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Capítulo 2. Revisão da Literatura

2.6. Municípios e Citizen Governance

Muitos são os Estados que, face às novas exigências sociais, económicas e políticas, responderam com a descentralização governativa. Esta descentralização poderá ser vista como um processo negativo de desresponsabilização do Governo Central ou como uma oportunidade de promoção de uma boa governação, mais próxima dos cidadãos (McEwan, 2003). Teoricamente, a descentralização da governação promove uma democracia participada.

No seu trabalho clássico, Robert Dahl (1967) considera a cidade como a unidade adequada para um sistema político democrático. As políticas e atividades municipais são tão importantes para a vida dos seus habitantes que, participar nas decisões da cidade, significa ter um papel na moldagem de aspetos vitais como a educação, a política de transportes e a política de habitação, entre outros. Consequentemente, a cidade revela-se a melhor unidade para um governo dos cidadãos, caracterizado por uma ampla participação. Existem estudos que mostram a tendência dos governos locais darem aos cidadãos um maior grau de influência direta sobre as decisões públicas – governação dos cidadãos (John, 2009).

Não obstante a maior proximidade dos municípios com os seus cidadãos, comparativamente à existente entre Administração Central e os mesmos, Dagger (1981) recorda que, atualmente, as cidades são reféns da perda da memória cívica. A não identificação da população com o espaço e os problemas desse espaço, a descontinuidade temporal de sentimento de pertença, contribui para o enfraquecimento da memória coletiva e, por consequência, da cidadania.

Segundo Beetham (1996), a democracia a nível local está ancorada em quatro princípios em constante evolução, sendo eles: a autorização dos cidadãos dada através de eleições para a tomada de decisão, a prestação de contas (accountability) do governo e das suas decisões face aos cidadãos, a capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos e a representatividade. Refere ainda que a democracia local requer cidadãos ativos que exerçam os seus direitos.

Em nome da recuperação da confiança dos cidadãos, promoção, envolvimento e compromisso exigidos num sistema político democrático, a relação Estado – Cidadão tem sido reavaliada, no sentido de promover uma maior aproximação ao cidadão. Segundo Geurtz e Wijdeven (2010), existem duas formas para os governos lidarem com o sistema de governação: partilha do poder através de uma participação direta dos cidadãos ou manter o processo de decisão unilateral. A necessidade de aproximação aos cidadãos decorre, ainda segundo os mesmos autores, de uma razão instrumental e uma razão democrática para esta aproximação. Do ponto de vista instrumental, a participação dos cidadãos melhora os resultados sob o ponto de vista do apoio e do desenvolvimento de conhecimentos dos cidadãos. Do ponto de vista democrático, os motivos são intrínsecos à própria participação. Quanto maior for o número de participantes, mais democrática e legítima será a decisão tomada. Do ponto de vista conceptual, Cabral (2004) refere:

“… O desempenho das instituições políticas deve ser pensado a montante e não a jusante da mobilização, de acordo com a tese de que as instituições genuinamente representativas e receptivas à participação cidadã, bem como um modicum de equidade social, constituem factores propícios à formação de

confiança e capital social” (2004:304).

King et al. (1998) no estudo “The Question of Participation: Toward Authentic Public Participation

in Public Administration” identificam três obstáculos à participação dos cidadãos: a natureza da

sociedade contemporânea, os processos administrativos e as práticas e técnicas de participação. Neste sentido, e sob o ponto de vista das instituições políticas, as ações mais desenvolvidas a nível dos municípios situam-se ao nível dos processos administrativos e mecanismos impulsionadores de uma maior participação e envolvimento.

Diversas são as iniciativas observadas a nível local que procuram dar aos cidadãos um papel ativo na coprodução de serviços, na tomada de decisão, no planeamento e implementação de políticas, permitindo-lhes representar os seus interesses. Um estudo promovido por Geurtz e Wijdeven (2010), relata a participação dos cidadãos em projetos de curto e longo prazo no município de Hoogeveen (Países Baixos). Denters e Klok (2010) apresentam o envolvimento da comunidade na reconstrução de Roombeek. De acordo com John (2009), normalmente estas iniciativas recaem nas áreas de educação, saúde, crime, áreas com as quais os cidadãos estão preocupados na sua comunidade. Há, no entanto, outros exemplos. Em Portugal, 17 Municípios (Braga, Trofa, Vila Nova de Cerveira, Vila Verde, Proença

a Nova, Abrantes, Amadora, Cartaxo, Cascais, Lisboa, Odivelas, Palmela, Sesimbra, Vila Franca de Xira, Alvito, Serpa, São Brás de Alportel) e sete freguesias (Arrouquelas, Carnide, Santa Leocádia de Geraz do Lima, S. Sebastião, Leça da Palmeira, Alverca do Ribatejo e S. João) encontram-se referenciados como já tendo promovido uma ou mais experiências de orçamento participativo. Segundo Fung (2006), este mecanismo é uma das estratégias que permite aumentar a justiça da governação democrática, transferindo para os cidadãos a decisão sobre o destino a dar a uma parte do orçamento do município.

A participação dos cidadãos a nível local pode, de acordo com Lowndes (1995), ser motivada por preocupações de natureza prática. Tendo os governos locais a responsabilidade de manter serviços como a educação básica, a habitação e o saneamento e estando estas áreas próximas das preocupações diárias dos cidadãos, estes terão maior propensão a participar neste tipo de questões. A mesma autora adianta que a participação a nível local também pode estar relacionada com a identificação dos cidadãos com a comunidade.

As iniciativas desenvolvidas, sobretudo a nível local, apresentam-se como formas alternativas mais diretas de compromisso político com os cidadãos.