio Heidegger. Ora, se fossem todos uma única coisa, a racionalidade por fim retomaria o seu lugar como algo dado junto ao

Dasein. Seria o mesmo que voltar a Kant. Apesar de tanto esforço, a ontologia não passaria

de uma arquitetura pré-racional, que ao invés de representar uma avanço, apenas consolidaria o racionalismo. É por essa razão que Heidegger entende que a condição do “eu” e do “sujeito” tem sido o ponto de partida para coisificação, tanto da “consciência” quanto da “alma”.68 Heidegger inclui, na mesma direção, a filosofia da vida, e o faz no

mesmo parágrafo. A filosofia da vida poderia ter sido uma superação, mas não conseguiu ir além de uma totalidade já antes determinada. Sem dúvida, a sua contribuição foi a de abrir a condição do ser humano para um sentido. Ao fazer isso, redescobriu o conceito de pessoa, que não se esgota no sujeito de atos racionais, contribuição esta, segundo Heidegger, dada por Scheler. Daí, para a intencionalidade de Husserl, faltou pouco, uma vez que não seria possível evitar o modo de ser do ser pessoa. O que Heidegger estava tentando mostrar é que o Dasein, por fim, é “antes” da intencionalidade. Depois disso, só é possível compreender estas categorias pela ontologia. A racionalidade seria “derivada” da existência, a partir do “momento” ou “tempo”, quando o ser se dá no mundo, ou In-der-Welt-sein. Sob uma

66 Die Tatsächlickeitdes Faktums Dasein, als welches jeweilig jedes Dasein ist, nennen wir seine Faktizität. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 12.

67 Ibid., § 9. 68 Ibid., § 10.

antropologia tradicional, ou o ser humano seria um ser racional, ou a sua essencialidade só poderia ser determinada pela teologia, como“fuga” de sentido.69 De qualquer modo, a tentativa de compreender o ser humano se daria, ou pela objetividade racional, o que não seria suficiente para se chegar ao ser de fato, ou migraria para a transcendência, que passaria a compreender o ser, de certo modo, de maneira externa. Em suma, o ser-no-

mundo é factibilidade do Dasein. Não exclui a unidade, antes a constitui, mas não como

forma de dependência do ser ao mundo, quer por contenção, quer por justaposição. Em qualquer caso, o problema do conhecimento se tornaria resultado de uma racionalidade, na forma como considerada até então. Heidegger estava assim bem perto de elaborar a direção de um “pré-conhecimento”. De certo modo está “antes” do conhecimento. Entretanto, Heidegger não deseja simplesmente discutir o problema do lugar do conhecimento, se pré ou se pós, mas dar ao conhecimento a sua natureza ontológica, ou seja, não categorial ou conceitual, mas existencial. Nesse caso, nem mesmo o termo “conhecimento” seria adequado, mas “compreensão”.

Uma leitura similar, ao considerado acima, pode ser feita quando se estuda a questão do ser que se dá no mundo diante da alteridade. Heidegger vai tratar disso um pouco mais adiante.70 O Dasein não é pessoal, no sentido estrito do termo, uma vez que pessoalidade implicaria em ruptura. Talvez a frase de Heidegger que poderia caracterizar bem esta proposta ontológica, seria: Todos são outros e nenhum é si mesmo.71 A inclusão de “mundo” na tradução para a língua portuguesa, nessa afirmação, deve ser compreendida como generalidade, não no sentido ontológico, nem no sentido de “em”. Trata-se de um “ninguém”, que se dá em alteridade quando estando, desde sempre, “com”. O outro, para Heidegger, é uma duplicação de si mesmo,72 portanto não é vazio, como se o “ninguém” pudesse ser assim compreendido. Trata-se do si próprio que encontra sentido quando se “duplica” tornando-se outro, “perdendo” a condição de ensimesmamento e ruptura, como se pudesse ser singularizado. Isso porque o Dasein já se constitui desde sempre em

69 1. Die Definition des Menschen: ζονλ∉γον ƒχον in der Interpretation: animal rationale, vernünftiges

Lebewesen. [...]2. Der andere Leitfaden für die Bestimmung des Seins und Wesens des Menschen ist ein theologischer. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 10, 1 e 2..

