Capítulo 4 – 12.º ano – Matemática A
4.7. Números Complexos (NC 12)
Introdução aos números complexos
Complexo conjugado e módulo dos números complexos Quociente de números complexos
Exponencial complexa e forma trigonométrica dos números complexos Raízes n-ésimas de números complexos
Ilca Nobre da Cruz Página 137 de 171
Antes
A introdução dos números complexos era feita com uma pequena abordagem histórica como estava previsto, mas nem sempre se fazia alusão ao episódio que suscitou o aparecimento deste tipo de números.
Agora
Considera-se que é importante que os alunos saibam que foi a resolução de equações do 3.º grau que conduziu ao aparecimento dos números complexos. Os alunos devem ser sensibilizados para a constatação que o progresso da Matemática, ao longo dos séculos, surgiu “por acaso” motivado pelo muito trabalho realizado na procura de soluções de problemas e/ou de equações.
(Metas Curriculares de Matemática A, pág.58)
Se na equação do terceiro grau 𝑦3+ 𝑎𝑦2+ 𝑏𝑦 + 𝑐 = 0 , onde 𝑎, 𝑏, 𝑐 ∈ ℝ, se aplicar a mudança de variável 𝑦 = 𝑥 −𝑎 3 , obtém-se 𝑥3+ 0𝑥2+ (𝑏 −1 3𝑎 2) 𝑥 + 2 27𝑎 3−𝑎𝑏 3 + 𝑐 = 0
ou seja, uma equação do tipo 𝑥3+ 𝑝𝑥 + 𝑞 = 0 com { 𝑝 = 𝑏 −1 3𝑎 2 𝑞 =𝑎 3( 2 9𝑎 2− 𝑏) + 𝑐 Se (𝑞 2) 2 + (𝑝 3) 3
≥ 0 então uma das soluções é dada pela «fórmula resolvente para equações do terceiro grau»:
𝑥 = √−𝑞 2+ √( 𝑞 2) 2 + (𝑝 3) 3 3 − √𝑞 2+ √( 𝑞 2) 2 + (𝑝 3) 3 3
Conhecida uma das soluções, pode decompor-se o polinómio em fatores e determinar assim todas as soluções.
O matemático Rafael Bombelli (1526-1572) aplicou a fórmula de Cardano à equação 𝑥3− 15𝑥 − 4 = 0
Atendendo à semelhança entre os radicandos, consegue chegar à conclusão que 2 + √−121 = 2 + 11√−1 e que 2 − √−121 = 2 − 11√−1
e que
2 + 11√−1 = (2 + √−1)3 e que 2 − 11√−1 = (2 − √−1)3
e encontra uma das soluções
Ilca Nobre da Cruz Página 139 de 171 Destes cálculos, surge a necessidade de se construir um conjunto de números que englobe o ℝ e que contenha um elemento27 « 𝑖 » tal que 𝑖 × 𝑖 = −1.
Assim, deve ficar claro para os alunos que o aparecimento dos números complexos28
surgiu na resolução de equações do 3.º grau e não do 2.º grau (para estas, já era assumido há muitos séculos a impossibilidade da sua resolução analítica se o binómio discriminante fosse negativo) e que passou pela tentativa de resolver inúmeras equações.
A determinação de raízes de polinómios tem sido um facto a acelerar o progresso da Matemática.
Propõe-se então, a construção de um modelo matemático: um conjunto de números que contenha os números reais e uns outros no qual seja possível encontrar as soluções de equações que conduzem a expressões do tipo 𝑥2𝑛= 𝑘, 𝑛 ∈ ℕ, 𝑘 ∈ ℝ−.
Esse conjunto vai ser designado por ℂ.
O corpo ℂ é construído a partir de ℝ2 onde são definidas duas operações:
«+» como (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) e «×» como (𝑎, 𝑏) × (𝑐, 𝑑) = (𝑎𝑐 − 𝑏𝑑, 𝑎𝑑 + 𝑏𝑐)
que gozam das propriedades comutativa e associativa, em que (0,0) é o elemento neutro de «+», (1,0) é o elemento neutro de «×» e «×» é distributiva em relação a «+».
A unidade imaginária 𝑖 é um elemento de ℂ tal que 𝑖 × 𝑖 = −1 e representa-se no plano complexo pelo ponto de coordenadas (0,1).
ℂ = {𝑧 = (𝑥, 𝑦) ∈ ℝ2: 𝑧 = 𝑥 + 𝑦𝑖} onde se verificam as operações referidas.
