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A Musicalidade na História: percursos para fazer uma história da música

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CAPÍTULO I: HISTÓRIA E MÚSICA

1.2 A Musicalidade na História: percursos para fazer uma história da música

historiador pode pensar a história a partir de diversas perspectivas que resultam em novas possibilidades. Em nossos dias, a história vista pelo âmbito da Nova História Cultural se torna plural, dialogando com a interdisciplinaridade e se utilizando de uma diversidade de fontes que antes não poderiam ser trabalhadas.

As fontes que antes deveriam ter unicamente caráter oficial se abrem em um leque de possibilidades. Possibilidades estas que podem refletir a história por diversos âmbitos, como, por exemplo, debruçando-se simplesmente a partir do som. Afinal, para muitos historiadores o som que uma cidade traz em seu cotidiano pode falar um pouco da sua história, já que os sons em nosso dia-a-dia são marcas constantes. No entanto, muitos sons que faziam parte das cidades, em nosso cotidiano são apenas lembranças.

A música dos alto-falantes em praças e ruas das cidades, os sons dos sinos das igrejas, que sempre há mesma hora soavam em alto e bom som, como também a canção da Ave Maria Sertaneja,3 entoada às 18 horas todos os dias da semana em forma de agradecimento e oração nas rádios da cidade. Sons tão presentes no cotidiano da cidade, como a gritaria nas feiras entre aqueles que queriam vender e os que se propunham a comprar, o apito das fábricas de tecidos, como também o barulho das máquinas trabalhando, e o som ensurdecedor do trem ao passar pelos trilhos são documentos que estão guardados na memória coletiva da população dessas cidades, e em nossos dias o historiador pode rumar para tais possibilidades de trabalho como fontes da história.

O som sempre esteve presente no mundo e na história. É inegável que o cotidiano nos trouxe sons que a cada dia deixam rastros da história da sociedade em nossas vidas. Segundo Moraes (2000):

Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal forma que, na maioria das vezes, não tomamos consciência deles. Eles nos acompanham diariamente, como uma autêntica trilha sonora de nossas vidas, manifestando-se sem distinção nas experiências individuais ou coletivas. (MORAES, 2000, p. 204)

Um som que está presente na vida de todas as pessoas e que pouco a pouco ganha seu espaço na história, seria a música. A combinação de harmonias e ritmos formam o que conhecemos como música, uma das artes mais antigas que a humanidade já conheceu e que está todos os dias presente em nosso cotidiano (MORAES, 1983).

No entanto a música no formato de canção pode ainda ter uma série de elementos que lhe formam. Para Villaça (1999), a canção é o:

Complexo conjunto composto pelos elementos musicais por excelência: harmonia, ritmo, melodia, arranjo, instrumentação – e por uma série de outros elementos que compõem sua forma: a interpretação e os signos visuais que formam a imagem do intérprete, a performance envolvida, os efeitos timbrísticos e os recursos sonoros utilizados na gravação [...] a estes elementos acrescenta-se à letra da canção e toda a sua complexidade estrutural, à medida que qualquer signo linguístico, associado a um determinado signo musical, ganha outra conotação semântica, que extrapola o universo de compreensão da linguagem literária. (VILLAÇA, 1999, p. 330)

3 Música feita por Júlio Ricardo e O. de Oliveira e interpretada pelo cantor Luiz Gonzaga no álbum “A Triste Partida”, em 1964, que era tocada sempre as 18h em diversas rádios do país.

Seja na arte ou no amor, seja na tristeza ou na alegria, a música está presente em nosso cotidiano. Ela atravessa nosso dia-a-dia sem nos darmos conta de sua importância. Da infância e juventude, até aquelas que tocaram em momentos importantes de nossa vida, a música permeia nossa vivência.

A memória e a música conseguem caminhar em concordância, pois, aguçam sentimentos que já estavam esquecidos. Ao tocar, estas memórias revivem-se com uma mistura de saudade e afeição. Marcam amigos, amores, família, trabalho, dificuldades e felicidades e, quando reproduzidas, as memórias dessas pessoas com saudosismo retornam em imagens e nostalgia.

A música também nos mostra algumas porções que remetem a história. Torna- se importante fonte histórica em face do seu caráter memorialístico, representativo de uma época. No Brasil, temos como principal exemplo, as músicas compostas no período de ditadura militar, que, serviam como forma de resistência àquele período e denunciavam o silêncio e as torturas que pessoas contra o regime sofriam. Nesta perspectiva, a música também pode ser entendida na sociedade como uma nova fonte histórica.

