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Mundo da Assombração: narrativas de Encantamentos

Deus criou este mundo. O homem, todavia, Entrou a desconfiar, cogitabundo...

Decerto não gostou lá muito do que via... E foi logo inventando o outro mundo (Mário

1.1- Uma poética do assombramento

Só se ouvia falar em tempestades que arrombaram açudes; em chuvas de pedras que matavam rebanhos; em coriscos que cortavam baraúnas e matavam vaqueiros; em onças que devoravam caçadores; em caboclos que se escondiam em camarinhas; em salteadores que se emboscavam nas estradas; em almas penadas que mostravam botijas ou pediam orações; no espírito maligno – satanás, que se escondia no interior das casas, disfarçado num bode ou num cachorro; em ―mulas de padre‖ que corriam à noite, em lobisomens chocalhantes que rondavam os lares; em negros fugitivos que faziam desordens; em praças do governo que iam aos sítios cometer arbitrariedades; em caiporas que pediam fumos aos viandantes; em ladrões de cavalos que assaltavam os almocreves; em capangas que matavam à traição; nas epidemias que dizimavam famílias inteiras; no horror das secas, na falta d‘água para o gado; no recrutamento forçado; na carestia da vida; na prostituição das senzalas (CÂMARA, 2006, p.93).

Visagens, desastres naturais, carestias, violências. Esse trecho do livro de Epaminondas Câmara, Os Alicerces de Campina Grande, é um convite para adentrarmos o espaço e o tempo do ―assombro‖: tempo dos encantamentos, das botijas, das almas penadas, das visagens, dos diabos e de outros seres assustadores. Contudo, interessa menos a constatação desse medo do que os signos que oferecem a ele um território possível. O próprio olhar do narrador abre uma brecha que permite outros pontos de observação. Nesse sentido, adentremos juntamente com o autor.

Epaminondas Câmara, ao entrecruzar em seu relato sobre as assombrações e as tensões sociais, acaba por conferir ao seu discurso o estatuto de verdade. Pretendendo fazer uma história da cidade de Campina Grande, que abrangesse o início de sua formação, a partir do início da colonização até o período em que se torna cidade18, o autor entende que não poderia deixar escapar detalhes como a ―rudeza‖ e as superstições de seus primeiros habitantes. Para isso, reservou o tópico Usos e costumes. O texto escrito na década de 1940 também não poderia ter outro tom, afinal, como historiador dedicado aos fatos e à precisão das datas como o era, não se furtaria à obrigatoriedade de esclarecer aos leitores sobre sua descrença em relação ao que definiu

18

Como anunciado no próprio título do livro, a história de Campina Grande teria início em 1697, com a fundação de seu povoado, estendendo-se até 1864, quando se tornou cidade.

como sendo ―imaginações confusas e fantasmagorias horripilantes‖ (CÂMARA, 2006, p.94).

Em seu livro Datas Campinenses, ao se referir sobre o desenvolvimento da cidade, o autor menciona o trem como um símbolo dos tempos modernos para afirmar que somente a partir de 1907, com a ferrovia, é que Campina inicia sua renovação urbana, pois, até então, a cidade teria apresentado uma pequena diferença em relação a 1864 e continuava com ―o mesmo modus vivendi, a mesma rotina, os mesmos costumes. E tudo se renovou com a ferrovia, que influiu sobretudo para integrar sua gente e suas cousas a um sentido mais moderno, ou menos antiquado, se quisermos falar com mais franqueza‖ (1988, p.50). Mas, e quanto àquele mundo fantasioso e crédulo, encerrar-se- ia com tais transformações na primeira década do século XX?

Apesar de seu recorte cronológico bem definido, essa ruptura com o passado da assombração não ocorreria abruptamente, como talvez gostaria o autor. Muito daquele universo do sobrenatural vivenciado pelos antigos habitantes se estenderá pela cidade campinense, apesar da urbanização a que se submeterá. No entanto, é preciso atentar para tais transformações e ler a obra de Câmara, considerando a sua perspectiva. Considerando um olhar de quem via sua cidade crescer vertiginosamente e que, na década de 40, período em que escreve, era a segunda maior exportadora de algodão do mundo, ultrapassando inclusive outras cidades que anteriormente haviam se destacado; olhar de quem via a cidade criando para si outra feição moderna, bem como incorporando novos elementos a ele ligados: o trem, o cinema, o banco, novo mercado; assim como, as mudanças advindas com os discursos higienistas que resultavam numa nova configuração espacial para a cidade e seus habitantes19.