70 Ibid., §§ 25 e seguintes, e a apresentação do capítulo quarto.

71 Jeder ist der Andere und Keiner er selbst. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 27. 72 Ibid., § 26.

abertura, não há uma condição de pessoalidade anterior. Trata-se de uma projeção (Projektion)73, desde que esta não seja compreendida como acontecendo a partir de um momento, mas desde sempre.

b) Conhecimento – sujeito e objeto

Ao refletir mais precisamente sobre o modo de conhecimento do ser-no-mundo, 74 Heidegger se preocupava em mostrar que o conhecimento, agora sim no sentido epistemológico, sempre se apresenta como uma relação entre sujeito e objeto. Isso é o mesmo que indicar os aspectos tanto formais quanto externos do conhecimento. O aspecto formal, está na concepção do “dentro”, do algo que já deve ter sido dado, para que o conhecimento se mostre como possibilidade de acesso ao conhecido. O externo, deriva do deslocamento e sentido de dentro para fora, explicando-se assim o não ensimesmamento do próprio conhecer, uma vez que sem deslocamento sequer poder-se-ia falar em conhecimento. Nesse caso estamos diante de uma situação semelhante ao discutido anteriormente, sobre a verdade como hipótese e sua confirmação, pela via conceitual. Quando se diz, porém, conhecimento em Heidegger deve-se tomar o cuidado de não pensá- lo como conteúdo. Pois, ao se conceber o conhecimento como conteúdo, a pergunta seria sobre o conteúdo desse conhecimento. Isso, para Heidegger, teria sido o problema de se estudá-lo, pois rapidamente se passa para o conteúdo do conhecimento, como se esse fosse o conhecimento em si. Não é necessário afirmar que a migração para o conteúdo, esconderia o sentido do que seria conhecimento, na sua perspectiva ontológica.

Agora, pensando nessa questão do conhecimento em si, para Heidegger, o que se tem é o conhecimento como modo de ser do In-der-Welt-sein.75 Este modo de ser (Seinsart) significa “enraizado” no ser ou, de forma redundante, ontológico. Isso quer dizer, mais uma vez, que o conhecer não tem um conteúdo antecipado, e dentro dele não há um “pensar”, como os juízos categóricos kantianos, por exemplo. Também não se dá, pura e simplesmente, pela demonstração do objeto. De certo modo é intuição, mas que tem o seu “conteúdo” não a partir do objeto, mas no ser no rigor do termo, ou novamente, ontológico.

73 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 26. 74 Ibid., § 13.

O conhecimento se dá pela “percepção”, dirige-se para o poder “dizer” a respeito de algo. É o dirigir-se, em direção à, que constitui a hermenêutica ontológica.

Desse modo, Heidegger não pretendia dar um conteúdo formal ao conhecimento, antes desse conhecimento dar-se ontologicamente como hermenêutica. Heidegger também justificou que não há como se falar em abertura do conhecimento de “dentro” para fora, porque o Dasein já se dá como abertura.76 A expressão direcional, de “dentro” para “fora” gera uma incompreensão sobre o Dasein. Cria-se um abismo entre o que está “dentro” e o que está “fora”. Para Heidegger o Dasein só se compreende como abertura, porque é pergunta pelo sentido. A pergunta ensimesmada, como um juízo analítico, não consegue sair do círculo do conceito. Não tem saída. Sem dúvida, essa teria sido a razão de Kant ter elaborado os juízos sintéticos, e sua lógica transcendental de deslocamento. Isto é, ao elaborar, em sua Crítica da Razão Pura o juízo sintético, ou o juízo por agregação do predicado ao sujeito, Kant estava rompendo com o círculo de ensimesmamento do conhecimento. O sujeito, pela razão, poderia agregar um predicado não incluso. Nesse caso, em Kant, a razão pode assumir a sua independência do ente, não tendo que tão somente analisar o que já está previamente contido. Isso é o mesmo que agregar outros sentidos ao sujeito. É o “abrir” que Heidegger toma emprestado, só que não a partir da razão, mas do ser.

Assim, não há como se falar em ruptura de um “mundo interior” para um “mundo exterior”, quando se pensa no ser. Heidegger insiste que não há ruptura, pelo fato do Dasein se dar, ele mesmo, como abertura, como pergunta ontológica. Ao se dar, “torna-se” existência. Em outras palavras, não é o mundo que impõe ao ser um sentido, nem o ser que impõe ao mundo um sentido, pois a pergunta não possui conteúdo. Se tivesse conteúdo, o ser não teria sentido. O ser não seria “de si”, pois receberia o sentido por imposição, uma espécie de heteronomia. Se, por outro lado, o ser impusesse o sentido, numa radical autonomia, o próprio ser poderia se dar como artificial por acabar dando ao mundo um sentido, para que ele mesmo tivesse sentido.