Em diversas músicas podemos encontrar narrativas de outras épocas que podem ser valiosas aos estudos históricos. Mais importante que saber disso é fazer sua análise, o que, de fato, é imprescindível para a apropriação de detalhes que contam um pouco da história. Contudo, nem sempre o historiador condicionou-se com a utilização da música como fonte. Isto se dava principalmente pelo discurso historiográfico que não aceitava a utilização de fontes que não vinham de caráter oficial.

Na pesquisa histórica, as fontes musicais ganham crescente espaço e do ponto de vista metodológico são consideradas pelos historiadores como objetos e fontes primárias novas e desafiadoras. Contudo, no estudo da canção, os historiadores de ofício chegaram atrasados, já que a área de Letras e de Ciências Sociais já haviam descoberto e consagrado à canção a algumas abordagens, antes de os historiadores utilizarem a música como fonte (NAPOLITANO, 2008).

Segundo Blomberg (2011):

Assume-se que houve pouco contacto dos historiadores com a música no Brasil. Atualmente corroboram para esta visão, uma análise

quantitativa de artigos em periódicos e de teses e dissertações. Esta situação parece não ser privilégio do Brasil, segundo a autora Miriam Chimenés, o quadro se repete em seu país, a França (BLOMBERG, 2011, p. 422).

Esse trabalho iniciado nos anos 1970 pelos Estudos Literários e pelas Ciências Sociais da análise da canção de certa forma influenciou os historiadores. O estudo literário dá destaque ao parâmetro poético da canção, ou seja, a letra como foco principal da análise, e no estudo das Ciências Sociais são enfatizados os atores sociais envolvidos na criação, produção e consumo da música (NAPOLITANO, 2008).

De acordo com Baia (2011):

Até 1981, foram realizados cerca de vinte pesquisas na pós-graduação nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro que podemos considerar fundadores de um campo de estudos acadêmicos [...] De uma maneira geral, três questões estiveram mais presentes, como problemas para as pesquisas do período, explícitos ou de forma latente: a) as questões envolvendo a letra das canções, suas relações com a poesia literária e suas intenções com o texto musical; b) as relações da produção musical com a indústria e o mercado; c) as relações entre a música popular e a questão étnica no Brasil. (BAIA, 2011, p. 68)

Hoje os historiadores focam suas reflexões principalmente em três suportes da música com métodos e objetivos diferentes: A Musicologia histórica; a Etnomusicologia e a Música Popular. A Musicologia histórica concentra-se no estudo da vida e obra dos compositores, como também das formas eruditas, segundo Baia (2011):

O termo “musicologia”, que denomina (ou deveria denominar) a disciplina de estudos científicos da música, contem uma ambiguidade. Ele é, por vezes, empregado no sentido de um amplo campo interdisciplinar de estudos da música, enquanto texto e contexto, no qual os músicos seriam os especialistas nas questões relativas ao material sonoro propriamente dito. Por outro lado, a Musicologia como disciplina acadêmica acabou historicamente associada, ao menos até por volta dos anos 1980, a apenas um dos seus ramos originais, a Musicologia Histórica (BAIA, 2011, p. 205).

A Etnomusicologia enfoca o estudo das formas e manifestações musicais dos grupos comunitários, de caráter socialmente integrador ou ritualístico, cuja prática musical não está voltada essencialmente à industrialização e ao consumo de massa (NAPOLITANO, 2008).

É unanimemente aceito que a primeira vez que o termo Etnomusicologia apareceu impresso foi em 1950 no subtítulo do livro de Jaap Kunst Musicologia, rebatizado nas edições posteriores como Ethnomusicology, mas Merriem faz a ressalva de que a palavra já estava em uso corrente entre os pesquisadores no momento. Em 1955, foi fundada nos Estados Unidos, como sucessora da American Society for Comparative Musicology que teve curta existência nos anos 1930, a Society for Ethnomusicology –SEM, que viria a ser uma poderosa e influente instituição. O termo Etnomusicologia foi aceito quase imediatamente (BAIA, 2011, p.207).