À medida que todos esses acontecimentos reconfiguravam antigos espaços, deixando para trás o que fora um dia a urbs por onde ―circulavam mais animais do que gente‖, uma nova cidade se erigia diante de seus olhos. Câmara olha do seu presente e deste ponto em que se encontra, busca uma ruptura com aquele passado incômodo. Por isso mesmo, o autor faz parecer que os tempos das superstições ficaram naquele passado rural. Campina tornar-se-ia cada vez mais próspera, ao contrário de alguns povoados,

19 Sobre as mudanças urbanas da primeira metade de século em Campina Grande e as várias maneiras

como seus habitantes transitavam nos espaços urbanos, burlando regras, criando alternativas de sobrevivência, e, principalmente formulando diferentes cartografias para a cidade, ver SOUZA, Fábio Gutemberg Ramos Bezerra de Souza. Territórios de confronto. Campina Grande: EDUFCG, 2006. Para uma análise sobre as construções simbólicas da chegada do trem e as mudanças de hábitos que este advento ocasiona, ver ARANHA, Gervácio B. Trem e modernidade na Paraíba e região do Norte:

tramas político-econômicas e práticas culturais. Doutorado em História, Campinas, Unicamp.

como os da zona do Cariri, cujos senhores de ―grandes cabedais‖ destinavam seus recursos à compra de escravos ou para enterrar dinheiro20, e que agora começavam a declinar (CÂMARA, 2006, p.25).

Epaminondas Câmara não está sozinho na construção de uma ruptura entre a cidade moderna e a cidade do passado assombroso21. Um outro conterrâneo, ao rememorar sua infância, também estabelece essa mesma cisão. O advogado e cronista Hortênsio de Souza Ribeiro, ao falar sobre os rituais praticados durante a Festa de São João, em que o ato de acender as fogueiras era visto como um sentido simbólico de espantar o diabo, ressignifica esse costume décadas depois. A crença de que ―o diabo vinha dançar no terreiro das casas onde não ardiam fogueiras‖ (RIBEIRO, 1979, p. 49) é, por ele, atribuída a práticas de pessoas supersticiosas e pertencentes às camadas mais pobres, em seu caso, ―plantada pela negra Chica, filha de mãe Celina‖ - certamente, referindo-se a pessoas que trabalharam em sua casa de infância, em Campina Grande22.

Tendo nascido nas últimas décadas do século XIX, Ribeiro vivenciou as mudanças ocorridas na cidade e sua inserção nos novos tempos. Esta sua afirmativa parte de uma visão mais ampla sobre o assombramento em Campina:

Há meio século atrás Campina era uma terra povoada de lendas e superstições. Os seus costumes eram simples, havia cordialidade nas relações sociais, os seus habitantes como que constituíam uma só família. Pairava sobre a cidade fundada pelo sertanista Oliveira Ledo o gênio tutelar de um Vigário Sales (RIBEIRO, 1979, p. 142).

A fala do autor somente reforça a afirmativa de Maurice Halbwachs de que a memória é seletiva, pois ao remeter-se às lembranças de infância, balizadas pela idéia de ruptura com o passado de atraso de Campina, Ribeiro desenha para a cidade a paisagem quase paradisíaca, na qual as visagens aparecem como um elemento banal e natural que constitui uma história antiga da cidade. Ao se distanciar no tempo, ele

20 Mesmo em Campina Grande, com o desenvolvimento alcançado no comércio, o Branco do Brasil foi

inaugurado em 1923 (CÂMARA, 1988).

21 Fábio Gutemberg, referindo-se à Campina Grande, mostra como a partir da década de 1960 edifica uma

memória com ―dimensões quase míticas‖ sobre Campina, com base em ―memoralistas, administradores e moradores‖ que viram, por sua vez, as décadas de 30 e 40 como período de grandes progressos na cidade, inclusive chegando a ser considerada como capital do sertão nordestino ou centro comercial do Nordeste (GUTEMBERG, 2006, 187).