Assim,
ℝ é um subconjunto de ℂ se associarmos a cada 𝑥 ∈ ℝ o par ordenado (𝑥, 0) e verifica-se que o resultado das operações com pares ordenados em que a 2ª coordenada é nula é igual ao resultado de aplicar as operações usuais de ℝ aos números que constituem as primeiras coordenadas.
27 É Euler, em 1777, que adota pela primeira vez o símbolo i para designar √−1 e escreve 𝑖2 = −1 28 É a Gauss (1777-1855) que se deve a definição de número complexo que ainda hoje se usa
𝑖2 = (0,1) × (0,1) = (0 × 0 − 1 × 1,0 × 1 + 1 × 0) = (−1,0) = −1 + 0𝑖 = −1 O conjunto ℂ é definido como «corpo dos números complexos».
A partir daqui o Programa de Matemática A de 2014 segue os moldes do Programa anterior.
Representação de números complexos no «plano de Argand», definição de afixo de um número complexo, propriedades algébricas e geométricas do conjugado e do módulo de um número complexo e operações com números complexos na forma algébrica e na forma trigonométrica; interpretação de operações com números complexos usando as isometrias do plano e/ou homotetias do plano.
Exemplos retirados do Caderno de Apoio:
Ilca Nobre da Cruz Página 141 de 171 (Página 78)
(Página 80)
Comentário:
Quando se define o conjunto ℂ como «corpo dos números complexos» é natural que alguns dos alunos mais atentos e interessados questionem o que é um «corpo». Esta informação complementar para o professor não foi contemplada no Caderno de Apoio.
Os docentes devem prever essa situação quando estiverem a planificar este assunto e prepararem uma breve explicação da definição de corpo enquadrada por uma abordagem simples e resumida do que são estruturas algébricas.
Assim, será apropriado recordar que:
Uma operação 𝜃 é fechada para um conjunto 𝐴 quando ∀𝑥, 𝑦 ∈ 𝐴 ∃1𝑧 ∈ 𝐴: 𝑥𝜃𝑦 = 𝑧 .
O conjunto 𝐴 é um «grupóide» relativamente à operação 𝜃 se e só se 𝜃 define uma aplicação de 𝐴2 em 𝐴.
(𝐴, 𝜃) é grupóide se e só se 𝜃 é fechada para 𝐴 .
Ilca Nobre da Cruz Página 143 de 171 𝑢 é elemento neutro de um grupóide (𝐴, 𝜃) se e só se ∀𝑥 ∈ 𝐴, ∃𝑢 ∈ 𝐴: 𝑢 𝜃𝑥 = 𝑥𝜃𝑢 = 𝑥 Dois elementos são opostos quando operados um com o outro dão o elemento neutro. Um elemento de um grupóide associativo diz-se «regular» quando tiver oposto.
«Grupo» é um grupóide associativo com elemento neutro, em que todos os elementos são regulares.
Um grupo diz-se «abeliano» ou «grupo comutativo» quando a operação é comutativa. Um grupo que não seja abeliano é um «grupo simples».
Considerando (𝐴, 𝜃) e (𝐵, Τ), chama-se «isomorfismo» a toda a aplicação biunívoca entre 𝐴 e 𝐵 tal que {𝑥, 𝑦 ∈ 𝐴 ⇒ 𝑓(𝑥), 𝑓(𝑦) ∈ 𝐵
𝑓(𝑥𝜃𝑦) = 𝑓(𝑥)Τ𝑓(𝑦)
Se 𝑓 é um isomorfismo, também 𝑓−1 é um isomorfismo.
(𝐴, +, . ) é um «anel» se for um terno ordenado (conjunto associado a duas operações, a que se chamam normalmente adição e multiplicação, que obedece às seguintes condições:
1) (𝐴, +) é um grupo comutativo 2) (𝐴, . ) é um semi-grupo
3) A multiplicação é distributiva em relação à adição, à direita e à esquerda. Um anel é comutativo quando a segunda operação é comutativa.
O elemento neutro do anel é o elemento neutro de (𝐴, +). (É o elemento neutro da primeira operação).
O elemento unidade do anel é o elemento neutro da segunda operação.
«Corpo» é um anel comutativo com elemento unidade e em que todos os elementos são regulares exceto o zero, ou seja,
(𝐴, +, . ) é corpo se e só se
1) (𝐴, +) é um grupo comutativo
2) (𝐴, . ) é um grupo comutativo para as operações que não incluem o zero da primeira operação (+)
3) A segunda operação (.) é distributiva em relação à primeira (+). Assim, com as operações usuais, ℝ e ℂ são corpos, mas ℤ não é.