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CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4. As Teorias Semióticas

4.1. Síntese da Teoria Semiótica da Escola Francesa

4.1.3. O Nível Narrativo

O segundo nível do percurso gerador de sentido é o narrativo, etapa imediatamente superior à das estruturas fundamentais. Para a Semiótica Francesa, todos os textos apresentam narrativas mínimas, definidas como uma transformação de estado, mesmo que essa transformação esteja implícita e precise ser pressuposta pelo leitor. Para PIETROFORTE (2004), as transformações de estado dão sustentação à narrativa. Sua formalização em um modelo teórico constitui o nível narrativo do percurso gerativo de sentido.

A estrutura da narrativa corresponde à mudança entre dois estados e a um fazer, uma ação responsável por esta transformação. Esta estrutura forma o chamado programa narrativo, composto pela sequência:

enunciado de estado → enunciado de fazer → enunciado de estado

Na sintaxe narrativa, os valores axiológicos e tensivos postos em evidência no quadrado semiótico se convertem em objetos de valor:

Pela conversão semântica, os valores virtuais, isto é, ainda não assu- midos por um sujeito na instância fundamental, são selecionados e atualizados na instância narrativa. A atualização realiza-se em duas etapas: inscrição dos valores em objetos, que se tornam obje- tos-valor, e junção dos objetos-valor com os sujeitos. Os valores axi- ológicos virtuais convertem-se, dessa forma, em valores ideológicos, entendidos como valores assumidos por um sujeito, a partir de sele- ção no interior dos sistemas axiológicos. (BARROS, 2002, pp. 27-28) A conversão das operações lógicas em transformações narrativas é uma antropomorfização, em que a sintaxe narrativa substitui as operações lógicas da sintaxe fundamental por sujeitos do fazer e define sujeitos de estado pela junção com objetos/valores, formulando, portanto, sintaticamente, a relação básica do

homem com o mundo. A sintaxe narrativa é uma espécie de “simulacro do fazer do homem que transforma o mundo.” (BARROS, 2002, p. 28)

No nível narrativo, estabelece-se uma relação entre sujeito e objeto, formando o enunciado elementar. A relação entre sujeito e objeto se dá por junção. A junção se articula em dois modos, a conjunção e a disjunção.

(Figura: Quadrado Semiótico - Junção)

Grosso modo, podemos entender a conjunção como posse ou união e a disjunção como privação, separação. Para a Semiótica, um sujeito só adquire existência pela relação que estabelece com um objeto-valor.

“A existência semiótica é dada pela relação do sujeito com um objeto. Em outras palavras, um sujeito só tem existência na medida em que está em relação com um objeto.” (FIORIN, 2000, p. 178).

O princípio da narratividade pressupõe, assim, a noção de que, para adquirirem existência semiótica, os sujeitos modalizados pela falta do objeto (disjunção), partirão em busca deste objeto, negando a disjunção, de modo a entrarem em estado de conjunção com o mesmo.

Os enunciados oriundos da relação entre sujeito e objeto podem ser de dois tipos: os enunciados de estado e os enunciados de fazer (transformação). Segundo

FIORIN (1997, p.21), enunciados de estados “são os que estabelecem uma relação de junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto”, como vemos nos exemplos:

“Eu sou alemão” (conjunção entre sujeito eu e o objeto-valor ser alemão)

“O judeu não é alemão” (disjunção entre o sujeito judeu e o objeto-valor ser alemão)

Os enunciados de fazer mostram as transformações que ocorrem na passagem de um enunciado de estado a outro:

“Eu me naturalizei alemão”.

Este enunciado pode ser interpretado como uma narrativa: a passagem do estado inicial “eu”, que “não era alemão” (estado de disjunção com o objeto-valor ser alemão), fiz o procedimento necessário para a naturalização, negando a disjunção, e passei para o estado de conjunção com o objeto-valor desejado.

