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CAPÍTULO 3 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

4.2 Mutação Legislativa

Aceita por toda doutrina, é inegável a possibilidade de ocorrerem mutações constitucionais após a atividade do legislador de completar a Constituição.

Toda norma constitucional nasce para ter real aplicação, mas nem toda poderá ser aplicada no momento seguinte da entrada em vigor da Constituição. Muitas precisarão de uma atuação posterior do Poder Legislativo para lhe conferirem uma aplicabilidade plena329.

É a própria Constituição que confere ao órgão legislativo o poder se completá-la, favorecendo sua efetiva aplicação, quando garante ao poder legislativo competência para elaborar as leis e usa expressões do tipo “que a lei estabelecer”, “nos termos que a lei determinar”, “a lei estabelecerá”330, etc.

Durante esta atividade o Legislativo pode editar norma que altere o alcance, significado da disposição constitucional, sem violar o seu

329 Bastante conhecida a classificação das normas constitucionais quanto à sua aplicabilidade

de José Afonso da Silva, adotada pelo STF em suas decisões. “Muitas de suas normas precisam ser regulamentas por uma legislação integrativa ulterior que lhes dê execução e aplicabilidade plena. Mas isto não significa que haja em seu texto regras não-jurídicas, como a já mencionada corrente doutrinária sustenta, especialmente em relação às programáticas, nas quais vê simples indicação ao legislador futuro, que pode segui-las ou não, ou pode até dispor de modo divergente, negando-lhes, assim, a mínima eficácia jurídica”. SILVA, José Afonso.

Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ed. 3 tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 47.

330 Só para citar alguns exemplos: Art. 5º, XIII, XXIX. Art. 7º, I, XII, XIX. Art. 201, entre muitos

texto. Realiza-se, então, uma mutação constitucional, com a conseqüente atualização da Constituição.

Como bem afirma Campos:

É da nossa índole o gosto das tarefas complicadas. Procuramos reformas constitucionais de processo complexo e penoso, quando está nosso alcance (ou então a desafiar-nos) reformas legislativas ordinárias mais úteis e mais urgentes, porque sem elas não podemos dizer que a Constituição sequer exista, a não ser como armadura, a que falta o conteúdo capaz de lhe dar consistência e duração331.

A mutação pela via legislativa será sempre mais perceptível em normas de eficácia limitada, especialmente as normas programáticas que precisam de uma atividade legislativa eficiente para sua concretização, que se limita a traçar princípios gerais332.

O veículo concreto das mutações pode ser a lei complementar, a lei ordinária, lei federal, ou qualquer outra espécie legislativa que a Constituição defina como via de complementação333.

Quando completa a Constituição, o órgão legislativo está realizando uma interpretação da Constituição, já que as demais leis infraconstitucionais precisam estar em conformidade com a Constituição sob pena de serem declaradas inconstitucionais.

De extrema importância a atividade do Poder Legislativo. “A Constituição toma sentido concreto e efetivo através do conjunto de normas que se destinam a aplicá-la”334. Sem uma complementação posterior, muitos

direitos garantidos ficariam sem verdadeira efetividade.

331 CAMPOS, Milton. Constituição e Realidade. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 187, ano

57, p. 18-22, jan./fev. 1960.p.20.

332 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição:

Mutações Constitucionais e Mutação Inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 93.

333 ZANDONADE, Adriana. Mutação Constitucional. Revista de Direito Constitucional e

Internacional, São Paulo, ano 9, p. 195-227, abril-junho 2001, p. 215.

334 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição:

Ana Cândida Ferraz335 expõe as seguintes características para essa atividade legislativa: direta, permanente, limitada, mutável, não é definitiva, obrigatória quanto ao exercício, discricionária quanto ao momento, espontânea e com força vinculante. Examinemos cada uma delas.

A atividade é direta, pois se volta diretamente para a aplicação das disposições constitucionais.

Permanente por tratar-se atividade constante e contínua.

É limitada nos termos e na forma disposta pela Constituição, não cabendo ao legislador alterá-la na letra e no conteúdo. “[...] a norma de aplicação constitucional depende da norma superior – a Constituição – que regula o seu modo de criação, o âmbito próprio de sua atuação e, em regra, o conteúdo básico da norma inferior”336.

A característica de não ser definitiva ocorre em razão da possibilidade do exame de sua constitucionalidade.

Ela é obrigatória quanto ao exercício, embora não exista dispositivo expresso, em razão do próprio princípio de supremacia constitucional. Embora, na prática constitucional nem sempre isto ocorre, principalmente por falta de meios apropriados para impor ao legislador o cumprimento de sua obrigação. Este é, sem dúvida, um dos grandes problemas que enfrentamos em nossa realidade constitucional.

Trata-se de tarefa discricionária quanto ao momento na medida em que não existe fixação de um momento em que deva atuar legislador.

335 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição:

Mutações Constitucionais e Mutação Inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 68- 75.

336 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição:

É ainda espontânea, já que o órgão legislativo atua de modo independente e autônomo, cabendo-lhe a iniciativa do procedimento.

E por fim, é marcada pela força vinculante que a lei possui. Sua obrigatoriedade é expressa.

No mais, como já exposto, essa atividade complementar está sob o julgamento de sua conformidade com a Constituição. Meirelles Teixeira337 usa a expressão falseamento das Constituições ao se referir às

mudanças maliciosas que ocorrem através de lei ordinária. E cita como exemplo o atual art.37, II que exige concurso para cargos públicos e que frequentemente é violado por leis ordinárias que efetivam servidores sem concurso ou criam concursos que impedem, em razão de determinados requisitos, a aprovação de candidatos que estejam fora do serviço público. Tudo para permitir a livre utilização destes cargos pelo Executivo.

O risco de uma atuação desastrosa do Poder Legislativo não deve servir de óbice à necessária complementação da Constituição, por tratar- se de tarefa fundamental à concretização dos textos constitucionais.

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