76 Im Sichrichten auf... und Erfassen geht das Dasein nicht etwa erst aus seiner Innensphäre hinaus, in die es

zunächst verkapselt ist, sondern es ist seiner primären Seinsart nach immer schon “draußen” bei einem begegnenden Seienden der je schon entdeckten Welt. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 13.

Desse modo, para Heidegger, o conhecimento sob a perspectiva ontológica se dá como modo de ser. Conquanto haja uma resistência de Heidegger em desdobrar o In-der-Welt-

sein, o In-der-Welt, o “em-um-mundo” é a (1) necessidade própria do Dasein para que o

seu sentido possa ser interrogado77, (2) o que impõe uma necessidade de compreensão do que seria mundo.78 (3) Ao mesmo tempo, a pergunta do “quem ?” (Wer?) que se dá sempre como é, segundo o seu modo de ser no mundo.79

Os três argumentos, que abrem o segundo capítulo do Sein und Zeit, demonstram a tentativa de superação do que seria conhecimento, até então elaborado no pensamento. Que há conhecimento, isso não resta dúvida porque a pergunta ontológica, embora não tenha conteúdo, necessita ter um sentido, pelo menos. Se fosse pergunta pelo conteúdo, seria racionalista. Como é pergunta pelo sentido, é ontológica. O conhecimento então, para Heidegger, sob a ótica da ontologia, deveria iniciar uma nova busca de sentido. A leitura que Heidegger faz, como já apontado acima, é a afirmação do primado ôntico-ontológico do Dasein¸ que pergunta pelo sentido do ser antes de perguntar pelo “conteúdo” do mundo. A expressão “conteúdo” também não é adequada, porque Heidegger está considerando o mundo (Welt) no sentido ontológico. É o que se dá primeiramente, nesse caso sem conteúdo, como relação primeira do ser lançado. O ser lançado não pode se dar na condição de suspensão. A hermenêutica da busca do sentido é antes hermenêutica que conteúdo, mas num dado momento, que na verdade se constitui como o imediatamente dado, o conteúdo terá que ser “lido”. É a partir disso que Heidegger elabora a concepção do que ele chama de

categoria, no sentido ontológico (χατηγορ∅α)80 Assim, existência e categoria são dados como modos ontológicos.81 Um e outro se dão quando o ser se dá no mundo.

c) O Conhecimento e o Modo de Ser no Mundo

O problema do deslocamento do conhecimento “para fora”, mesmo em se tratando de ontológico, sem se pensar em seu conteúdo, não é desconsiderado por Heidegger. Precisaríamos estudar melhor o que significa o conhecimento como modo de ser no mundo,

77 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 12, 3. 78 Ibid., § 12, 1.

79 Das “Seiende”, das je in der Weise des In-der-Welt-sein ist. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit, § 12, 2. 80 Ibid., § 9.

para superarmos a possibilidade transcendental no sentido conceitual. O tema não é simples, mas como modo de ser, para Heidegger, o conhecimento já “está” no ser quando esse se dá no mundo. Mais precisamente, o ser-no-mundo, só pode ser dado no mundo, se o for pelo conhecimento, como compreensão, na sua concepção ontológica, já que o Dasein já se encontra, desde sempre, em abertura. Isso quer dizer que, compreender o conhecimento como abertura, é confundi-lo com o ser. O Dasein já é a própria abertura e não há como se pensar no que se dá entre o “internamente” e o “externamente”. A idéia de uma condição “externa” é concebida como o que não é ser, contudo a factibilidade que é o

estar-em constrói, no momento do lançamento, o próprio ato de conhecer. Heidegger