Até aqui vimos a relação entre sujeito e objeto. Ambos são considerados actantes. Actantes, para a Semiótica Francesa, é:

“uma entidade sintática da narrativa que se define como termo resul- tante da relação transitiva, seja ela uma relação de junção ou de transformação. O actante funcional, por sua vez, caracteriza-se pelo conjunto variável dos papéis que assume em um percurso narrativo. ” (BARROS:1992, p.80)

Actante é uma posição sintática, não deve ser confundido com a noção de personagem ou ator. GREIMAS (1990) concebe a noção de sintaxe actancial a partir das pesquisas de Vladimir Propp sobre a estrutura dos contos popular russo. Para o autor, o actante (ou atuante) é aquele ou aquilo que realiza o ato. Há, na concepção semiótica, os seguintes actantes:

SUJEITO aquele/aquilo que pratica a ação

OBJETO aquele/aquilo que sofre a ação

DESTINADOR aquele/aquilo que faz o sujeito buscar o objeto DESTINATÁRIO aquele/aquilo a que o destinador se dirige ADJUVANTE aquele/aquilo que auxilia o sujeito

ANTISSUJEITO aquele/aquilo que se interpõe entre o sujeito e o objeto

Um actante pode tanto se um ente animado quanto um objeto. Ao receberem investimento semântico, os actante se convertem em atores.

Ator é uma entidade do discurso que resulta da conversão dos actan- tes narrativos, graças ao investimento semântico que recebem no discurso. O ator cumpre papéis actanciais, na narrativa, e papéis te- máticos, no discurso. (BARROS:1992, p.80)

Assim, um mesmo ator pode desempenhar, numa narrativa, mais de um papel actancial. O inverso também é válido, a função de um único actante, em dada narrativa específica, pode ser exercida por diversos atores.

Os actantes possuem função essencial na determinação dos percursos narrativos. Segundo BARROS (2005), a “comunicação hierárquica de enunciado de fazer e enunciado de estado define o programa narrativo, a unidade operatória elementar da organização narrativa de um texto”. Um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado forma um Programa Narrativo. A base de uma narrativa pressupõe quatro fases, que podem ser explícitas ou implícitas em cada texto: a manipulação (destinador coloca o sujeito em busca do objeto-valor), a competência (sujeito adquire competência modal para entrar em conjunção com o objeto), a performance (sujeito vai em busca do objeto) e a sanção (destinador verifica se o sujeito obteve êxito na empreitada, por meio das modalidades veridictórias). Destas,

duas compreendem os percursos narrativos da manipulação e da sanção.

O percurso da manipulação4 é determinado pelo destinador, aqui considerado

destinador-manipulador. A manipulação, no viés semiótico, ocorre de quatro maneiras: por tentação, por intimidação, por provocação e por sedução.

Segundo PIETROFORTE (2004), a tentação ocorre quando o manipulador usa o poder para manipular o querer do destinatário para a obtenção de um objeto positivo. Já a intimidação se dá quando o manipulador usa de poder para manipular o dever do destinatário para a obtenção de um objeto negativo. A sedução, por sua vez, é observada quando o destinador-manipulador usa o saber para manipular o querer do destinatário em torno de um objeto é positivo. Por último, a provocação acontece quando o manipulador usa o poder para manipular o dever do destinatário, a fim de obter um objeto é negativo.

Na concepção da Semiótica, há quatro as modalidades básicas, que constituem os objetos modais: querer, dever, saber e poder. A elas acrescentam-se as modalidades veridictórias, resultantes da relação ser x parecer. Todo enunciado que rege outro enunciado é um enunciado modal, e o regido, um enunciado descritivo. No programa narrativo, o enunciado de fazer modaliza o enunciado de estado descritivo.

O percurso narrativo da sanção é aquele em que o destinador-julgador sanciona ou veta a performance do sujeito-destinatário, através das chamadas modalidades veridictórias.

4 Manipulação, para a Semiótica, não deve ser compreendida dentro da noção normalmente corrente, e negativamente marcada, como forma de produção de alienação ideológica. A manipulação, aqui, se refere à atribuição de competência modal, pelo destinador-manipulador, ao destinatário-manipulado, de modo que este possa realizar a ação.

Segundo PIETROFORTE (2004), a veridicção é a sanção de uma impressão de verdade, atribuída discursivamente à performance. O estado obtido pela performance do sujeito-destinatário será julgado verdadeiro por um outro sujeito, que não o modalizado.

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