Se na Musicologia se trabalha com a análise de partituras, com a evolução dos instrumentos musicais e com a documentação escrita feita pelos compositores e críticos, na Etnomusicologia se enfatiza o “trabalho de campo”, no qual o pesquisador faz o papel do etnógrafo, produzindo uma determinada documentação a partir dos agentes de uma determinada perfomance musical, podendo obter vários suportes, como vídeos, fitas, entre vários outros que, com o passar dos anos, pode se constituir em corpus documental a ser utilizado por historiadores da cultura e da música, que irão se debruçar sobre o material etnográfico transformado em fonte histórica (NAPOLITANO, 2008).

O terceiro suporte de reflexão seria a da Música Popular, que é produzida pela indústria fonográfica e audiovisual e que tem colocado as fontes de maneira diferente. Até meados dos anos 1970 a música era composta e produzida para ser ouvida e dançada, sendo o fonograma, assim, o principal suporte da produção musical urbana. A partir dos anos 1980, da ascensão dos videoclipes e da participação dos cantores em apresentações em programas televisivos passou-se a produzir a música cada vez mais para ser vista, muitas vezes subordinada ao império da imagem, embora a dança continue sendo um elemento fundamental da experiência sociomusical (apesar de o filme-música também fazer isso, mas em menor escala entre as décadas de 1930 a 1950). Desse modo, o historiador já pode deslumbrar um futuro que representaria a integração dos suportes sonoros e audiovisuais, principalmente devido à internet (NAPOLITANO, 2008).

Todavia, o fonograma é o corpus documental do pesquisador em Música Popular do século XX, e entre o início da década de 1900 e a década de 1990 o fonograma impresso em diversos discos de formatos diferentes constitui um patrimônio documental muito pouco explorado. Segundo Napolitano (2008):

A rigor, não existe um levantamento completo desse material, ou seja, aquele trabalho inicial dos historiadores e arquivistas que é o

estabelecimento das fontes. Para o caso dos 78 RPM, que foram produzidos de 1902 a 1964, existe um catálogo geral organizado com apoio oficial, no início dos anos 1980, mas a conservação desse riquíssimo acervo documental deveu-se mais aos colecionadores particulares do que aos órgãos oficiais da cultura. Para o formato LP ( o popular “vinil”) ou compactos (duplos e simples), não existe sequer um levantamento amplo dos lançamentos realizados pelas gravadoras entre 1951 e 1990, período conhecido como “Era do LP”. Muitas matrizes foram perdidas ou destruídas pelas próprias empresas e mais uma vez o acervo particular dos colecionadores é o tesouro a ser descoberto, mapeado e estudado pelos historiadores. (NAPOLITANO, 2008, p. 256-257).

Portanto, fica evidente que o historiador tem uma gama de objetos e métodos diferentes para sua pesquisa sobre música, mas ainda muitos encontram algumas dificuldades em relação ao diálogo entre música e história. Afinal, segundo Baia (2011), apenas na década de 1980, temos o primeiro estudo acadêmico no meio historiográfico sobre a música popular, por exemplo:

O primeiro estudo acadêmico realizado na pós-graduação na área de História sobre música popular urbana no Brasil foi defendida em 1980. Teriam que passar mais seis anos para que a área produzisse outro trabalho de pós-graduação com tema relacionado à música popular. No período que vai de 1980 a 1999 foram encontrados 35 trabalhos, sendo 27 dissertações de mestrado, 6 teses de doutorado e 2 de livre docência [...] realizados na área de História em São Paulo e no Rio de Janeiro, que são fundadores de uma historiografia acadêmica desenvolvida em programas de pós-graduação em História (BAIA, 2011, p. 91).

Algumas dificuldades encontradas entre os historiadores para desenvolver tais estudos relacionados à música, segundo Napolitano (2008), seriam a de não ter uma formação em música, na análise da linguagem musical, escrita em partitura ou registrada em fonograma. Segundo Moraes (2000), o historiador deve superar essas dificuldades:

Um dos obstáculos gerais colocados às investigações no campo da música é a dificuldade em circunscrevê-la como uma “disciplina” voltada claramente para a produção do conhecimento [...] Certamente esse é um problema sério, não o único, mas que deve ser superado. Essa dificuldade não pode ser impeditiva para o historiador interessado nos assuntos relacionados à cultura popular, como não foram, por exemplo, as línguas desconhecidas, as representações religiosas, mitos e histórias e os códigos pictóricos. Na realidade, essas linguagens não fazem parte de fato do universo direto e imediato do historiador, mas nenhuma delas impediu que esses materiais fossem utilizados como fonte histórica para desvendar e mapear zonas obscuras da história. Deste modo, mesmo não sendo músico ou musicólogo com formação apropriada e especifica, o historiador pode

compreender aspectos gerais da linguagem musical e criar seus próprios critérios, balizas e limites na manipulação da documentação (como ocorrem, por exemplo, com a linguagem cinematográfica, iconográfica e até no tratamento da documentação mais comum). (MORAES, 2000, p. 209-210)

Dessa maneira, os historiadores de ofício teriam de enfrentar tais dificuldades de questões teórico-metodológicas para conseguir fazer o diálogo entre história e música de forma proveitosa.

Para algumas questões, Napolitano (2008) demonstra de forma metodológica como utilizar as fontes musicais para poder solucionar questionamentos que podem surgir. Desse modo, o primeiro dilema seria a delimitação do suporte privilegiado da pesquisa histórica em torno do documento musical, como, por exemplo, a escolha entre a partitura (Musicologia) e o fonograma (Música Popular), e em seguida a abordagem que será utilizada (NAPOLITANO, 2008).

Napolitano (2008) cita quatro abordagens fundamentais, dentre as quais o historiador em sua pesquisa deveria escolher uma: a) a letra de uma canção, em si mesma, dá o sentido histórico-cultural da obra; b) o sentido assumido pela letra depende do “contexto sonoro” mais amplo da canção, tais como entoação, colagens, acompanhamentos instrumentais, efeitos eletroacústicos, mixagens, entre outros. c) a letra ganha sentido na medida em que a sua materialidade sonora (palavras, fonemas, sílabas) está organizada conforme as alturas que constituem as frases melódicas de uma canção; d) o sentido sociocultural, ideológico e, portanto, histórico, intrínseco de uma canção é produto de um conjunto indissociável, que reúne palavra (letra), música (harmonia, melodia, ritmo), performance vocal e instrumental (intensidade, tessitura, efeitos, timbres predominantes) e veículo técnico (fonograma, apresentação ao vivo, vídeo clipe) (NAPOLITANO, 2008).

Em suma, para Napolitano (2008), após a escolha do suporte material e da abordagem utilizada, o historiador deve trilhar os passos seguintes: a) coletar a documentação para a análise tendo em vista o período, o objeto e a problemática da pesquisa; b) delimitar historicamente o fonograma ou a partitura analisados; c) empreender uma audição sistemática e repetida diversas vezes; d) analisar letra, estrutura musical, sonoridades vocais e instrumentais, performances visuais e outros efeitos extramusicais; e) buscar em seguida o sentido da fonte musical na rearticulação

desses elementos formando uma crítica interna ampla; f) anotar os registros objetivos e as impressões; e g) fazer análise contextual da canção (NAPOLITANO, 2008).

A análise contextual da canção levaria em conta segundo Napolitano (2008):

Criação: as intenções, as técnicas e as “escutas” que informam e influenciam o compositor ou o intérprete; produção: a transformação da obra criada em produto material, e no caso da canção comercial, em artefato industrial [...] circulação: os circuitos e espaços sociais, culturais e comerciais pelos quais passa uma canção, como performance ao vivo ou artefato musical. Está instância inclui não apenas espaços públicos e privados tradicionais (teatros, clubes, instituições), mas também as mídias eletrônicas que veiculam a música popular em geral (televisão, rádio, cinema, internet); recepção: [...] os processos culturais (de base sociológica, antropológica, ou psicossociológica) que norteiam as formas e sentidos de apropriação da canção (e de qualquer produto cultural) em uma determinada época e sociedade. Nesse caso, o pesquisador deve mapear os grupos sociais específicos (faixa etária, gêneros e identidades sexuais; filiações, ideologias e estratos sociais, entre outras) (NAPOLITANO, 2008, p.273).

