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Núcleo Mãe capaz de sustentar a vida familiar, mãe participativa e as

Capítulo 6 Núcleos de significações e estrutura formal dos laudos produzidos

6.1 Núcleos de significações extraídos dos documentos pesquisados

6.1.7 Núcleo Mãe capaz de sustentar a vida familiar, mãe participativa e as

Diferentes significados em relação à figura materna aparecem nas falas dos atores. Um dos significados, mãe capaz de sustentar a vida conjugal, expressado nos discursos do advogado da requerida, refere-se à vivência dela na relação com o ex-marido. Em decorrência do uso de drogas e bebidas pelo ex-marido, teve uma vida difícil com ele. A agressão que dele sofreu levou ao fim do relacionamento, e um ano após a separação ganhou a guarda da criança e o pai o direito de visitas quinzenais.

O significado de mãe participativa aparece nos discursos da requerida, via advogado, e nos discursos da assistente social, quando eles afirmam que Edna sempre cuidou do filho, após a separação: “A criança se apresenta bem cuidada, sem queixas significativas na convivência com a mãe e com o pai”. Apesar de os discursos e laudos compartilharem alguns sentidos, se contradizem em outros. Um deles se relaciona ao trabalho da mãe, em que afirma, para o advogado, que Henrique fica com a avó somente durante o seu trabalho. Porém, expressa a psicóloga que Edna passa o tempo todo na casa cuidando dos filhos. Essa contradição talvez possa ser esclarecida pelo fato de a requerida trabalhar em casa, como vendedora de bolsas, ou como aponta seu advogado, ser microempresária de roupas e de produtos de beleza, bem como, em alguns momentos, atuar no bufê do tio: “Trabalha para prover a subsistência do menor, já que a pensão alimentícia é insuficiente”.

Outra contradição aparece no laudo psicológico, nas falas da mãe e da criança. A mãe se declara como uma mãe presente na vida do filho, e o filho a enxerga como ausente, desde a ida à escola até as idas ao futebol. Assim, será que a ausência da mãe não está relacionada ao trabalho e à falta de tempo pelo acúmulo de tarefas? Contradição que também aparece no laudo social, quando a mãe reconhece o desejo da criança de morar com o pai, porém se preocupa com o fato de ele e sua esposa trabalharem. Já Henrique expressa que poderá morar com o pai, justamente porque ele não trabalha e assim terá tempo para cuidar dele. Será que esse fato está relacionado ao período da ausência do pai no trabalho, devido a

problemas de saúde?! Será que ocorreu um trabalho interdisciplinar entre esses diferentes profissionais de comarcas diferentes?! Será que houve troca de informações, depois das entrevistas realizadas?! Até porque a informação mais específica sobre o fato de o pai trabalhar ou não foi coletada pelas técnicas de outra comarca. Embora não haja o posicionamento das técnicas na legitimação de um ou de outro discurso, também não há evidências de como foram solucionadas essas contradições. Fundamental, portanto, é que os laudos apresentem essas contradições nas falas dos atores e apontem como elas foram entendidas.

Em face dessas contradições, nota-se que o eixo central das narrativas das técnicas é a presença/ausência da mãe na vida da criança, o que nos remete a outra questão, apresentada nos argumentos da atual esposa do requerente (veja-se o núcleo As

necessidades da criança: imposição de limites e de rotina). O foco de sua narrativa é a

ausência de limites de Henrique, que se manifesta na dificuldade de lidar com seu cotidiano. “[...] a ausência de rotina de vida adequada para uma criança de sua idade”; “[...] ausência

de limites em sua vida, não são enfrentadas quando Henrique está na companhia deles, do

casal”; “[...] é criado sem limites, dizendo-nos que geralmente às 2as e 6asfeiras, a criança não

costuma ir à escola, que nos finais de semana, quando vão buscá-lo, ou está na casa da avó materna, ou está na rua, ou na casa do tio, porém nunca está na casa de sua mãe”.

A rotina, como indicador da família para atender ao melhor interesse da criança, tem como base uma concepção de criança que prioriza a razão e a imposição de limites, como apontado também no caso de guarda compartilhada. Sentidos compartilhados também pelo pai, quando afirma que a avó não consegue impor limites, por ser idosa. Tal como defendemos no caso anterior, parte-se de uma concepção que instaura a ordem no mundo infantil, como analisa Foucault (1996), em Os anormais. Comportamentos que divergem das regras disciplinares são comportamentos que devem ser corrigidos. Relações de poder que atingem o indivíduo nas famílias, produzem discursos, pensamentos, ideias, afirmadas como saberes, com efeitos de verdade. Ignora-se a possibilidade de que nesses espaços, casa da avó materna, casa do tio e a rua – tempo em que passa brincando – sejam lugares vivenciados por Henrique e que fazem parte da construção de sua história, do contexto de suas relações sociais e afetivas, que marcam e interferem em seu desenvolvimento. Espaços em que a brincadeira é o mediador para seu processo de desenvolvimento, pois, como alerta Vygotsky (2004):

A brincadeira [...] é ao mesmo tempo a melhor forma de organização do comportamento emocional. A brincadeira da criança é sempre emocional, desperta nela sentimentos fortes e nítidos, mas a ensina a seguir cegamente as emoções, a combiná-las com as regras do jogo e seu objetivo final. (p.147).

Importante é, portanto, que a rotina e a imposição de limites sejam analisadas em sua complexidade, não pela ordem da normatização e da correção, que tem como objetivo a massificação, a disciplinarização e a ordem social, além de ignorar os sentimentos, os afetos, implicados nesses espaços, que interferem no processo educativo de Henrique. Retomamos aqui, uma passagem de Vygotsky (2004), em Psicologia Pedagógica, em que assinala que não basta ensinar ao aluno a pensar e assimilar a geografia, a história ou a astronomia, mas é necessário ensinar também a senti-las. A emoção, como ele destaca, não é um agente menor que o pensamento, e sim é a base do processo educativo, base reguladora do comportamento.

“Nenhuma forma de comportamento é tão forte quanto aquela ligada a uma emoção” (p. 143). Suscitar uma mudança de comportamento é provocar e deixar vestígios dessas emoções, ideia reforçada por Vygotsky (2006), quando afirma que o desenvolvimento infantil é muito mais que a compreensão de idades cronológicas. É um desenvolvimento, que tem sua origem na trajetória das relações sociais, constituídas pelos afetos, potencializadoras das funções psicológicas. Vygotsky (2006) afirma que cada palavra, cada objeto, de determinado contexto, tem para a criança uma força afetiva, atraente ou não, que a incita à ação, ou seja, a orienta.

6.1.8 Núcleo Guarda definitiva ao pai, direito de visita da mãe e pai capaz de manter