• Nenhum resultado encontrado

MUTIRÃO NO BAIRRO DO GARCIA (RUA LÍNGUA DE VACA)

MÉTODOS E RESULTADOS

5 MUTIRÕES: FORMAÇÃO DE REDES SOLIDÁRIAS

5.2 MUTIRÃO NO BAIRRO DO GARCIA (RUA LÍNGUA DE VACA)

Figura 37 – Chamada para o mutirão.

Fonte: Facebook.

A partir da própria chamada do evento, na qual se pode ler o neologismo “multirão” (ou seja, a palavra “mutirão” com “l”), tem-se a evidência da remissão ao aspecto semântico do termo. Se, por um lado, é possível apontar o desvio gramatical, no aspecto ortográfico da

palavra, por outro lado, não se pode negar a relevância do traço semântico que permite o entendimento desse neologismo.

A divulgação desse mutirão (ou aqui, “multirão”) ocorreu predominantemente pela Internet. Foi justamente através da rede social Facebook que tive acesso a informações sobre o evento, bem como às referências para chegar à Rua Língua de Vaca que, na verdade, foi passada para mim, pelo artista Tiago Ramsés, envolvido na organização.

Como informei na seção anterior, muito diferente do MOF, o mutirão que aconteceu no bairro do Garcia, em Salvador, possui outra estrutura. Primeiramente, vale ressaltar que não se trata de um evento anual, cuja expectativa é receber grafiteiros de várias partes do Brasil. Esse evento local evidencia, na verdade, a forma que os grafiteiros têm de se reunir em sua própria cidade, promovendo assim a socialização entre os grafiteiros locais. Desse modo, amplia-se a possibilidade de uma pintura em conjunto entre os diferentes grafiteiros soteropolitanos, além de tornar-se um espaço de “treino” para um grafiteiro iniciante, dimensão cujo destaque importa para nosso entendimento desses processos como eventos de letramento.

Apesar dessa expectativa inicial, de servir como ponto de encontro entre grafiteiros locais, isso nem sempre acontece plenamente, como pude constatar no mutirão do Garcia.

Nesse sentido, percebi certo isolamento dos grafiteiros quando cheguei ao local, por volta das 11h00, pois algumas pinturas já haviam sido finalizadas e os grafiteiros responsáveis por aquelas pinturas já não se encontravam no local. Observei também que outros grafiteiros pintavam completamente sozinhos, sem nenhuma companhia ou observador, como é possível verificar nos registros abaixo, feitos por mim:

Figura 38 - Grafiteiro pintando mais isoladamente.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 39 - Grafiteira pintando mais isoladamente.

Na foto abaixo, eis um exemplo de grafites em interação no mutirão do Garcia:

Figura 40 - Grafites em interação no muro. À esquerda, tem-se o personagem do grafiteiro Dimak, e à direita, tem-se o letrado Wild Style do grafiteiro Olukemi.

Fonte: Arquivo pessoal.

A leitura de um Wild Style, como o exposto acima, ao lado direito do personagem produzido pelo grafiteiro Dimak, é, sem dúvidas, um típico grafite tido como de difícil leitura. Entretanto, é facilmente assimilado pelos sujeitos engajados no grafite, não pela facilidade de identificação da tipografia, que, de fato, é bastante complexa (até mesmo para um grafiteiro), mas a leitura torna-se acessível a partir de seu todo, ou seja, pela combinação de cores feita pelo grafiteiro, pelo contorcionismo singular da grafia alfabética e, como adendo a tudo isso, pela própria tag (a assinatura do grafiteiro) de quem desenvolveu tal produção. No caso ilustrado, basta verificar o nome do grafiteiro em cima do letrado (na fig. 40, a tag do grafiteiro encontra-se circulada em vermelho, a fim de facilitar sua identificação) para atribuir-lhe a autoria, que, nesse caso, é do grafiteiro “OLUKEMI”.

As pessoas que não estão familiarizadas com os códigos próprios do grafite podem não conseguir, a princípio, fazer associações como essa, mas é em espaços como esse que o observador com um olhar treinado antropologicamente capta essas informações. Logo, esse espaço é fértil, não só para o pesquisador, que busca perceber a sistematicidade na produção de um grafite, como também é fértil para o grafiteiro iniciante, pois é justamente no espaço de um mutirão que os grafiteiros iniciantes podem dialogar com os grafiteiros experientes,

aprender novas técnicas, receber dicas e perceber, na prática da rua, como se produz um grafite, além de produzi-lo.

A minha hipótese é de que haja certa hierarquia no universo do grafite, pois, nos mutirões, enquanto os grafiteiros iniciantes produzem em espaços menos privilegiados, os grafiteiros experientes se apropriam ou normalmente têm seus lugares demarcados previamente nos muros, ou seja, espaços com mais visibilidade e acesso, nos quais procuram projetar seus grafites onde um número maior de pessoas possa vê-los. Nos registros abaixo, essas situações tornam-se mais nítidas:

Figura 41 - Produção em local pouco privilegiado.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 42 - Produção em local pouco privilegiado [2].

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 43 - Pintura em andamento.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 44 - Pintura em andamento [2].

Enquanto nos quatro primeiro registros acima os grafiteiros encontram-se mais isolados, nos registros a seguir o muro utilizado por um número maior de grafiteiros destaca- se:

É comum as pessoas residentes na rua onde ocorre um mutirão observarem por um longo tempo a produção dos grafites. Depois de uma hora observando o andamento do mutirão do Garcia, por exemplo, notei que alguns moradores começaram a passar observando a produção dos grafites. Alguns, inclusive, permanecem observando de perto a produção e buscam interagir com os grafiteiros. Como exemplo dessa situação, apresento o registro a seguir:

Figura 45 - Produção em local mais acessível.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 46 - Produção em local mais acessível [2].

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 47 - Produção em local mais acessível [3].

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 48 - Produção em local mais acessível [4].

Figura 49 - Garotos acompanhando produção dos grafites.

Fonte: Arquivo pessoal.

Percebi, ao acompanhar o andamento do mutirão do Garcia, que nem sempre o evento mutirão agrega todos os grafiteiros presentes, mas isso, obviamente, não deve ser tomado como regra. Afinal, o mutirão da Gamboa e do MOF se mostraram excelentes locais de socialização em diversos momentos.