22 Em Menino de Engenho, uma passagem que envolve a Maria Gorda, uma velha negra arredia, de quem

ninguém se aproximava, faz-nos perceber que essa crença era bastante conhecida, ainda no começo do século: ―Na noite de São João era na sua porta somente que não acendiam fogueira. O diabo dançava com ela a noite inteira. Eu mesmo pensava que a negra tivesse qualquer coisa infernal, porque nela nada senti, nunca, de humano, de parecido com gente. Todos na rua temiam a Maria Gorda‖ (REGO, p. 2001, 71).

agrega pedaços de memórias sobre aquela ―terra povoada de lendas e superstições‖, restos de suas lembranças, vividas na Rua 15 de Novembro. Em sua narrativa, os relatos sobre lobisomens, as caiporas, as mulas-sem-cabeça são incorporadas a outras histórias marcantes, tais como a passagem de Frei Caneca pela Cadeia Pública da cidade, em 1824, e até mesmo eventos mais antigos, como a atuação de Teodósio de Oliveira Ledo, fundador da cidade, que lhe aparece como personagem heróico, inscrito nessa história para afirmar uma imagem idílica da cidade onde os habitantes se harmonizavam numa ―só família‖ (RIBEIRO, 1979, p.142). Compreende-se que sendo o advogado Ribeiro um leitor e seguidor de A. Comte, a figura de herói não seria outra senão aquele que enfrentou e dominou os índios; dificilmente ele poderia questionar o massacre desses nativos nessa região, muitos deles trazidos para a freguesia de Campina Grande pelo sertanista23.

Assim, Ribeiro lança ao passado um olhar positivista, ao falar sobre acontecimentos ocorridos na entrada do século 20, tratando como ingênuos temores da vida cotidiana. As ruas sem iluminação, onde ―as visagens campinenses, os malassombramentos por via de regra abundavam nas ruas sem lampião‖24. Ele cita várias ruas interditadas pelo medo, como as da matriz, da floresta, do cemitério. Com medo das visagens, na rua onde era situada a Cadeia Velha, atual Rua Floriano Peixoto, onde existia uma ―frondosa gameleira‖, à noite ninguém se atrevia a passar por baixo de uma gameleira, diz ele (RIBEIRO, 1979, p. 142-143).

Segundo afirma o autor, nesse período o lobisomem assustava até a própria polícia. O lobisomem expelia ―fogo pela boca e pelas ventas‖, ressoava seus cascos pelas ruas, apavorando os moradores, quando um deles resolveu chamar a patrulha. No entanto, ao se deparar com o lobisomem, os homens ―apesar de armados até os dentes (...) fugiram covardemente‖ (RIBEIRO, 1979, p. 143).

23 Teodósio de Oliveira Ledo chega à Paraíba em fins do século XVII, acompanhado de seu pai Custódio

de Oliveira Ledo e de seu irmão Constantino de Oliveira Ledo. Pouco depois, em 1694, da morte de seu irmão, Teodósio de Oliveira assume o cargo de capitão-mor das Piranhas, Cariris e Piancós, pelo reconhecimento de seus ―merecimentos e qualidades militares, além da experiência que tinha na guerra e nos sertões‖. Foi responsável pelas ―Entradas‖ da Paraíba, que resultaram na dominação e massacre de muitos índios, tendo no ano de 1698 vencido uma guerra com os Tapuias. Em carta escrita pelo próprio e que chega ao conhecimento do Conselho Ultramarino, ele afirma que dos 72 que havia aprisionado, matou ―alguns‖ índios que considerou ―inválidos‖ à coroa - certamente aqueles que representavam alguma resistência no grupo que ele aprisionara. Em relação a este fato, o Conselho teria estranhado e censurado o tratamento dado aos ―infelizes tapuias‖. Consta na apresentação do pesquisador do IHGP, SEIXAS, Wilson Nóbrega. A Conquista do sertão Paraibano. In: A Paraíba nos 500 Anos do Brasil. Anais do Ciclo de debates do IHGP. João Pessoa - Paraíba. Abril – 2000, p. 99. Ver http://ihgp.net/pb500.htm, consultado em 03 de maio de 2009.