questiona o deslocamento de “esferas” (“Sphäre”) de conhecimento do que poderia internamente ser para uma outra, numa condição exterior (“andere und äußere ”).82 Se assim o fosse, bastaria analisar o conteúdo destas esferas, e novamente estaria de volta a possibilidade racionalista, com todos os problemas já mencionados sobre a sua impossibilidade de conhecer o ser. Então, o que seria tal interior, esse “estar dentro?” A resposta de Heidegger dá o limite como sendo o modo de ser do sujeito. O que resta, além disso, é um grande silêncio, um enigma. É claro que estas considerações de Heidegger emanam um certo clima frágil, como se não houvesse condições de ser ir além. De fato, o excesso de abstração, e o conceito que Heidegger tem de conhecimento, mesmo superando a condição sujeito objeto com base na ontologia, ainda tem o seu ponto de inflexão na objetividade. A superação da objetividade, em outros casos do pensamento de Heidegger, é sempre recuperada com a expressão “modo de ser”, ou, “do que seria inerente ao ser”, “forma de manifestação do ser enquanto seu próprio modo”. Isto é, Heidegger opera a passagem da objetividade, para a abstração desta mesma objetividade e, por fim, a torna como algo inerente ao ser. Como o ser é a preocupação central da analítica de Heidegger, estudar a objetividade racionalista de qualquer conhecimento, poderia equivocadamente eclodir na busca do significado do ser, quando na verdade o que estaria sendo estudado seria apenas a objetividade em si e não o ser. Por essa razão, compreender o conhecimento como modo de ser é tentar partir do ser para se pensar o conhecimento e não o contrário. Ao chegar ao conhecimento como modo de ser do Dasein, assim como fizera tentando conceituar a existência, Heidegger acreditava ter chegado no limite possível de

compreensão, o limiar profundo da abstração. Ao ser modo de ser, ou a manifestação do que é inerente ao próprio ser, enquanto ser. O passo seguinte seria conhecer o próprio ser, inacessível como conteúdo, mas passivo de análise em seu sentido. Daí, Heidegger afirmar que o fundamento ôntico do conhecer é como modo de ser do Dasein. 83

É claro que estas considerações não resolvem ainda o problema do encontro do conhecimento do que “está dentro” com o que se conhece, ou “o que está fora”. Entretanto, colocado desta maneira já é uma incompreensão sobre Heidegger. Primeiro porque Heidegger está exatamente tentando demonstrar que não há tal distanciamento, e que o

Dasein já é, em si, abertura. Depois porque a dinâmica que se dá com o mundo, não é na

condição de conteúdo, mas é ontológica. Isto é, sob a perspectiva do conhecimento, em princípio e na condição de ser lançado, o Dasein não faz a leitura a partir de um algo que já tenha em si, como conteúdo. Nesse caso é, portanto, hermenêutica. Por outro lado, o mundo que se apresenta, não o é em separado, e nem se dá a conhecer em seu conteúdo, primeiramente. É por isso, provavelmente, que o In-der-Welt-sein consiste numa unidade não conceitualmente unida, uma ruptura não conceitualmente rompida. É a própria abertura que se depara com o diante-de, como modo de ser. Nessa abertura, o que poderia ser chamado de forma inapropriada de “leitura”, não há conceitos, então não há de fato uma leitura, mas também não deixa de ser. Trata-se na verdade de hermenêutica, mas hermenêutica na sua condição ontológica. Qualquer ambigüidade, ou ausência de consistência sobre a natureza e estranheza de uma unidade que não é unidade, e de um rompimento que não é rompimento, é possível se isso for considerado como hermenêutica. Sob a ótica do conteúdo, é claro, isso se torna insustentável.

Diante disso, impõe-se uma compreensão do que seria mundaneidade (Weltlichkeit) como condição ontológica de mundo. O ponto de partida é o mesmo, e deve ser interpretado na mesmo sentido de raciocínio quando se diz da abertura do ser, só que ao contrário. Dizer também ao contrário, não é próprio, pois daria idéia de algo que se opõe, e o problema voltaria a ser o mesmo do disposto sobre o ser. Qualquer ruptura tende a tornar a interpretação mundo numa condição entitativa conceitual. Se isso acontecesse, o conceitual

83 Erkennen ist ein Seinsmodus des Daseins als In-der-Welt-sein, es hat seine ontische Fundierung in dieser

do mundo deveria ser, de algum modo, “absorvido” pelo interior do ser, ou pela esfera interior, como possivelmente diria Heidegger. Isso resultaria num retorno conceitual como conteúdo do conhecimento e a insuficiência da análise existencial proposta por Heidegger. O mundo assim necessita ser explicado pelo viés da ontologia. Não pode ser tomado

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