Os conceitos empregados na historiografia acadêmica da música também são importantes para a periodização desse estudo, como também as teorias que as fundamentam, sendo assim, destaca Baia (2011):

Entre os conceitos que mais frequentemente informaram e direcionaram o debate estão os de indústria cultural, hegemonia, intelectual orgânico, invenção da tradição, campo, representação, pratica, apropriação, estratégia, tática e circularidade cultural. Estes conceitos podem ser considerados representativos e pertencentes a dois paradigmas dominantes na interpretação da história: o marxismo, em suas distintas vertentes, especialmente na tendência que se convencionou chamar de marxismo ocidental, por um lado; e a Nova História, como continuidade dos Annales, e os historiadores e cientistas sociais que pensaram a história da cultura e influenciaram ou dialogaram com suas posições, por outro. Também podem ser localizados conceitos oriundos do marxismo clássico, ou ortodoxo, como luta de classes, burguesia, pequena-burguesia, proletariado, mais valia, modo de produção, forças produtivas e alienação, cuja utilização, no sentido forte, em estudos da cultura, está associada à concepção da determinação da superestrutura pela base. Estes conceitos, que foram mais presentes no ensaísmo dos anos 1970 e 1980, apareceram também em algumas das primeiras pesquisas historiográficas, mas sua incidência tendeu a decrescer ao longo do tempo (BAIA, 2011, p.145).

Por fim, na metodologia empregada por Napolitano (2008), teríamos o contexto extramusical, que abordaria os dados da biografia dos compositores, cantores e músicos, a ficha técnica do fonograma, as críticas musicais, os dados de consumo da canção e

outras informações que completem os sentidos que uma canção pode conferir, além da mapeação das escutas como crítica, público e os próprios artistas que dariam sentido histórico às obras musicais e as manifestações escritas da escuta musical como críticas, artigos de opinião, análises de obras, programas e manifestos estéticos com as obras em sua materialidade (NAPOLITANO, 2008).

Nesta vasta metodologia de como representar a história a partir da música, observa-se uma diversidade de detalhes que o historiador pode se aportar para desenvolver uma pesquisa envolvendo a música. No entanto, entendemos que não necessariamente é preciso se basear em toda a metodologia aqui exposta para ser feito um trabalho historiográfico, mas se apropriar de algumas ou diversas especificidades da metodologia de Napolitano (2008) certamente enriquecerá as discussões envolvendo o diálogo entre história e música.

Entendemos dessa maneira, pois ao longo da história podemos observar a ousadia de alguns historiadores em refletirem a partir da música se utilizando da sua própria metodologia, mesmo em um determinado momento em que a historiografia ainda mantinha barreiras contra alguns tipos de fontes.

No século XX, adentraram na dualidade envolvendo história e música, historiadores como Henri-Irènèe e Eric Hobsbawm, mas mesmo eles, tiveram de preservar seus nomes e trabalharam com pseudônimos. Assim, nascem Francis Newton (Eric Hobsbawm) e Henri Davenso (Henri-Irènèe), tendo Eric Hobsbawm escrito sobre o jazz dos anos 1950 e 1960, e Henri-Irènèe preparado um curso de introdução à canção popular francesa (MORAES; SALIBA, 2010).

Temos outros exemplos de historiadores que refletiram a relação Música- História, mas que ainda atuavam de maneira acanhada com esse tipo de fonte, exemplificando, temos Michel Vovelle que investigou as músicas populares no contexto revolucionário do final do século XVIII na França, e E. P. Thompson, que nos anos 1970, escreveu sobre a Rough Music, que era um ritual e festa em que tinha como trilha sonora, ruídos, barulhos e sons desordenados (MORAES; SALIBA, 2010).

No Brasil, também podemos observar historiadores que ousaram partir por esse viés. Capistrano de Abreu fez alusão à música nos Capítulos de História Colonial em 1907, quando discute as festas populares, nas irmandades religiosas e nos cantos de

trabalho no Rio de Janeiro, e, até mesmo, Varnhagen, que é conhecido como um dos primeiros historiadores brasileiros flertou com o binômio poesia-música em seu ofício de crítico e comentador de documentos e na biografia de Domingos Caldas Barbosa em 1850. Também no ano de 1936 em Raízes do Brasil vemos Sérgio Buarque de Holanda fazer algumas menções à música na festa de Bom Jesus de Pirapora, além dos lundus do mulato Caldas Barbosa (MORAES; SALIBA, 2010).

No entanto, Gilberto Freyre foi o que mais adentrou em suas obras a musicalidade. Em Casa Grande & Senzala de 1933, nos apresentou os ritmos africanos e como eles se relacionam com as canções de ninar, de mesmo modo, em Sobrados e Mocambos de 1936, exibe a cultura musical do século XIX na dualidade do público e

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