24

A luz elétrica foi inaugurada em Campina Grande pela Empresa J. Brito & Cia em 1920, passando depois a ser chamada de Empresa Luz e Força de Campina Grande. (CÂMARA, 1998, p. 96)

Como citado anteriormente, até começo do século XX, as visagens pareciam estar por toda parte. Os lobisomens, por exemplo, representavam um medo real para muitos. Na pequena cidade de Puxinanã (PB), poucas pessoas apareceram para assistir ao desafio entre os poetas Antonio Marinho do Nascimento e Josué da Cruz, evento que se daria na residência do Sr. Victor Casimiro. O boato sobre ―um lobisomem em forma de bode‖ assustava, por aqueles dias, as pessoas dos arredores, fazendo com que estas se negassem a sair de casa principalmente naquela noite, em que, para piorar, havia uma chuva torrencial. Sob a insistência do dono da casa, que prometeu pagar aos cantadores, apesar da ausência das pessoas, o cantador Antonio Marinho improvisou a seguinte estrofe:

Senhor Josué da Cruz Comecemos o pagode: Tem gente que até deseja Vir nos ouvir mas não pode Uns por causa do escuro Outros com medo do bode25.

Situando, então, esses fragmentos da narrativa sobre assombração para uma realidade mais ampla, e ainda falando das mudanças nos centros urbanos, comuns a muitas cidades da Paraíba, na primeira metade do século XX, é possível captar elementos das práticas culturais. Pois como foi citado, certamente os acontecimentos narrados não eram restritos àquelas cidades. Outras também partilhavam semelhantes experiências, a exemplo do que nos conta o historiador paraibano Horácio de Almeida, ao mencionar a aura misteriosa que cercava a cidade de Areia, desde os tempos coloniais.

Referindo-se à derrubada de uma outra gameleira, árvore centenária, situada na área central daquela cidade, o autor descreve-a como emblema de uma época de crenças em fantasmas, lobisomens e outras crenças, acrescentando que tais fenômenos sobrenaturais abrangiam todas as classes, de senhores e de escravos, pois ―segundo a mítica folclórica local, os lobisomens e as mulas de padres, às caladas da noite, costumavam fazer escaramuças ao redor da árvore misteriosa‖. Abaixo de suas raízes, haveria um rio subterrâneo, onde habitavam peixes ―colossais‖ (ALMEIDA, 1958, p.206-209). Reminiscência de uma memória advinda do passado colonial. Munido de um misto de saudosismo e do reconhecimento da ignorância dos habitantes de Areia,

25

Consta em ALVES SOBRINH, José, Cantadores, Repentistas e poetas populares. Campina Grande: Bagagem, 2003, p.146.

que não souberam preservar sua memória, o autor lamenta a derrubada da gameleira em 1931.

Essas mudanças são acompanhadas e divulgadas pelos meios de comunicação da época, fazendo parecer muito maior o fosso criado entre o urbano e o rural. O que parecia contraditório, pois, principalmente com a construção das vias férreas, as distâncias pareciam encurtar o espaço e o tempo. A circulação de jornais, de revistas, e, também dos cordéis rompiam as fronteiras não somente entre as cidades do Estado, mas também possibilitava uma comunicação mais eficaz com Estados vizinhos. Imbuídas desta atmosfera modernizadora, desde a década de 20 do século passado, as autoridades tentavam criar uma nova feição para a Paraíba sintonizada com o projeto de modernização nacional. E isso significava, ao mesmo tempo, que essa modernidade representava, então, um afastamento de tudo aquilo que lembrasse o passado atrasado e supersticioso que marca o passado histórico da cidade.

Com as transformações urbanísticas realizadas nas principais cidades, nas décadas de 20 e 30, aquela imagem tão desoladora sobre as urbes será ressignificada. Contudo, a elaboração de uma imagem moderna para a Paraíba não foi erigida apenas através do advento da iluminação pública, da abertura de vias, da reorientação espacial de suas principais cidades, resultando, por sua vez, no redimensionamento dos antigos espaços escuros e da consequente desestabilização de toda a ordenação do invisível, das ―superstições‖ que aí residiam. A elite intelectual também se esmerou na arquitetura dessa imagem de modernização, empenhando-se na abolição de uma mentalidade considerada por muitos como sendo de atraso e, por assim dizer, incoerente com os rumos que tomava o Estado no decorrer do século XX26.

Suponhamos que esse ideário de progresso tenha sido alcançado, como aparece nos discursos de época, ainda assim, vale indagar: para onde foram os lobisomens que atacavam os passantes nas antigas ruas escuras das cidades ainda no começo do século XX? Para onde foram as visagens que habitavam as frondosas gameleiras das cidades de Areia e de Campina Grande, por onde os mais corajosos não se atreviam passar em certas horas da noite? E a Comadre Florzinha? E as almas penadas, para onde foram?

É possível pensar na elaboração de outros espaços para o mundo dos assombros! Nas primeiras décadas do século passado se edifica toda uma economia da literatura do

26

Para uma problematização sobre a relação entre a construção da memória e progresso para Campina Grande, ver ―Epílogo: cidade, cidades‖ (SOUSA, 2006, p. 183-189).

cordel27. É essa literatura e toda a sua maquinaria que abrem espaço para uma poética do invisível, é ela que reinventa um lugar para o encantado: seres invisíveis, seres bestiais, castelos encantados. Seres que saem, aos poucos, das antigas ruas escuras, dos becos apertados, das fazendas e dos engenhos coloniais para um outro lugar: lugar poético do cordel, onde o incrível torna-se crível, onde o fantástico torna-se possível, aceitável.

É através do cordel que se torna possível viver esse medo do assombroso sem pudores. Leitura de todas as camadas sociais, no cordel, a superstição, o medo de fantasmas não eram proibidos, ao contrário, tudo se transformava em um medonho palco do assombroso, do encantamento, no qual mistura-se o real e o fantástico. O texto do cordel se transformava num tecido colorido a cozer todas as arestas dissipadas anteriormente pelos discursos higienistas que emanavam da imagem da modernização desejada para o Estado, especialmente, após a década de 20.

No entanto, essa dimensão do medo e do assombroso no cordel se instaura de uma maneira bastante peculiar. Se por um lado há uma exacerbação do assombroso, por outro há também sua reatualização a partir da ação do risível. Uma maneira de desmontar ações das autoridades? Longe querer minimizar a complexidade das táticas de escritas do texto poético cordelínio, deve-se ao menos, perceber essa dimensão subversiva no cordel, no qual as hierarquias sociais se invertem e no qual o medo é capitalizado pelo riso: ri-se dos padres, dos senhores, do diabo; ri-se também dos não espertos, dos traídos e traidores; ri-se dos crentes e dos descrentes também. Instaura-se, portanto, um pacto da (des) ordem, à medida que o cordel é lido por todas as classes sociais.

Poetas começam a editar seus folhetos e alguns chegam a criar suas oficinas. Segundo Ruth Terra, na Paraíba houve quatro tipografias, embora duas tenham se destacado nas três primeiras décadas do século XX (Terra, 1983, p.24): na capital, Chagas Batista cria, em 1913 a Popular Editora, estabelecida à Rua da República, n. 65, vindo a se tornar uma das mais promissoras do ramo no período (ALVES SOBRINHO, 2003, p.22-23); em Guarabira, seu irmão Pedro Batista Guedes está à frente da filial.

27 Segundo Márcia Abreu, é entre o final do século XIX e a década de 1920 que a literatura de cordel ou a

―literatura de folhetos‖, como ela prefere chamar, consolida-se, pois, nesse período, ―definem-se as características gráficas, o processo de composição, edição e comercialização e constitui-se um público para essa literatura‖ (ABREU, 2006, p. 104). Afirma Ruth Terra que foi com João Martins de Athayde que na década de 20, ‖estabelece-se uma nova relação entre poetas e impressores, verificando-se a passagem do autor proprietário para editor proprietário, e são introduzidas modificações em muitos aspectos‖, tais como as ilustrações das capas dos cordéis. (TERRA, 1983, p. 26)

Este último era genro do poeta Leandro Gomes de Barros. Ele permaneceria naquela cidade, pelo menos até 1923, e convivendo com várias outras tipografias que surgiram naquele período.

A década de 20, ao que parece, foi um dos períodos mais importantes para a produção de cordéis, não somente para muitas cidades da Paraíba, mas também para outras localidades, nos Estados vizinhos, principalmente a cidade de Recife, onde se estabelecerá o próprio Leandro Gomes de Barros, com sua tipografia, a partir de 190828. Ainda na Paraíba, emergem tipografias nas cidades de Santa Luzia, de Itabaina; no Rio Grande do Norte, Currais Novos, Nova Cruz (ALVES SOBRINHO, p. 23). Em Pernambuco, Timbaúba dos Mocós e Bezerros.

A produção dessa literatura e o contexto no qual ela se fortalece permitem-nos

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